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Servidores do Itamaraty sofrem com pagamentos atrasados e corte de gastos no exterior

Problemas com aluguel atingem funcionários e embaixadas. Com equipes reduzidas, corpo diplomático denuncia desvio de função e não descarta nova paralisação

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Itamaraty
1 de 1 Itamaraty - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Cortes de gastos e constantes atrasos no repasse de verbas têm causado cada vez mais constrangimento a servidores do Ministério das Relações Exteriores (MRE) que vivem fora do país. Os funcionários se queixam de pelo menos dois meses sem auxílio-moradia, além de um acúmulo de funções causado pelo congelamento de postos.

Desestimulados, muitos servidores falam em abandonar a carreira diplomática e não descartam retomar a greve realizada em maio deste ano. “Vejo um 2016 ainda pior que 2015, tenho falado para os colegas se prepararem ainda mais. Se tudo der certo, e eu conseguir pagar minhas dívidas em dólar, talvez não resista a voltar pra minha casa muito brevemente”, desabafa a oficial de Chancelaria Ivana Lima, que trabalha em Atlanta, nos Estados Unidos.

Prefiro voltar, com o salário miserável do Brasil, e meter a cara nos livros para trabalhar em uma instituição que trata os seus mais decentemente. E como eu, realmente, há vários

Ivana Lima, oficial de Chancelaria em Atlanta, nos Estados Unidos

Entre os funcionários, circulou até mesmo a informação de que embaixadas na Suíça e no Japão estariam ameaçadas de despejo devido à falta de pagamentos. Ao Metrópoles, o Itamaraty afirmou que os pagamentos das embaixadas dos dois países estão em dia. O ministério reconheceu, porém, que “há, no momento, atraso no envio de recursos para pagamento de algumas verbas de manutenção dos postos no exterior”.

O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira: ajuste fiscal e desvalorização da moeda causaram atrasos *Marcelo Camargo/Agência Brasil**

A justificativa apresentada pelo MRE para o atraso é de que “o ajuste fiscal implementado pelo governo e a forte desvalorização do real têm impactado negativamente o orçamento do Itamaraty”. Ao todo, cerca de 90% do orçamento de custeio no exterior do órgão são executados em moeda estrangeira. No momento, a pasta negocia a liberação de recursos junto aos ministérios do Planejamento e da Fazenda, para quitar as dívidas com auxílio-moradia e outras despesas.

De acordo com o Itamaraty, a expectativa é de que ainda em outubro parte da receita seja repassada. Entretanto, servidores dizem já saber de antemão que o pagamento atrasará novamente. “Não há garantia alguma de que receberemos mais algum pagamento, ou quando”, diz Ivana, que culpa o ministério por não ter evitado que os gastos indenizatórios fossem contingenciados. “Somos removidos com base numa garantia de pagamento do auxílio-moradia. Sem ele, nossa vida financeira vira um verdadeiro inferno”, completa.

Familiares em crise
A publicação da Medida Provisória 689/2015, encaminhada pela presidente Dilma Rousseff ao Congresso Nacional em agosto deste ano, complicou ainda mais a vida dos diplomatas e de seus familiares no exterior. O texto triplica o pagamento previdenciário dos servidores públicos afastados ou licenciados sem remuneração, transferindo a parte que até então era paga pelo órgão empregador ao funcionário.

Acontece que, pela lei, as embaixadas e consulados brasileiros não podem empregar cônjuges ou familiares que acompanham servidores em missão nos países do exterior. Assim, sem domínio do idioma e uma rede de contatos limitada, boa parte deles fica sem trabalho durante a estada. Com a Medida Provisória somada aos atrasos em pagamentos, muitos maridos e esposas têm recorrido a subempregos e falam inclusive em retornar ao Brasil ou, às vezes, se divorciar para perder o impedimento.

“Somos obrigados a não trabalhar, estamos passando por uma crise econômica que impacta diretamente no nosso orçamento, e ainda seremos obrigados a pagar caro para nos mantermos vinculados a nossos cargos. Essa situação gera, além dos efeitos negativos em nossa renda, um impacto emocional enorme”, relata a servidora do Ministério da Educação Maria Clara Machado, que há três anos tirou licença para acompanhar o marido, funcionário do Itamaraty, em Paris, na França

Grávida, Maria Clara diz ter medo de não conseguir pagar o hospital caso tenha de ser internada e afirma que isso “não é resultado de falta de planejamento financeiro, mas sim da mudança repentina de regras e dos pagamentos atrasados”.

Fico pensando como vamos fazer na época do meu parto, em fevereiro, se os aluguéis estiverem ainda atrasados. Pagamos o aluguel, o parto ou a conta da previdência? Com apenas um salário, o do meu marido, não temos como arcar com os três

Maria Clara Machado, servidora licenciada do MEC que acompanha o marido em Paris

A presidente do Sindicato Nacional dos Servidores do MRE (Sinditamaraty), Sandra Nepomuceno, critica o fato de a nova lei não ter sido discutida com os funcionários. “No meio do processo, tem que ter regras de transição, para que as pessoas não sejam pegas desprevenidas. Até porque você está falando de famílias inteiras”, afirma.

Rafaela Felicciano/Metrópoles
A presidente do Sinditamaraty, Sandra Nepomuceno, critica a precarização dos servidores no exterior

Oficial de Chancelaria desde 1998 e com carreira em países como Itália, África do Sul, Sérvia e Guiné Equatorial, Sandra diz que é preciso desmistificar a ideia de que a carreira diplomática é cercada de regalias.

“Não tem esse negócio de glamour, não. Tem que entender que a gente está lá para servir o brasileiro que está lá fora. Tem muita visita em prisão, acompanhamento de refugiados e muita demanda a semana inteira.” Oficialmente, cerca de três milhões vivem fora do país. Sandra estima, porém, que irregularmente haja mais de um milhão.

“Esses cortes estão afetando tudo. Não é só a questão do aluguel, tudo fica comprometido. Estamos acumulando funções, além de sermos desviados das nossas obrigações”, diz Sandra, que cobra a realização do concurso para Oficial de Chancelaria, autorizado desde 2013.

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