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Bibliotecas do Congresso gastam uma fortuna com livros duplicados

Em tempos de cortar despesas públicas, a Câmara dos Deputados e o Senado gastam R$ 1,8 milhão por ano para manter espaços distantes apenas 600 metros e com acesso restrito. Enquanto compram obras repetidas, debate sobre unificação mofa na gaveta

atualizado

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Daniel Ferreira/Metrópoles
Bibliotecas no Congresso Nacional – Brasília(DF), 25/05/2016
1 de 1 Bibliotecas no Congresso Nacional – Brasília(DF), 25/05/2016 - Foto: Daniel Ferreira/Metrópoles

Uma polêmica que dura décadas. Assim é vista a proposta de unificação das bibliotecas do Senado e da Câmara dos Deputados. Com verba milionária, ambas as Casas insistem em manter as estruturas – distantes 600 metros uma da outra – separadas, trazendo gastos extras pagos com dinheiro que sai do bolso do contribuinte. O dilema ganha ainda mais força por conta do cenário atual, em que a crise econômica tem sido justificativa para a votação de medidas rigorosas, que penalizam a população.

De acordo com uma pesquisa interna realizada por bibliotecários de ambas as Casas, obtida com exclusividade pelo Metrópoles, estima-se que o custo total de manutenção de cada um dos espaços chegue a R$ 900 mil por ano. Na Biblioteca Acadêmico Luiz Viana Filho, do Senado, há 202.719 livros e 298.745 periódicos distribuídos por uma área de 2.750 metros quadrados. Já a Biblioteca Pedro Aleixo ocupa 1.700 metros quadrados do Anexo II da Câmara e guarda cerca de 200 mil livros e 2.060 periódicos.

Desse valor, chama a atenção o gasto com a aquisição de novos exemplares. Entre setembro de 2015 e setembro de 2016 a previsão é que o Senado pague R$ 190 mil em livros nacionais – a compra de publicações estrangeiras foi cancelada por motivo de falta de documentação comprobatória por parte do fornecedor. Já a Câmara pretende gastar R$ 440 mil na aquisição de novas obras, sendo que R$ 305 mil somente em formato digital.

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Livros repetidos
O que chama a atenção é que boa parte dos títulos comprados pelo Senado também é comprada pela Câmara. Ou seja, além de serem próximas uma da outra, as bibliotecas têm acervos parecidos. “Como os espaços nasceram com funções idênticas, que é dar suporte bibliográfico aos parlamentares, os livros comprados tendem a ser os mesmos”, argumenta o bibliotecário da Câmara, Cristian Santos. 

Um funcionário da biblioteca do Senado, que preferiu manter o anonimato, estima que cerca de 80% das obras adquiridas se repetem nas Casas. Já a versão oficial estima que a repetição se dá em apenas 26% dos títulos de livros e  29% dos títulos de periódicos. Porém, não souberam precisar quantos exemplares contêm cada um dos títulos repetidos, o que poderia fazer a porcentagem subir.

As duas bibliotecas continuam, até hoje, desenvolvendo os seus acervos de forma pouco inteligente. Diante da crise econômica que enfrentamos, temos que discutir se justifica termos duas bibliotecas separadas com missões idênticas.

Cristian Santos

As Casas argumentam que essa repetição ocorre para atender à demanda de ambas as bibliotecas. Porém, em um passeio pelos locais percebe-se que poucas obras são, de fato, retiradas das estantes. Afinal, é proibido ao público geral o empréstimo dos livros que compõem o acervo do Congresso Nacional – só os parlamentares, servidores públicos (das respectivas Casas) e consultores legislativos e orçamentários têm esse direito –, o que reduz ainda mais o acesso às obras.

“A biblioteca não tem potencial social. Juntas seriam mais fortes, pois centralizaria o acervo e facilitaria o acesso aos funcionários de todo o Congresso”, explica Antônio Agenor Briquet de Lemos, professor de biblioteconomia aposentado da Universidade de Brasília (UnB).

Unificação
Briquet de Lemos participou de um grupo nos anos 1970 que visava justamente criar uma Biblioteca do Congresso Nacional, unificando as duas existentes. “No Rio de Janeiro, o Senado ficava distante da Câmara dos Deputados e, por isso, justificava a existência de dois espaços. Com a mudança para Brasília, o motivo se perdeu”, afirma o professor.

Até mesmo o arquiteto Oscar Niemeyer chegou a desenhar um prédio que pudesse abrigar uma biblioteca para o Congresso que ficaria na Esplanada dos Ministérios, mas o projeto nunca saiu do papel.

E por que, afinal, a unificação das bibliotecas nunca ocorreu? Para a ex-presidente da Associação de Bibliotecários do Distrito Federal (ABDF) Iza Antunes, a resposta é bem simples: “Disputa política”. Como o Senado e a Câmara trabalham, na maioria das vezes, separadamente, uma instituição conjunta só faz aumentar a possibilidade de conflitos. “Os embates vão do espaço físico até a forma de catalogação de obras. Por isso, nunca chegaram a uma conclusão”, explica Iza. Isso sem falar, é claro, na redução de cargos preenchidos.

Cícero Lopes/Metrópoles

A unificação de bibliotecas públicas no Poder Legislativo não é algo estranho para outros países. Estados Unidos, Argentina e Canadá são alguns dos países que adotam esse formato. Aquiles Brayner tem vasta experiência como curador da Biblioteca Britânica e afirma que só vê coisas positivas num espaço único para as Casas legislativas.

Além da questão econômica, uma biblioteca unificada dá mais visibilidade para pesquisadores e investidores. Um coleção centralizada dá a real dimensão do acervo que o poder público possui.

Aquiles Brayner

Paliativos
Para reduzir os gastos e facilitar a vida dos pesquisadores, foi criada a Rede Virtual de Bibliotecas (RBVI), que reúne 12 instituições do tipo localizadas dentro de prédios públicos de Brasília. Por meio desse sistema, o acervo desses locais seriam visualizados on-line e guiaria a compra de novas publicações. A lógica é simples: se determinado livro estiver disponível em alguma das bibliotecas cadastradas, ele não precisaria ser comprado novamente por outra.

Porém, o sistema é utilizado somente para facilitar o cadastro de novas aquisições. “Tanto a biblioteca da Câmara quanto a do Senado continuam comprando suas publicações sem qualquer pensamento de cooperativade. O sistema só serve mesmo para evitar que cataloguem a mesma coisa várias vezes”, explica Cristian. “A ideia é boa, mas o uso é ruim”, conclui.

O presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) comprou a ideia da unificação. Em seu discurso de reeleição na Casa, feito no dia 1º de fevereiro de 2015, ele afirmou que iria “projetar a biblioteca do Congresso Nacional nos moldes da que existe nos Estados Unidos, para integrar os acervos das duas Casas”.

O Senado criou, no dia 4 de abril, um Grupo de Trabalho para avaliar a unificação de áreas, instalações, bens e serviços de ambas as Casas. Para isso, estão elaborando estudos técnicos que viabilizem essas fusões – que incluem a chapelaria e o atendimento no Salão Branco. Porém, ainda não há previsão de apresentação das conclusões desses estudos.

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