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Escândalo macabro do kit-covid deixa o governo de rabo preso

Prevent Senior e o governo Bolsonaro fizeram uma parceria para que a economia não parasse mesmo à custa de milhares de mortes

atualizado

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Roque de Sá/Agência Senado
Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia (CPIPANDEMIA) realiza oitiva da advogada representante dos médicos que trabalharam na Prevent Senior e elaboraram um dossiê entregue à comissão com diversas denúncias sobre o tratamento da empresa aos pacientes com covid-19, inclusive com a alteração de prontuários. Em pronunciamento, à mesa, advogada representante dos médicos que trabalharam na Prevent Senior, Bruna Morato. À esquerda, advogado da depoente, Roberto Ricomini Piccelli.
1 de 1 Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia (CPIPANDEMIA) realiza oitiva da advogada representante dos médicos que trabalharam na Prevent Senior e elaboraram um dossiê entregue à comissão com diversas denúncias sobre o tratamento da empresa aos pacientes com covid-19, inclusive com a alteração de prontuários. Em pronunciamento, à mesa, advogada representante dos médicos que trabalharam na Prevent Senior, Bruna Morato. À esquerda, advogado da depoente, Roberto Ricomini Piccelli. - Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Por um momento, deixe de lado tudo o que a CPI da Covid-19, a poucas semanas do seu desfecho, revelou até aqui sobre a tentativa de compra superfaturada de vacinas, a aposta do governo na imunização coletiva via a transmissão espontânea do vírus de pessoa para pessoa, e sua inércia no combate à pandemia.

Fixe-se apenas no que poucos sabiam e só ontem se tornou público com o depoimento da advogada Bruna Morato, que diz representar 12 médicos que trabalham ou trabalharam na Prevent Senior, uma das maiores operadoras de planos de saúde do Brasil, dona de 10 hospitais, que emprega 14 mil pessoas e atende a mais de 500 mil.

Foi o depoimento mais arrepiante jamais ouvido por senadores perplexos e em estado de choque desde a instalação da CPI no final de abril último. Morato descreveu em detalhes como atuou a Prevent, de comum acordo com o governo, na prescrição para seus pacientes de drogas comprovadamente ineficazes contra a doença.

A empresa alinhou-se com o governo Bolsonaro, mais concretamente com o Ministério da Economia, para promover a hidroxicloroquina e outros medicamentos. O objetivo: estimular as pessoas a saírem de casa, boicotando as medidas de isolamento social baixadas por governadores e prefeitos.

O importante é que a economia não parasse. O governo queria porque queria exorcizar o fantasma do “lockdown”, que significa confinamento ou fechamento total de regiões de um país para impedir o alastramento de um mal. Bolsonaro viu no isolamento uma maneira de acabar com suas chances de reeleição.

“Morrerão os que tiverem de morrer”, dizia. “Eu não sou coveiro”. “Está superdimensionado o poder destruidor desse vírus”. “Para 90% da população, isso vai ser uma gripezinha ou nada”. “Parece que está começando a ir embora essa questão do vírus”. “Fui acometido do vírus e tomei a hidroxicloroquina.”

Segundo a advogada, os médicos da Prevent recebiam da direção da empresa um pacote lacrado com medicamentos do kit-covid e uma receita já pronta que deveria ser entregue a pacientes que apresentassem sintomas gripais. “Não existia autonomia com relação à retirada de itens desse kit”, ela disse.

Os médicos plantonistas davam o pacote aos pacientes porque se não o fizessem seriam demitidos. Muitos foram. Não procuraram suas entidades de classe para se queixar porque elas eram aliadas do governo federal. Era o caso do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Ainda é.

Outra razão para a Prevent usar os pacientes como cobaia no experimento do kit-covid: redução de custos. “Saía mais barato entregar os remédios, muitas vezes em casa, do que realizar internação em UTI”, explicou Morato. Mesmo infectados, médicos foram obrigados a atender pessoas nos hospitais.

“Óbito também é alta”, observou a advogada. No início da pandemia, a Prevent acumulou 30% das mortes por Covid no Brasil, o que chamou a atenção do então ministro da Saúde, Luiz Mandetta. De lá para cá, cerca de 4.000 pacientes internados na rede de hospitais da Prevent morreram com a doença.

A CPI está numa encruzilhada. Como antecipar seu final depois de ter esbarrado em uma história de horror de tal magnitude? Como não investigá-la a fundo? Como não convocar outra vez para deporem o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e seu antecessor, o general Eduardo Pazuello?

À época dos fatos, o chefe da Casa Civil da presidência da República era o general Braga Neto, hoje ministro da Defesa. Bolsonaro designou-o para coordenar todas as ações do governo no enfrentamento da pandemia. Por que a CPI nunca o ouviu? E por que parece inclinada a não ouvi-lo? Medo de reação militar?

Ora, Bolsonaro não disse que não haverá golpe e que as Forças Armadas não obedeceriam a ordens absurdas mesmo que partissem dele, seu Comandante Supremo? Pelo menos uma, obedeceram, mas vai ver que inocentemente… No ano passado, o Exército aumentou em 12 vezes sua produção de cloroquina.

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