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Mil geometrias cabem dentro do Museu Nacional de Brasília

A I Bienal Internacional de São Paulo, aberta em 1951, teve repercussões que podem ser sentidas ainda hoje, passadas mais de seis décadas

atualizado

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Bernardo Scartenzini/ Especial para o Metrópoles
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1 de 1 foto-de-abre2 - Foto: Bernardo Scartenzini/ Especial para o Metrópoles

Momento definidor para os rumos da arte brasileira, a I Bienal Internacional de São Paulo, aberta em 1951, teve repercussões que podem ser sentidas ainda hoje, passadas mais de seis décadas.

Estar diante de certas obras, até ali, ainda era privilégio para poucos bacanas brasileiros capazes de cruzar oceanos. Mas eis que se inaugurava a baita exposição e São Paulo postulava para si um lugar no roteiro internacional das artes. A Europa saíra arrasada da Segunda Guerra (1939-1945) e o poder dos Estados Unidos como nova potência cultural ainda não era hegemônico.

Logo na primeira edição da Bienal, Max Bill, artista suíço que tinha sido ligado à Bauhaus, veio a São Paulo apresentar suas esculturas. Causou tamanha impressão que, na década de 1950, o concretismo dominaria a vanguarda brasileira. Como resposta ao que ali foi visto, o formalismo geométrico se tornando credencial para a arte nacional adentrar num diálogo mundial.

A esse momento histórico e a essa ambição, o curador Wagner Barja, diretor do Museu Nacional Honestino Guimarães, se reporta para levantar Possíveis Geometrias II – A Operação Desmanche. A mostra está a ocupar a sala principal do prédio até dia quatro de novembro. Para tanto, Barja partiu dos acervos da instituição e do Museu de Arte de Brasília, além de contar com a colaboração de artistas e de colecionadores da capital federal.

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Ao atravessar o amplo salão do Museu Nacional e atingir a parede ao fundo, o visitante pode encontrar de maneira mais evidente as intenções de Wagner Barja em sua curdoria. A “operação desmanche” a que ele se refere desenrolou-se em ondas de renovações estéticas, a partir do neoconcretismo, passando pela fundação de Brasília (a concretizar a utopia de um Brasil moderno e unificado), aceitando e absorvendo interferências estrangeiras como o minimalismo.

Na coleção de pinturas desdobrada ao fundo da sala, esse dominó conceitual se apresenta a partir, digamos, de uma obra de Arcangelo Ianelli do início dos anos 1970, época em que o pintor abraçou a abstração geométrica. Ianelli restringira sua paleta de cores, aliando tal austeridade a uma sobreposição de formas para criar ritmo. Algo assim pulsante pode ser encontrado também na geração 1980, representada por Leda Catunda e Leonilson (1957-1993). E Elder Rocha, dentre os artistas que movem para a frente a atual cena brasiliense, se encaixa bem demais com uma peça de sua recente série Orifícios Nonatos.

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Abraham Palatnik pode ser percebido como um centro de convergência, com sua tela Progressão K-46 (1990) ali pendurada na parede ao fundo. Trata-se de uma obra relativamente recente dentro de uma carreira especialmente fecunda e duradoura. O artista arredondou 90 anos de idade em fevereiro. Brasília teve a oportunidade de receber uma retrospectiva de fôlego, em 2013, dando conta de suas sete décadas de atividades.

Palatnik, a lembrar, nasceu no Rio Grande do Norte e teve formação em Belas Artes feita em Tel Aviv. Ainda nos últimos anos da década de 1940, sua carreira sofreu inevitável guinada ao conhecer o artista Ivan Serpa e o crítico Mário Pedrosa no Rio de Janeiro. Ele participou da I Bienal de São Paulo, onde apresentou os Aparelhos Cinecromáticos. Espécies de caixas semitransparentes em que são projetadas composições em movimento. Como pinturas semoventes. Espalhando-se pelos mais diferentes suportes, de madeira a tecidos, desde então Palatnik de mil maneiras vem trabalhando a cor e o movimento.

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Derivada dessa estética geometrizante, a questão do espaço já tinha informado o construtivismo russo no início do século 20 (de Vladimir Tatlin a Alexander Rodchenko) e alteraria definitivamente, entre nós, o gestual dos artistas ligados ao neoconcretismo (de Lygia Clark a Hélio Oticica). E como questão do “espaço”, nessa abordagem, devemos entender não apenas aquele lugar limitado por uma moldura (em cujos domínios acontece uma pintura) ou por uma base (sobre a qual se espera encontrar uma escultura).

Mas o espaço do mundo real. O espaço da galeria. O espaço da sala em que a obra está montada. O espaço ao redor da peça, ao redor do observador. Carmela Gross, nesse sentido, teve um trabalho originado na pintura e no desenho – e que aos poucos escapou para as três dimensões. Nesta exposição, sua escultura Trem (1990) parece congelar exatamente esse momento de escape. A brotar da parede. Desde então, a ambição e o fôlego de Carmela têm sido cada vez maiores, ocupando salas inteiras, e por vezes saindo a céu aberto, com suas instalações e intervenções.

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Uma sorte de materiais pode ser encontrada em Possíveis Geometrias. Lygia Pape (1927-2004), companheira geracional e espiritual de Lygia Clark e Hélio Oiticica, comparece num par de esculturas de parede – inclusive aquela de alumínio que, em detalhe, abre esta página lá no alto. Uma obra que, pintada de vermelho e branco para desconcerto dos concretistas mais puristas, aponta caminhos para além da sobriedade em aço apresentada por Max Bill na I Bienal.

Outros rumos seriam desbravados pela geração norte-americana do chamado minimalismo, anos 1960. Também cabe, aqui no Museu Nacional, uma mais recente minimal à brasileira. Rodrigo Rosa, artista mineiro com decisiva passagem pela Universidade de Brasília, costumava dialogar com o minimalismo e também com a arquitetura – fazendo do espaço a sua preocupação não apenas nas esculturas montadas diretamente no chão, também em desenhos e pinturas. Já Gisel Carriconde Azevedo, outra brasiliense honorária, adota um certo tom de ironia ao acenar a mestres como Donald Judd.

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Natural que artistas nascidos, criados em Brasília ou mesmo aqueles que aqui chegaram e aqui trabalham acabem por descarregar em suas pesquisas um tanto de formalismo geométrico. A própria cidade traz o gene do construtivismo – suas vias paralelas e suas tesourinhas, asas e superquadras.

Dois artistas com formação em arquitetura, Breno Rodrigues e José Roberto Bassul, aqui dão conta de devolver o que enxergam na nova capital. Em recente conversa com a coluna Plástica, aliás, Bassul comentou sobre o caminho que o levou de volta à fotografia nesses últimos anos.

E, claro, falando em construtivismo e concretismo, buscando os ecos da vanguarda modernista dos anos 1950, bem… esta exposição acontece dentro de um prédio de Oscar Niemeyer (1907-2012).

Bernardo Scartenzini/ Especial para o Metrópoles
Museu Nacional Honestino Guimarães, manhã de sexta-feira

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