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Tudo que há entre o nada e a morte é milagre

Semana passada tive que encarar o tempo, quando meu marido e eu perdemos uma pessoa muito querida

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Woman praying and free bird enjoying nature on sunset background
1 de 1 Woman praying and free bird enjoying nature on sunset background - Foto: iStock

Nesta terça-feira (26/9) é o meu aniversário de 32 anos e estou triste. Triste, não, estou meio desconsolada. O tempo está me traindo, ele me rouba a vida todos os dias. Semana passada tive que encarar essa dura realidade de perto, quando meu marido e eu perdemos uma pessoa muito querida. Tio Cacá tinha pouco mais de 60 anos e deixou uma filha de 16. Ela faz aniversário exatamente no mesmo dia que eu. Em família, a chamamos de Loly.

Neste ano, Loly e eu (ela de maneira muito mais profunda) nos aproximamos de nosso aniversário sob a sombra do fim da vida. Como a gente pode lidar com o fato de que cada um deles nos aproxima deste encontro doloroso e inescapável com a morte?

Loly é cristã e encontrou imenso consolo em saber que seu pai foi acolhido por almas de luz ao despertar no além. Eu, meio budista, meio agnóstica, tento encontrar consolo para a morte (a minha e a dos outros) na própria vida. Dei a Loly o conselho de não pensar na vida perdida, de focar na vida ganha. De pensar em tudo que o pai dela significou e como é mágico que sejamos todos apenas um fragmento de poeira cósmica e, mesmo assim, signifiquemos o universo inteiro para as pessoas que nos amam.

E Loly, que é mulher como eu, vai ter que enfrentar esse esvair-se da vida de uma forma meio dura. Nós, mulheres, quando envelhecemos, ouvimos que estamos mais feias, enquanto os homens estão se tornando galãs grisalhos mais parecidos com George Clooney. Estão todos enganados, Loly, eu prometo. Me sinto cada dia mais bela porque sou cada dia mais sábia. Com o passar do tempo conheço mais o meu corpo e tenho mais domínio sobre seus potenciais de beleza.

E quando chegamos aos 32, como eu, começamos a ter medo do nosso útero falhar em breve. Começamos a planejar filhos antes que a natureza nos roube o poder de criar a vida. E os homens, esses, podem ter filhos pra sempre — ainda mais no mundo do Viagra.

E mesmo quando nós tivermos filhos, amada Loly, vamos ficar com medo de presenteá-los com a certeza da morte. Vamos saber que ela virá para eles também. E, se a natureza for justa conosco, eles terão que chorar nossa partida como agora nós choramos a do seu pai.

E mesmo assim, Loly, que beleza a vida, e como queremos presenteá-la a outros seres, não é?

Que beleza que seu pai sorria, como nós duas sorrimos. Que milagre que ele amava, como nós duas amamos. Que surpreendente que ele teve fé na humanidade e força para fazer o bem ao seu redor, como a gente também tenta.

E mesmo que um dia a certeza de Deus de te falhar, Loly — como falha a mim todos os dias, confesso — eu te sugiro mudar de pergunta. Talvez o mais importante nunca tenha sido perguntar se Deus existe, mas o que é Deus. Se fizermos essa pergunta, nós o encontraremos sem necessidade de acreditar. Porque nós saberemos o que é Deus. E veremos Deus e veremos vida numa multiplicidade tão grande de lugares que corremos o risco até de nos descobrirmos partículas divinas.

E hoje, que é o nosso aniversário, que não esqueçamos de celebrar o tempo que nos foi dado entre o nada e a morte. Estamos vivas, Loly. Somos dois milagrinhos.

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