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“Pavor de nunca chegar aos autores”, diz sobrevivente do atentado a Marielle

Fernanda Chaves criticou saída de promotoras e apontou motivações políticas no caso

atualizado

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Arquivo pessoal
Jornalista Fernanda Chagas, sobrevivente do atentado contra Marielle Franco
1 de 1 Jornalista Fernanda Chagas, sobrevivente do atentado contra Marielle Franco - Foto: Arquivo pessoal

Há exatos 40 meses, a jornalista Fernanda Chaves dividia o carro com a vereadora Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes quando o veículo foi crivado de balas, em um crime até hoje sem solução. Única sobrevivente do assassinato, a jornalista Fernanda Chaves criticou a saída das promotoras Simone Sibílio e Leticia Emile da investigação do caso. Em conversa com a coluna nesta quarta-feira (14/7), Chaves apontou motivações políticas para a troca e disse que ficou mais difícil saber quem mandou matar Marielle Franco.

“A angústia que temos passado há três anos e quatro meses foi potencializada de repente. Quando você não sabe de onde veio uma metralhada no carro em que você estava e matou as duas outras pessoas que estavam com você, você não sabe do que se proteger. Dá um pavor de nunca chegar aos autores”, disse a jornalista, que era coordenadora do mandato de Marielle Franco na Câmara Municipal do Rio de Janeiro e assessora de imprensa da vereadora.

Chaves cobrou o governador Cláudio Castro e o procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Mattos: “É preciso vir a público dizer o que está acontecendo. Notinha não basta para mim. Exijo esses esclarecimentos não só como uma sobrevivente do crime brutal, mas como cidadã carioca e brasileira”.

Leia os principais trechos da entrevista:

O que achou da saída das promotoras da investigação?
Algo muito grave aconteceu para as promotoras saírem do caso alegando interferência. Elas trabalham sob pressão há muito tempo. Já descobriram tentativas de assassinato contra elas. Estamos em vias de ter o julgamento do Tribunal do Júri dos acusados. As promotoras estavam preparando-se para isso, com estratégias para o julgamento, dominam o processo de mais de 40 volumes. Outros promotores vão cair de paraquedas? Nem que eles sejam o suprassumo vão dar conta de absorver tudo. Não terão tempo. O processo é em camadas, como a criminalidade do Rio: quanto mais você descasca, mais casca aparece.

As promotoras faziam um bom trabalho, mesmo com tanto tempo de investigação?
Minha avaliação é muito positiva. Essas promotoras desbarataram coisas que ninguém ousou na história do MP e da Polícia Civil. O Escritório do Crime, grande grupo criminoso que elas descobriram, era tratado como lenda urbana. Elas prenderam o Ronnie Lessa, acusado de ser um dos maiores bandidos do Brasil. Olha a quantidade de armas que apreenderam na casa dele! É óbvio que o assassinato da Marielle envolve figuras do alto escalão de poder, seja na política ou nas forças de segurança. Envolve agentes do Estado. O crime é muito complexo. A resolução a toque de caixa não seria adequada. A Polícia Civil ficou muito incomodada com o que as promotoras estavam fazendo. Pediram os locais onde o Ronnie Lessa trabalhou e quem trabalhava com ele. Também descobriram que Lessa estava montando um bingo e as máquinas de caça-níquel desapareceram. Deveriam estar num depósito da Polícia Civil. Teve também o caso da viúva do Adriano da Nóbrega, que faria uma delação que toca no crime da Marielle. Mas as promotoras e o delegado do caso não foram colocados para acompanhar o caso. Claramente havia uma movimentação para enfraquecer a investigação delas, numa linha de fechar muito nos atiradores, no Ronnie Lessa, e morrer por aí, sem deixá-las chegarem nos mandantes do crime.

Marielle Franco e a jornalista Fernanda Chagas

Você vê alguma outra motivação para a saída das promotoras?
O fato de ser ano pré-eleitoral não é por acaso. Quem acompanha minimamente as eleições no Rio e observa a influência do crime organizado no estado percebe que essa movimentação é muito sintomática. A quem interessa alterar os rumos da investigação, na reta final? Está mais do que dado que esse crime foi político, para atingir um setor da política do Rio de Janeiro. Tentaram amedrontar esse setor, só que o resultado foi exatamente o contrário.

O governo do Rio de Janeiro tem sido lacônico sobre a troca na investigação.
O procurador-geral e o governador devem explicações detalhadas. Exijo esses esclarecimentos não só como uma sobrevivente do crime brutal, mas como cidadã carioca e brasileira. É o maior atentado político do século em nosso país. O mundo inteiro sabe disso. Não dá para lançar notinha dizendo que vão substituir as duas promotoras e ponto. É preciso vir a público dizer o que está acontecendo. Notinha não basta para mim.

Agora fica mais difícil saber quem mandou matar Marielle Franco, 40 meses depois?
Exatamente. Essa angústia que temos passado há três anos e quatro meses foi potencializada de repente. Foi um grande passo chegar aos executores, estamos caminhando para o julgamento dos acusados. E quando esperávamos chegar aos mandantes, ou minimamente onde foi gestado esse crime, vem esse revés. Você vai para a delegacia, Promotoria, fica remoendo e remoendo, mas fala: ‘Que droga ter de passar por tudo isso de novo, mas vamos chegar lá, em quem mandou matar’. É angustiante demais, para a família e para mim. Por mais que eu esteja em segurança, quando você não sabe de onde veio uma metralhada no carro em que você estava e matou as duas outras pessoas que estavam com você, você não sabe do que se proteger. É um balde de gelo muito grande. É um revés muito desanimador, dá tristeza. Para a família, está sendo quase como um segundo atentado. Dá um pavor de nunca chegar aos autores. É uma mancha muito séria na nossa história. Dá a entender que essa movimentação interessa a alguém, a algum grupo. É assustador.

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