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O que o machismo tem a ver com a morte de Yago Sik?

O jovem foi morto ao sair de uma festa no Conic, ao tentar defender uma amiga que sofria agressões do ex-namorado, Lucas Albo

Autor Daianne Monteiro

atualizado

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Arquivo Pessoal
yago linhares
1 de 1 yago linhares - Foto: Arquivo Pessoal

Yago Linhares, 23 anos, foi assassinado com três tiros na área externa do Edifício Eldorado, no Setor de Diversões Sul, na manhã de domingo (2/7). Ele estava saindo da festa 5uinto, por volta das 6h20, quando foi atingido no tórax e na cabeça pelos disparos.

O assassino é Lucas Albo, que estava agredindo a ex-namorada dentro da festa e Yago tentou defender a moça. Isso teria motivado o crime. Abaixo, a DJ residente da festa 5uinto publica um artigo a respeito do assunto:

 

Nesta semana presenciamos o que, sem dúvida, foi o fato mais assustador em 10 anos de edições do 5uinto: o assassinato, a sangue frio, de um de nossos frequentadores. Nesse momento de perplexidade, uma avalanche de pensamentos permeiam nossas mentes.

Por que tamanha violência? Seria possível ter evitado o ocorrido? Pensar na família e amigos da vítima também nos faz sentir impotentes diante da situação. Por isso, frente a um ato covarde e cruel como esse, é indispensável falarmos sobre o principal gatilho para o crime: o machismo. Sim. Foi ele.

Primeiro, vale ressaltar que machismo é completamente diferente de feminismo. É clichê, mas ainda tem muita gente que associa uma coisa a outra e deslegitima a luta feminista. O machismo é a expressão máxima de violência contra a mulher. É um comportamento onde há desrespeito físico, moral e psicológico contra o ser feminino. Uma relação em que o gênero masculino considera ter amplos poderes sobre o feminino, avaliando-o como inferior.

Já o feminismo luta por igualdade entre gêneros, com ampliação do papel da mulher na sociedade, incluindo o direito negado a ela com relação às decisões referentes ao seu próprio corpo. O feminismo é uma luta social e política. O machismo é alcunha de submissão, subserviência, violência e morte.

A cultura machista é historicamente e socialmente endêmica. Ou seja, está enraizada em nosso sistema. Essa mesma cultura mata todos os dias, de várias formas, sejam elas silenciosas ou estridentes. Segundo o Mapa da Violência sobre homicídios de mulheres no Brasil, o índice de feminicídios cresce assustadoramente.

A taxa, que em 1980 era de 2,3 vítimas por 100 mil, pulou para 4,8 em 2013, um aumento de 111,1%. Num ranking de 84 países, o Brasil ocupa a 5ª posição entre as nações que mais matam mulheres no mundo, superando, por exemplo, a Síria. Ainda em termos globais, a ActionAid prevê que mais de 500 mil mulheres serão mortas por seus parceiros ou familiares até 2030.

Mas que relação tem isso com a morte de Yago Sik? Muitos entendem que foi somente um crime impulsionado por inveja e ciúmes. Mas é impossível dissociar ambas as denominações do contexto de cultura machista. Por quê?

Como exposto acima, o machismo estabelece uma ideia de poder do sexo masculino sobre o feminino. Um homem não mata uma mulher (seja ela sua companheira ou ex-companheira) por amor. Antes, ele o faz para provar que possui direitos sobre as decisões que a mulher toma, incluindo não estar mais ao seu lado.

Esse mesmo homem não demonstrará o menor receio ou remorso ao atacar essa mulher. Ele o fará por meio da violência física, moral e psicológica ou, em último caso, tirando a vida dela ou daqueles que são importantes para ela, o que inclui seus familiares, amigos, conhecidos ou qualquer pessoa que o agressor veja como rival nessa ideia ilusória de poder sobre a vítima.

Não podemos concluir que foi exatamente isso o que ocorreu no último final de semana? Essa concepção de inveja começou com um ataque a uma mulher, motivado por idealização de posse. A definição de: ”se não está comigo, com ele também não fica”, culminou no assassinato de um jovem que apenas tentava defender sua amiga de agressões gratuitas.

É estarrecedor presenciar a crescente banalização da vida e perceber que o poder público ainda deve muito à sociedade. Em um extremo temos propostas de leis absurdas, que colocam a integridade emocional de mulheres vítimas de estupro em xeque, e no outro lado, há uma imensa morosidade e resistência do sistema judicial em relação a leis como a Maria da Penha. Essa falha judicial permite que diversas brechas se abram e sejam responsáveis por fatalidades como a de sábado.

Por isso, o combate a essa cultura machista precisa ser visto como uma necessária mudança de padrões comportamentais intimamente ligados à educação. Educação que vai além do âmbito secular e que abrace nossos pais, irmãos, maridos, namorados, amigos, filhos, sobrinhos. Educação que ajude as gerações a ressignificar o ser masculino.

“Os homens têm que encontrar formas de viver melhor com eles mesmos. Porque eles estão se matando. Estão matando e agredindo as mulheres e estão perdendo uma série de coisas que são parte da vida cotidiana e que são muito importantes, como participar da criação dos filhos e filhas; poder amar, poder sentir. Poder chorar”, afirma a doutora Nadine Gasman, representante ONU Mulheres no Brasil.

O machismo é uma doença social e não deve suprimir os gritos de socorro de suas vítimas nem calar, por medo de represálias, aqueles que se dispõem a ajudá-las

Como sociedade, devemos pressionar o poder público para que este tome medidas que efetivamente funcionem. Não podemos continuar com um sistema judicial que é reativo a uma lei que, prioritariamente, PRECISA proteger a mulher vítima de violência, bem como seus entes queridos.

Yago Sik estará sempre presente nos corações de todos os que tiveram o prazer de conhecê-lo. Desejamos, profundamente, que a justiça seja feita e que a família e amigos de Yago possam encontrar paz e acalento necessários nesse momento tão difícil.

Para saber mais sobre como a cultura machista está presente em nossa sociedade e como ela fere dia a dia, indicamos a leitura: O machismo mora nos detalhes.

Outro material que sugerimos é o vídeo a seguir, idealizado pela ONU Mulheres em parceria com o portal Papo de Homem: Precisamos falar com os homens? Uma jornada pela igualdade de gênero.

Se você é vítima de violência ou conhece uma mulher que esteja nessa situação, DENUNCIE! Entre em contato por meio do 180 ou 156 opção 6 (central especifica para Brasília). Procure também a Casa da Mulher Brasileira ou o apoio de ONGs e associações preparadas para um trabalho de amparo e cidadania, como o Instituto Anis e o Centro Feminista Cfemea.

*Daianne Monteiro é DJ residente da festa 5uinto

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