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Chega de caretice. É hora do DF produzir queijos não tradicionais

Legislação e cultura atravancam a inovação do mercado local

atualizado

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Cheese on sale
1 de 1 Cheese on sale - Foto: iStock

Há cerca de dois anos tive a oportunidade de entrevistar o especialista em queijos brasileiros Fernando Oliveira para uma reportagem que, por algum motivo, nunca foi ao ar. Como jornalista, fiz uma pergunta que até pouco tempo atrás, como produtora, ainda martelava minha cabeça: estados sem regiões queijeiras tradicionais têm condições de criar suas próprias características e desenvolver queijos únicos? A resposta foi um belo “sim”.

Veja o exemplo de São Paulo: como não existe uma tradição a ser seguida, respeitada e perpetuada (como ocorre em Minas Gerais ou na região Nordeste com o queijo coalho, por exemplo), vários produtores apostaram em receitas inovadoras. No último congresso que estive, vi queijos de casca lavada, de cabra maturado, com cinzas, com mofo azul, queijos de ovelha com mofo branco, queijos que lembram manteiga com amêndoas, outros incríveis feitos com kefir, queijos pequenos, gigantes, em formatos convencionais e alguns bem diferentões. Todos produzidos em São Paulo e, todos, muito valorizados.

Diante dessa reflexão eu me pergunto: por que pequenos produtores de Goiás, do Distrito Federal, do Rio de Janeiro e de vários outros estados insistem na produção de queijos sem uma identidade própria? Por que usar todo o leite da ordenha para produzir mussarela, frescal e queijo prato? Por que entrar na lógica das grandes indústrias e disputar mercado com grandes laticínios, se esse pequeno produtor pode desenvolver sua própria receita, única, deliciosa e cheia de história?

A resposta envolve questões culturais e a falta de incentivo à produção artesanal genuína. “O que falta é cultura queijeira, novas perspectivas de mercado, estimular a criatividade. Fugir dos padrões, incentivar os novos queijos, quebrar o paradigma do artesanal como cópia menor do industrial. A mudança precisa ser de dentro pra fora, partir da educação e conscientização do produtor”, afirma Fernando Oliveira, que estuda queijos brasileiros há doze anos.

Arquivo Pessoal
Queijo produzido pela colunista Marina Cavechia

 

Débora Pereira, diretora da ONG Sertãobras e integrante da Guilde Internationale des Fromagers, segue o mesmo raciocínio: “falta, principalmente, uma cultura queijeira mais fortalecida. As pessoas não podem sonhar em fazer queijos que nunca viram na vida, e acabam se confortando dentro das receitas que já sabem, com medo de ousar.

É claro que as legislações devem sofrer mudanças para acompanhar essa nova perspectiva. O queijeiro artesanal que não encontrar respaldo na lei vai continuar fazendo os mesmos queijos, vendendo por míseros R$10,00 a peça e ainda correndo risco de ter a produção apreendida. No Distrito Federal e em toda região do entorno essa ainda é a única realidade, embora o cenário esteja mudando.

As regras do Distrito Federal
Oficialmente, existem no DF apenas 27 produtores artesanais. Desses, somente seis trabalham com queijo. A chamada “lei do artesanal” foi publicada em 2008 e, com ela, o pequeno ganhou espaço pela primeira vez. As normas sanitárias não mudaram com a chegada dessa legislação, mas tanto a estrutura do local de produção quanto os trâmites burocráticos para a regularização foram simplificados.

Arquivo Pessoal
Queijaria Pé do Morro (SP)

Apesar de ter sido importante e até revolucionária em um determinado momento, a legislação mostrou-se deficiente por três motivos principais: a limitação da renda bruta em R$120 mil por ano, a exigência de mão-de-obra predominantemente familiar e o enquadramento dos produtos de acordo com características tradicionais, culturais ou regionais. Dessa maneira, um produtor de queijo minas frescal que tem dois funcionários para ajudar na queijaria e na venda não pode ter sua situação regularizada porque o produto não é característico da região e a mão-de-obra não é predominantemente familiar. Apesar de ineficiente, essa lei ainda está em vigor.

A segunda opção para o produtor que busca a regularização é recorrer à lei 5800, publicada este ano. A dificuldade aqui é que ela não faz nenhuma distinção entre pequeno, médio e grande produtor – todo mundo entra no mesmo balaio. Além disso, ela ainda não foi regulamentada, não existe detalhamento dos artigos do texto. Quando não há esclarecimento por falta de regularização, o governo do DF recorre às normas federais que, em geral, foram pensadas para grandes indústrias, ou seja, são muito mais complexas e exigem alto investimento.

Pois bem, existem 11 laticínios enquadrados nessa lei distrital mais abrangente e, destes, apenas seis produzem queijo. Resumo da ópera: temos apenas 12 produtores de queijos com licença para vender seus produtos no Distrito Federal.

A gente sabe que o universo é muito maior. A intenção é trazer mais produtores para o mercado formal quando a lei da agroindústria de pequeno porte for aprovada.

Cláudia Alessandra Gomes, gerente de inspeção da Dipova, a Diretoria de Inspeção de produtores de Origem Vegetal e Animal.

A nova legislação a que Cláudia se refere deve ser votada ainda este ano. Quando estiver valendo, irá revogar a lei do artesanal mantendo as facilidades anteriores, mas alterando os critérios de inserção do produtor. No caso dos queijeiros, a restrição estará relacionada ao volume de leite recebido no laticínio, que ficará entre dois e três mil litros por dia. Não haverá mais limites relacionados à renda bruta do produtor e nem para contratação de funcionários.

E o leite cru?
Como o Ministério da Agricultura autoriza a produção e venda de queijo de leite cru, o governo do Distrito Federal segue o mesmo entendimento e deverá deixar isso claro na lei que está por vir. É bom ressaltar que esse tipo de queijo é permitido desde que ele seja maturado por sessenta dias em temperatura controlada, uma regra que, é claro, gera muita polêmica.

Hoje, nenhum produtor de queijo de leite cru tem o selo do Dipova.

Nós ainda vamos fazer um post inteirinho sobre esse assunto, mas já posso adiantar que o leite saudável, não pasteurizado, guarda uma flora bacteriana riquíssima, capaz de dar características únicas ao produto final. Em Minas Gerais, por exemplo, um queijo só pode ser considerado artesanal e tradicional se for feito de leite cru.

Um convite
Juntando todas as informações desse post faço um convite. Vamos produzir queijo? Dá para começar em casa, fazendo experiências e testando métodos de cura. Se o bichinho do queijo te morder, você vai encontrar uma forma de aumentar a produção. Quem já está na estrada, pode experimentar receitas diferentes. Deixe pra lá essa história de fazer parmesão, queijo do reino, de imitar receitas de Portugal e faça o seu próprio!

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