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Governo federal demora até 2 anos para responder pedidos na LAI

Desde 2019, 14 mil cidadãos esperaram além do prazo legal de 30 dias. Levantamento do Metrópoles mostra o constante desrespeito à legislação

atualizado

Arte Metrópoles
Desde 2019, 11 mil cidadãos esperaram além do prazo legal de 30 dias

Em 9 de maio de 2019, após o Ministério da Educação (MEC) anunciar contingenciamento de 30% no repasse às universidades federais, um jornalista procurou, via Lei de Acesso à Informação (LAI), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e outras instituições de ensino para dimensionar em que medida o corte no orçamento as afetaram.

Por lei, as informações deveriam ser fornecidas, no máximo, em até 30 dias. A instituição mineira, no entanto, ultrapassou o prazo legal e respondeu à demanda apenas em 25 de maio do ano passado, depois de 715 dias — pouco mais de dois anos após o envio do pedido. Esta foi a solicitação que demorou mais tempo para ser sanada desde o início do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).

O descumprimento do período estabelecido pela LAI tem acontecido recorrentemente na administração pública. Desde 2019, cerca de 14.695 requerimentos extrapolaram o prazo para respostas. O levantamento foi feito pelo (M)Dados, núcleo de análise de grande volume de informações do Metrópoles, com base em material disponibilizado pela Controladoria-Geral da União (CGU).

Para chegar a este número, a reportagem cruzou prazos de atendimento com as datas das respostas iniciais, sem considerar eventuais recursos feitos pelo cidadão – o que estende o período estipulado em lei. Vale ressaltar que a norma estabelece prazo legal de 20 dias corridos para que o retorno seja dado. Esse período, no entanto, pode ser prorrogado por mais 10 dias.

A segunda e a terceira demanda na lista de atrasos foi feita para o Ministério da Infraestrutura. Com 690 dias para uma resposta, o pedido mais demorado feito ao órgão não foi sequer respondido. A pasta atrasou a resposta apenas para, depois de quase dois anos, classificar a informação como sigilosa.

Para o segundo pedido, o órgão demorou 639 dias para dizer ao requerente que não tinha “competência para responder sobre o assunto” demandado.

A situação prejudica bastante a transparência, o controle social e a democracia do país, explica o diretor executivo da Transparência Brasil, organização independente especializada em combate à corrupção, Manoel Galdino.

“Em primeiro lugar, porque desestimula o cidadão de fazer novos pedidos de acesso à informação no futuro. Em segundo, a exigência de fornecer a informação rapidamente (de maneira tempestiva, no jargão jurídico) é importante para o controle social e garantir accountability do poder público”, explica o especialista.

“Sem informação, o jornalismo não pode fazer a matéria, o cidadão não pode fazer o controle social. Em última instância, prejudica a própria democracia, na medida em que um dos seus pilares é o direito do cidadão de ter informação sobre o que o governo faz, para avaliar seu desempenho e poder escolher seu voto”, completa o profissional ao Metrópoles.

Outro pedido atrasado foi postulado por uma mestranda de um programa de pós-graduação. A estudante esperou por 616 dias para obter informações da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Na ocasião, a discente desenvolvia uma dissertação sobre o comportamento dos custos nas instituições de ensino e, por isso, demandou quase três dezenas delas.

Dentre os 10 pedidos mais atrasados, cinco foram direcionados a universidades. De todo o governo federal, as instituições de ensino são os órgãos que mais retardam a apresentação de respostas. Além delas, o Ministério da Infraestrutura, o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS) e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento também figuram no ranking de descumprimentos.

A jornalista Maria Vitória Ramos – cofundadora e diretora da agência independente de dados especializada no acesso à informação, a Fiquem Sabendo – aponta dois motivos para essa típica demora das universidades públicas federais.

“O primeiro é a falta de previsão orçamentária para as universidades; o segundo é o fato de muitas ainda não terem autoridades responsáveis apontadas e diversas estaduais, como no caso das paulistas terem saído do Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC) do estado. Hoje universidades de São Paulo têm um e-SIC separado do resto da administração, com instâncias recursais próprias. Ou seja, fora da ‘pouca’ vigilância dos órgãos de controle”, explica.

“Os órgãos não sofrem punição, porque a CGU não tem poderes, nem de incentivo monetário, nem de punição. Existe a punição para o servidor que descumprir diretamente a LAI. O que a CGU faz para tentar incentivar os órgãos é o ranking, publicado no painel da LAI”, afirma Ramos.

O painel publicado pela Controladoria mostra que, até quarta-feira (26/1), o Ministério da Saúde era o órgão com o maior número (26) de omissões em respostas atualmente.

O levantamento feito pelo Metrópoles, porém, indica que o órgão também lidera o ranking ao se considerar todos os pedidos feitos desde 2019. A pasta deixou 1.279 requerimentos sem resposta no prazo. Em seguida, estão o Ministério da Cidadania (com 791), o Ministério da Economia (443), a Anvisa (428), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (380) e a UFPI, com 330 respostas atrasadas.

Jornalistas do Metrópoles estão entre os prejudicados pela demora do Ministério da Saúde. Em 25 de fevereiro do ano passado, foram solicitados à pasta documentos enviados ao Tribunal de Contas da União (TCU) no âmbito de um processo que apurava os critérios de distribuição de comprimidos de cloroquina para os estados, o Distrito Federal e os municípios. Trezentos e dois dias depois, em 24 de dezembro e véspera de Natal, o órgão finalmente respondeu. O assunto, contudo, já havia sido discutido amplamente na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19.

Outro lado

O Ministério da Saúde foi procurado, via assessoria de imprensa, na terça-feira (25/1) para se manifestar sobre ser o órgão com mais omissões, mas não respondeu. As universidades federais de Minas Gerais (UFMG), do Piauí (UFPI) e do Amapá (Unifap) foram demandadas na quarta-feira (26/1).

O Ministério da Infraestrutura afirmou não ter tido acesso aos pedidos. Segundo o órgão, os pedidos foram enviados originalmente em 2019 na Companhia Docas do Maranhão (Codomar). Em janeiro de 2018, a companhia foi incluída no Programa Nacional de Desestatização, ficando sob responsabilidade da pasta a execução das medidas e coordenação do Ministério da Economia, como aponta a própria Infraestrutura.

“Após o fechamento da empresa, a CGU procurou o Ministério da Infraestrutura, redirecionando 10 demandas em 25 de fevereiro de 2021. O Ministério da Infraestrutura não tinha acesso aos pedidos, nem mesmo às análises ou respostas registradas originalmente, até serem repassados pela CGU. Em nenhum dos dois casos é possível se falar em atraso por parte do Ministério da Infraestrutura”.

A Universidade Federal de Minas Gerais informou que, desde o início da gestão 2018/2022, tem trabalhado ativamente para otimizar o atendimento via Serviço de Informação ao Cidadão (SIC). “Segundo levantamento do órgão, em 2019 existiam quase 100 manifestações em atraso, o que resultou em um longo processo para regularização do quadro. Em 2021, a UFMG conseguiu zerar as manifestações em atraso. Atualmente o tempo médio de respostas da UFMG é de 21 dias.”

As outras universidades também não se manifestaram. O espaço segue aberto.






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