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Lucio Costa era um cronista, sem perder a grandeza do que escrevia

Doutor Lucio era reflexivo sem ser acadêmico, sofisticado sem ser pernóstico, coloquial sem ser tolo – escrevia ao modo crônica

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Lucio Costa
1 de 1 Lucio Costa - Foto: null

Ele vem chegando devagarzinho, embora continue no mesmo lugar de sempre, como se estivesse à minha espera. E é bastante provável que tenha me esperado todo esse tempo. Soa bem pretencioso, mas escrever uma biografia contém a arriscada pretensão de tentar reconstituir a alma de uma pessoa, fazê-la renascer do silêncio e da solidão. De repente, no vagar do namoro, um susto: Lucio Costa era um cronista! Exclamo, quase grito, quando leio a professora Sophia da Silva Telles identificar um lirismo de crônica nos escritos do arquiteto. Doutor Lucio era reflexivo sem ser acadêmico, sofisticado sem ser pernóstico, coloquial sem ser tolo – escrevia ao modo crônica.

Chamar de cronista um pensador do porte de Lucio Costa pode bambear as pernas do concreto armado. Intelectual primoroso, desdenhava elegantemente da rigidez acadêmica. “O seu espírito agudo mantém uma temperança, um senso de humor que nos alcança e inclui a todos”, escreve a professora da PUC-Campinas no posfácio de Registros de uma vivência (terceira edição). Lucio escreve fácil sobre assuntos difíceis.

Causa estranheza dizer que Lucio Costa foi um cronista, observa Sophia, revelando o cuidado de não decepcionar os leitores do seu campo intelectual. Mas a prof se arrisca com segurança: há uma tranquilidade de estilo, diz a professora, seja quando o arquiteto trata de preceitos do urbanismo ou de seus brinquedos de infância. Não bastasse ter criado o plano-piloto da capital de um país, LC foi uma espécie de Freud da arquitetura brasileira: tirou das profundezas inconscientes a fundante arquitetura colonial, articulou as razões da arquitetura moderna brasileira e de quebra pensou o tempo todo o país e a alma brasileira. Tudo escrito de um jeito bom de ler.

A sutileza com que escreve sobre todos esses temas passa a sensação de que Lucio Costa exerceu “algo da crônica cotidiana”, deleita-se Sophia, do alto de sua condição de importante pensadora da arquitetura moderna brasileira. É estranho chamar de cronista “alguém que escreveu tanto e tão minuciosamente sobre todos os aspectos envolvidos na arte e na arquitetura da colônia, bem como em seus projetos de urbanismo”, escreve Sophia Telles. “Mas é exatamente na descrição desses aspectos que o tom coloquial alcança a qualidade de um estilo”.

LC parecia se divertir com as palavras, de igual para igual, sem qualquer desejo de exibir erudição. Conversava consigo mesmo sem as interdições acadêmicas e deitava no papel o encadeamento de suas reflexões, totalmente à vontade na sua própria dança. E talvez risse de si para si, o sorriso que aparece em muitas de suas poucas fotos. Paro por aqui, exultante, como alguém que não tinha consciência do que iria encontrar, embora desconfiasse do que iria encontrar. Sigo procurando Lucio, já sabendo que quando a gente procura muito uma pessoa ela entra dentro da gente.

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