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Sem rótulos. Produtos e marcas de roupa investem cada vez mais no unissex

O mercado de moda tem protagonizado cada vez mais lançamentos e coleções chamadas “agênero”, que fazem parecer obsoletos os limites do que é “de homem” e o que é “de mulher”

atualizado

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Getty Images for Kanye West Yeezy
Kanye West Yeezy Season 2 – Runway
1 de 1 Kanye West Yeezy Season 2 – Runway - Foto: Getty Images for Kanye West Yeezy

Meninas posando, na sua foto de aniversário, vestidas com camadas de tecido, saias rodadas, a cintura apertada, flores estampadas por todos os lados e uma sandália bonita para combinar. Meninos vestidos de caubói, camisa xadrez, calça jeans, uma fivela grande, botina de couro para arrematar. Quem nunca? Só que imagens como essas, emolduradas na sala de estar ou espalhadas em redes sociais de pais e tios, podem virar relíquias em poucos anos. Retratos de uma sociedade obsoleta. Pelo menos no que diz respeito às roupas.

O mercado de moda encabeça agora um movimento que vem ganhando força na sociedade, especialmente no último ano: os limites de gênero, que definem o que é “de mulher” e o que é “de homem”, estão caindo por terra. Nos bastidores, nas revistas, nas salas de aula, o que se discute é sobre a onda de roupas unissex que têm dominado passarelas mesmo de grandes marcas, como a Gucci. São mulheres vestindo calças largas e camisas ou camisetas. E homens também. São homens desfilando com vestes compridas, como vestidos. E mulheres também.

O movimento – que se desenvolve há anos na indústria e que, por isso, jamais foi taxado de “tendência” – recebeu uma série de nomes. Gender light, gender free, gender neutral, genderless. No Brasil, é “agênero”. Na prática, significa que existe uma turma disposta a aposentar os rótulos de vestuário “feminino” ou “masculino” nas lojas. Que roupa é roupa, e não precisa de sobrenome. E, por trás disso tudo, que é hora de se discutir os rótulos dados também às pessoas.

Went To TopShop To Buy Some Girl Clothes, I Mean “Clothes”

Uma foto publicada por Jaden Smith (@christiaingrey) em

Jaden Smith, filho do ator Will Smith, vira e mexe aparece usando vestidos. Este ano, ele publicou uma foto no Instagram provando roupas femininas. “Fui à Topshop comprar roupas de menina. Quer dizer, ‘roupas'”, diz a legenda.

“Não é uma coisa 100% nova na moda, mas dessa vez vem mais sólida, porque vem com sentido”, argumenta Márcio Banfi, coordenador do curso de moda da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo. Todos os anos, a instituição premia os três melhores alunos segundo experts de fora da faculdade. Este ano, segundo Banfi, todas as três coleções premiadas flertavam com a moda agênero.

O sentido, ele diz, é fazer com que homens e mulheres vistam as mesmas roupas sem que se sintam femininos ou masculinos demais por isso. A mensagem é outra: pode tudo e tudo é normal.

É fazer uma roupa que qualquer pessoa vista e se sinta bem. É um novo jeito de ver e aceitar o mundo. Quando estilistas jovens ou underground fazem isso é um pouco mais fácil, porque geralmente são mais livres. Mas quando vemos designers consagrados fazendo, fica muito claro.

Márcio Banfi, professor de moda

Não é roupa para gay
Antes que se imagine homens vestindo minissaias e salto alto e mulheres encarnando o smoking no dia a dia, numa ressuscitação do “lesbian chic” que já chocava nos anos 1990, moda agênero não é sobre isso. “Não é gay vestindo roupa acinturada, não é metrossexual e não é para ficar engraçado, caricato. Estamos falando de uma coisa mais abrangente. De homens heterossexuais vestindo roupas, teoricamente de mulher. Mas que agora são pensadas para serem usadas por todo mundo” diz Banfi.

A moda agênero é unissex desde a sua concepção. Traduzida em roupas, perde traços que tipicamente marcam o vestuário de um e de outro sexo e ganham shapes neutros. Caem as cinturas marcadas femininas, o corte feito para acomodar os seios, as saias pensadas para acentuar quadris. Também não têm lugar os ombros largos dos ternos masculinos, por exemplo, feitos para deixar o homem mais forte. As roupas são retas, de modelagem mais ampla. “Não é que o homem vai vestir um vestido de alcinha e bojo. As roupas não têm forma nenhuma, são criadas para o conforto”.

Fernanda Calfat/Getty Images
Desfile da Osklen na SPFW: coelção inspirada na origem dos Jogos Olímpicos trouxe homens de saia

Para Banfi ainda, por mais que a moda agênero tenha um componente social forte por trás, o fator econômico também pode ter algum papel. É mais viável fazer roupas que sirvam a todo mundo.

Tá pegando
O movimento ganhou endosso especial em agosto, quando a empresa de pesquisa de mercado NDP Group lançou um relatório chamado “Blurred Lines: Why Retail Is Becoming Less Gendered And Why You Should Care” (“linhas borradas: por que o varejo está se tornando menos gendrado e por que você deveria se importar”, em português). “A era do garotos não choram ficou para trás, e gênero e sexualidade não são mais conceitos preto e brancos como eram há alguns anos”, diz o documento.

No Brasil, a última edição do São Paulo Fashion Week acendeu um holofote sobre o assunto. Vários estilistas escancararam coleções neutras nos desfiles ou optaram por atenuar silhuetas de forma mais discreta. Ronaldo Fraga, que faz algumas das apresentações mais esperadas da semana de moda, abriu o desfile de inverno 2016 com um casal de modelos entrando juntos na passarela, com roupas parecidas – uma espécie de capa. Ao final da passarela, os dois despiram-se e vestiram um a roupa do outro.

Agência Fotosite
Desfile de Ronaldo Fraga no SPFW Inverno 2016

 

“O amor não tem gênero. Roupa é só roupa. O que importa é outra coisa”, explicou na época o estilista ao Metrópoles. Marcas como Osklen e o designer João Pimenta também trouxeram homens vestindo peças parecidas com saias ou túnicas longas, com comprimento pelas canelas.

O evento ainda trouxe a estreia da Ratier, marca do designer e empresário da noite Renato Ratier, que já nasceu com a pegada gender light. O desfile trouxe tons neutros, túnicas, saias, capas, roupas que deixam ultrapassados os conceitos vigentes de moda. “A Ratier contempla as necessidades do homem e da mulher moderna, fugindo da ambivalência em busca de equilíbrio”, diz o manifesto da marca.

“Busco criar roupas confortáveis e elegantes para que as pessoas sintam-se à vontade com as roupas que escolheram. Não acredito que seja um movimento passageiro. Acho natural quando se reconhece a inevitável evolução da consciência coletiva e da educação”, afirma Ratier. Ainda segundo ele, abandonar a classificação é libertador para a criatividade.

Quando acaba a classificação, a multitude de possibilidades abre um leque exponencial na criação, no campo existencial e no artístico.

Renato Ratier, estilista
Fotos: Luciana Prezia / Divulgaçãi
A moda neutra da Ratier tem tons sóbrios, coletes longos, bermudas e silhueta ampla

 

A discussão que acontece na moda ganhou companhia de outros setores este ano. No início de 2015, por exemplo, a Selfridge’s, tradicional loja de departamentos britânica, adotou uma seção de gênero neutro ao lado das de roupas para homens e mulheres. O hipermercado Target, nos Estados Unidos, também causou falatório em agosto, quando anunciou que deixaria de separar os brinquedos entre “para meninos” e “para meninas” depois de ouvir os consumidores.

Outra pequena grande revolução veio do dicionário Oxford, o Aurélio da língua inglesa, ao adotar, em agosto, o verbete “Mx.”, o equivalente neutro de “Mr.” Ou “Ms.” (senhor e senhora, respectivamente). Segundo o dicionário, a variação pode ser usada antes do nome de quem não quer especificar seu sexo ou por quem prefere não se identificar como homem nem mulher.

A estudiosa Maria Helena Fávero, no entanto, professora do Instituto de Psicologia da UnB e autora do livro “Psicologia e gênero: psicobiografia, sociocultural e transformações” (editora UFPR, 2010) não acredita que esse tipo de movimento de mercado seja exatamente espelho de uma suposta mudança de mentalidade da sociedade. Tampouco é novidade.

“Moda unissex é velha. E a unissexualidade do ponto de vista não-gênero já estava na Teoria Queer. Então tudo que diz respeito à moda, no meu entender, entra na questão do mercado. É uma invenção para vender, para aumentar renda”, opina a especialista. “A moda é sem vergonha. Não significa que a discussão esteja sendo ampliada ou aprofundada. O mundo ainda é muito conservador de modo geral”.

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