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Os desenhos de Adriana Vignoli e as pedras do tempo na mostra Verter

A exposição fica em cartaz até 7 de julho na Referência Galeria de Arte

atualizado

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Bernardo Scartezini/ESpecial para o Metrópoles
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1 de 1 foto-de-abre1 - Foto: Bernardo Scartezini/ESpecial para o Metrópoles

A passagem do tempo é o centro do interesse de Adriana Vignoli em Verter, a mostra que reúne na Referência Galeria de Arte, até 7 de julho, algumas de suas obras mais recentes.

A ação do tempo e suas consequências sobre a matéria – poderia soar algo muito fugidio para se encaixar num horizonte prático. Mas Adriana tem a seu favor uma recorrente poética: o desenho, que a acompanha desde a graduação em arquitetura, passando pelo mestrado em artes visuais, ambos cumpridos na Universidade de Brasília, e chegando a seu labor diário em ateliê.

“Mais do que uma ferramenta, o desenho é uma forma de pensamento”, elabora Adriana Vignoli dentro de sua própria exposição na Referência, cercada por obras nos mais variados formatos e materiais. “Nem sempre o desenho em si atinge a parede da galeria, mas, mesmo quando isso não acontece, certamente esteve no meu processo. Trabalho com ele o tempo todo: desenho e objeto, desenho e objeto, desenho e objeto, desenho e fotografia.”

De modo que, ao longo da visita à mostra Verter, usando o desenho como parâmetro de intenções e ponto de partida de realizações, pode-se perceber o desdobrar de interesses de Adriana, quem lança mão de diversos procedimentos. Ao mesmo tempo, evidencia-se a unidade de seu pensamento.

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Até por isso, o título, proposto pela curadora Cinara Barbosa, soou para a artista mui feliz e oportuno: Verter. No sentido de uma coisa que se transforma em outra. Um material que se modifica ao longo do tempo – ao longo de uma produção, ao longo de uma carreira.

Alguns dos desenhos de Adriana Vignoli aqui reunidos estão apresentados dentro de caixotes de acrílico, estruturas que funcionam como pequenas arquiteturas para além do papel original, expandindo a superfície do trabalho, criando novas relações espaciais.

Adriana conta que tal movimento nasceu de um cansaço particular dela própria, de um questionamento seguido. Ela não queria uma moldura convencional em torno dos trabalhos, delimitando-os. Pensou então nesses pequenos objetos penduráveis na parede. E, no passo seguinte, chegou a esta série que agora empresta seu nome à mostra: Verter.

São desenhos – ela ainda os entende como desenhos – feitos em grafite diretamente sobre superfícies de concreto. E os próprios blocos de concreto se tornam uma espécie de moldura de si mesmos, estruturados em ângulos retos. Recebem ainda varetas de cobre, um metal condutor de energia, a tensioná-los tanto metafórica quanto composicionalmente.

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Esse mesmo material, concreto, pode ser encontrado como suporte principal para a mais larga peça dessa exposição (196cm x 87,5cm), O Dente do Tempo III, que se espalha sobre a parede como uma “máquina”, para adotar a expressão usada por Adriana. Um encadeamento de elementos a se equilibrarem num jogo de harmonia e tensão.

Além da placa de concreto com desenho em grafite, Adriana também encaixou ali materiais reincidentes em suas pesquisas. Desta feita, o acrílico perde sua tampa e deixa as peças abertas no espaço, servindo apenas de contorno. As varetas de cobre, mais uma vez, tensionam o conjunto e retesam uma liga de látex no limite externo da composição. Uma chapa de metal foi aplicada no concreto, como numa colagem, criando uma dinâmica de texturas. Duas pequenas concavidades, abertas na superfície, serviram de leito para esferas perfeitas, geometricamente impossíveis de serem encontradas na natureza, mas que vêm pontuando a carreira de Adriana nos últimos anos.

O Dente do Tempo III nasceu de uma provocação do curador Manuel Neves feita há um par de anos, quando Adriana Vignoli montava no Elefante Centro Cultural a mostra individual Vãos. A peça não ficou pronta para aquela ocasião. E nem meses depois, para a coletiva Ondeandaaonda no Museu Nacional Honestino Guimarães. Apenas no final de 2017, quando Adriana e Cinara montaram uma exibição da artista na galeria Zipper, em São Paulo, pôde ser apresentada uma escultura formalmente próxima a essa que está engatilhada na Referência.

“Apesar de estar num ambiente formal de galeria, esta é uma exposição que ousa no espaço”, acredita Adriana Vignoli. Ela diz isso no sentido de que muitas das obras apresentadas ainda estão em pleno desenvolvimento, “como se fosse um trabalho em ateliê”.

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Dentro dessa noção de trabalho em progresso, vale notar que aquelas pedras polidas d’O Dente do Tempo III seguem uma cronologia dentro da carreira de Adriana Vignoli. Como puro conceito, surgiram a partir de uma residência em Berlim, quando ela se interessou pela artista alemã Alicja Kwade, cujo trabalho parece desafiar os estados naturais da matéria, emprestando formas absurdas a elementos cotidianos.

Nessa chave, Adriana pensou em se utilizar de pedras de calçamento, em dotar de nobreza algo tão desprezado como mera pavimentação. De volta a Brasília, começou a recolhê-las. Coleção que foi ampliada em temporadas por Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e na tríplice fronteira Foz do Iguaçu/Puerto Iguazu/Ciudad del Este.

Suas pedras de calçamento foram apresentadas, primeiro, em 2015, na galeria de bolso da Casa da Cultura da América Latina, como numa joalheria. Ocupavam o interior de uma mesa, como uma vitrine dentro de uma segunda vitrine, que é a arquitetura dessa pequena galeria da CAL. No ano seguinte, foram mostradas no Elefante.

Até ali, o trabalho se chamava Se Essa Rua Fosse Minha. Agora sob o nome de Se Essa Rua Fosse Tua, declinado como um convite ao público, foi levado à Zipper em 2017 e agora chega à Referência. Nesse trajeto, Adriana explodiu a vitrine. As pedras se esparramam pelo chão, oferecem-se às mãos como anéis que buscam dedos. A intenção da autora é bem esta: que as pessoas peguem os objetos, que os vistam como quem usa uma joia. As ligas de cobre servindo para conduzir – elétrica, tátil e emocionalmente – toda essa energia mineral (as pedras polidas) e biológica (o prezado visitante).

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Esse trajeto cumprido pelas pedras polidas, exatamente a distância entre o conceito primeiro e o objeto final, pode ser entendido como o campo de trabalho diário de Adriana Vignoli.

Logo na entrada da Referência, como a demarcar o terreno e anunciar as intenções galeria adentro, ela ergueu o objeto-instalação Vi um Círculo de Terra Seca na Calçada Onde Antes Havia uma Árvore.

Adriana conta que entende essa peça como uma ampulheta. No seu interior, a terra, outro elemento recorrente de sua poética, serve como índice físico e visível do decorrer do tempo E, mais uma vez, tudo passou pelo desenho, em uma obra que ela só conheceria como terminada ali mesmo, na semana de montagem da exposição.

“Essa ideia da terra aqui dentro tem a ver com algo que está sendo construído ou que foi desconstruído pelo tempo. E isso me lembra Jorge Luis Borges, a história do Aleph. Condensar o tempo num mesmo objeto, numa mesma esfera. Todos os tempos num mesmo ponto. Todas as paisagens numa mesma forma.”

Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles
Desenhos sem título, com colagem e pintura (2018)

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