É de arrepiar. GDF cria e distritais aprovam crédito fantasma de R$ 1,58 bilhão com dinheiro que não existe
Projeto do Executivo votado na Câmara Legislativa autoriza “crédito extraordinário” bilionário, e o governo aposta que esses recursos virão de arrecadação futura, apesar das frustrações de receita enumeradas pelo próprio Buriti
atualizado
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O GDF conseguiu aprovar em segundo turno, na noite desta quarta-feira (16/12), na Câmara Legislativa, dois projetos de lei apavorantes, que criam “créditos extraordinários” de R$ 1,58 bilhão baseados numa arrecadação imaginária. É isso mesmo. Sabe aquela história do ovo que a galinha ainda não botou? É mais ou menos isso que o Buriti emplacou.
É a primeira vez, na história da Câmara Legislativa, que os deputados aprovam esse tipo de projeto. Entre a votação em primeiro e segundo turno, a conversa que circulava nos corredores da Casa era a de que os distritais se preparavam para autorizar um “jumbão” de “créditos podres”. Jumbão pelo volume surreal de dinheiro. Podres por contarem com uma perspectiva de arrecadação fictícia.Um dos projetos prevê R$ 1,2 bilhão com o objetivo de “sanear a situação de calamidade por que passa o Distrito Federal”. O outro abre crédito extraordinário para as áreas de saúde, educação, transporte e limpeza urbana no valor de R$ 380 milhões.
O projeto é tão assustador que o próprio GDF, autor da proposta, usa como argumento três exemplos de frustração de receita para justificar a medida. O Executivo levanta que, entre convênios e operações e crédito, deixou de arrecadar cerca de R$ 3,2 bilhões em 2015. Como, então, seria possível confiar numa projeção tão otimista para um futuro próximo?
Mas o GDF não só superestimou as receitas de 2016 como justificou a iniciativa para cobrir a folha salarial de dezembro deste ano. O arrepio chega à espinha dorsal quando o governo diz que o problema é de “calamidade pública”. Os créditos extraordinários estão previstos na Lei n° 4.320, de 1964, que os define como “destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção intestina ou calamidade pública”. Em geral, é um expediente usado em casos extremos.
“Total escuridão”
O deputado Wellington Luiz (PMDB), que votou contra o projeto, é um dos críticos da matéria. “É um crédito presumido. O governo fez uma projeção e nós a aprovamos, com total escuridão. Já tem uma crise instalada e vamos começar o ano com uma dívida enorme. O GDF fez uma projeção que não sabe se vai alcançar.”
Há outro ponto nebuloso, ressalta o distrital: não há indicação de fonte dessas receitas. O Buriti, entretanto, tem o discurso pronto para contornar essa peculiaridade. “O crédito extraordinário não precisa de indicação de fonte”, explica o secretário-adjunto de Planejamento, Renato Brown.
O argumento, entretanto, não comove especialistas em finanças ligados à Câmara Legislativa e ao próprio GDF, que veem com temor a manobra do Executivo. “É dinheiro que ainda não existe. Como contar com uma ‘arrecadação futura’ presumindo que ela virá com superávit?”, questiona um graduado técnico com trânsito no parlamento e no Buriti. “Isso é uma geringonça. Contar com uma possível arrecadação para cobrir um rombo é uma falsa receita”, emenda outro experiente servidor dos quadros técnicos.
Pedaladas
Antes da aprovação do projeto em plenário, os emissários do governador Rodrigo Rollemberg — os secretários Igor Tokarski (Relações Institucionais) e Leany Lemos (Planejamento, Orçamento e Gestão), além de Renato Brown — propagavam a matéria como sendo o fim das pedaladas — quando se gera despesa sem previsão orçamentária.
A prática, adotada desde 2003, consiste em pagar os salários de dezembro e o 13º dos servidores públicos com recursos do ano seguinte, e não com dinheiro do exercício financeiro corrente. A proposição do governo sugere a revisão da meta fiscal prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2015, mantendo os pagamentos no orçamento deste ano.
Com escassez de recursos, o pagamento da folha de dezembro de 2015 — cerca de R$ 1,6 bilhão — continuará sendo feito com a receita de 2016, mas contabilizado no orçamento de 2015. A medida transforma a folha em restos a pagar, e não mais em despesas do ano que se inicia.
Apesar do discurso palaciano, o presidente da Comissão de Economia Orçamento e Finanças (Ceof), deputado Agaciel Maia (PTC), admitiu que a dívida será empurrada para o ano que vem. Mas garante que o déficit será deduzido em cada superávit que houver a partir de 2016. “O conceito de calamidade é amplo”, ironizou o distrital.