O presidente russo Vladimir Putin anunciou nesta quinta-feira (31/3) que países “hostis” devem começar a pagar pelo gás natural com rublos, em vez de dólares americanos ou euros, a partir desta sexta-feira (1º/4). Aqueles que não cumprirem a determinação terão seus contratos interrompidos, segundo Putin.
“Para comprar gás natural russo, eles devem abrir contas em rublos em bancos russos. É a partir dessas contas que os pagamentos serão feitos para o gás entregue a partir de amanhã”, disse em uma transmissão de televisão.
Os países “hostis” a que Putin se refere são nações que aplicaram sanções contra a Rússia, como França e Alemanha. O gás russo responde por cerca de 40% do abastecimento da Europa.
“Se tais pagamentos não forem feitos, consideraremos isso uma inadimplência por parte dos compradores, com todas as consequências decorrentes. Ninguém nos vende nada de graça, e também não vamos fazer caridade – ou seja, os contratos existentes irão parar”, afirmou Putin.
Por que a Rússia quer receber em rublos?
A nova determinação de Putin é uma resposta às sanções aplicadas contra a Rússia desde o início da invasão da Ucrânia, em 24 de fevereiro. Em pouco mais de 30 dias, as sanções contra a nação cresceram 91%.
Ainda em fevereiro, o país foi excluído do principal sistema bancário global, conhecido pela sigla Swift, e experimentou desvalorização imensa de sua moeda. Nos últimos dias, o rublo reagiu, mas ainda segue com cotação mais baixa do que antes da invasão. Segundo o banco central russo, suas reservas – incluindo US$ 300 bilhões congelados no exterior – diminuíram de US$ 643,2 bilhões para US$ 604,4 bilhões entre 18 de fevereiro e 25 de março.
Para controlar a economia, o governo russo tem se esforçado para impedir que investidores e empresas vendam o rublo, enquanto tentam aumentar a demanda pela moeda. Assim, exigir o pagamento em rublos pressiona países ocidentais, apoiando assim o valor da moeda e criando um novo fluxo de dinheiro que possa ser usado pela Rússia facilmente.
Além disso, o país conseguiria financiar a guerra com seus próprios recursos e indústrias.
A ordem assinada por Putin estabelece que compradores devem transferir moeda estrangeira para uma conta especial em um banco russo, que então enviará rublos de volta ao comprador estrangeiro para efetuar o pagamento do gás.
Europa descarta mudança
O anúncio não foi bem-recebido pelos países afetados, e na Inglaterra e Holanda, houve altas de 4% no preço do recurso desde então.
“Um pagamento com rublos não é aceitável”, disse o ministro da Economia alemão, Robert Habeck, na última segunda-feira (28/3). “Não seremos divididos, e a resposta dos estados do G7 é inequívoca: os contratos serão cumpridos.”
Executivos dos países europeus afirmam que levariam meses para renegociar termos dos contratos de fornecimento de gás com a Rússia. Alguns acordos têm duração até 2035. Entretanto, aceitar a determinação de Putin não está entre as opções, por enquanto.
“É importante que não demos um sinal de que seremos chantageados por Putin”, afirmou Habeck.
O primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, também ressaltou que a troca na moeda seria “inaceitável e impossível”. “Todos os contratos estão feitos em cima de uma moeda geral, e não há como mudá-los. As dificuldades técnicas são insuperáveis”, disse.

A relação conturbada entre Rússia e Ucrânia, que desencadeou conflito armado, tem deixado o mundo em alerta para uma possível grande guerraAnastasia Vlasova/Getty Images

A confusão, no entanto, não vem de hoje. Além da disputa por influência econômica e geopolítica, contexto histórico que se relaciona ao século 19 pode explicar o conflito Agustavop/ Getty Images

A localização estratégica da Ucrânia, entre a Rússia e a parte oriental da Europa, tem servido como uma zona de segurança para a antiga URSS por anos. Por isso, os russos consideram fundamental manter influência sobre o país vizinho, para evitar avanços de possíveis adversários nesse localPawel.gaul/ Getty Images

Isso porque o grande território ucraniano impede que investidas militares sejam bem-sucedidas contra a capital russa. Uma Ucrânia aliada à Rússia deixa possíveis inimigos vindos da Europa a mais de 1,5 mil km de Moscou. Uma Ucrânia adversária, contudo, diminui a distância para pouco mais de 600 kmGetty Images

Percebendo o interesse da Ucrânia em integrar a Otan, que é liderada pelos Estados Unidos, e fazer parte da União Europeia, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ameaçou atacar o país, caso os ucranianos não desistissem da ideiaAndre Borges/Esp. Metrópoles

Uma das exigências de Putin, portanto, é que o Ocidente garanta que a Ucrânia não se junte à organização liderada pelos Estados Unidos. Para os russos, a presença e o apoio da Otan aos ucranianos constituem ameaças à segurança do paísPoca/Getty Images

A Rússia iniciou um treinamento militar junto à aliada Belarus, que faz fronteira com a Ucrânia, e invadiu o território ucraniano em 24 de fevereiroKutay Tanir/Getty Images

Por outro lado, a Otan, composta por 30 países, reforçou a presença no Leste Europeu e colocou instalações militares em alerta OTAN/Divulgação

Apesar de ter ganhado os holofotes nas últimas semanas, o novo capítulo do impasse entre as duas nações foi reiniciado no fim de 2021, quando Putin posicionou 100 mil militares na fronteira com a Ucrânia. Os dois países, que no passado fizeram parte da União Soviética, têm velha disputa por territórioAFP

Além disso, para o governo ucraniano, o conflito é uma espécie de continuação da invasão russa à península da Crimeia, que ocorreu em 2014 e causou mais de 10 mil mortes. Na época, Moscou aproveitou uma crise política no país vizinho e a forte presença de russos na região para incorporá-la a seu territórioElena Aleksandrovna Ermakova/ Getty Images

Desde então, os ucranianos acusam os russos de usar táticas de guerra híbrida para desestabilizar constantemente o país e financiar grupos separatistas que atentam contra a soberania do EstadoWill & Deni McIntyre/ Getty Images

O conflito, iniciado em 24 de fevereiro, já impacta economicamente o mundo inteiro. Na Europa Ocidental, por exemplo, países temem a interrupção do fornecimento de gás natural, que é fundamental para vários delesVostok/ Getty Images

Embora o Brasil não tenha laços econômicos tão relevantes com as duas nações, pode ser afetado pela provável disparada no preço do petróleo Vinícius Schmidt/Metrópoles
Busca por alternativas
A União Europeia pretende diminuir o consumo de gás natural russo em dois terços ainda este ano, enquanto se prepara para uma ruptura completa com a Rússia, o maior fornecedor do recurso. Entretanto, encontrar alternativas tem se mostrado um grande desafio logístico.
A Alemanha, a maior economia da UE e maior consumidora do recurso russo, e a Polônia já assinaram acordos com outros fornecedores de gás natural, que enviam o produto a países europeus vizinhos e depois bombeiam para lá. O objetivo é acabar com o uso do petróleo e do carvão russo este ano e com o uso do gás natural até 2024.
Nesta quinta-feira (30/3), a Alemanha enviou um alerta pedindo que empresas e famílias economizem energia para o caso de a importação russa ser interrompido. A França também anunciou que está “se preparando” para este cenário.
Planos de emergência garantem que, caso haja uma redução grave de gás, a prioridade será fornecer o recurso a hospitais e instituições públicas, seguidos por residências e, por fim, indústrias.