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A mulher que matou o filho gay não é um monstro

Explico: Um cidadão comum que ouve sempre que gays devem ser extirpados da nossa sociedade não se sentirá cometendo um assassinato

atualizado

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1 de 1 coração balão - Foto: iStock

Itaberli Lozano, de apenas 17 anos, foi morto pela própria mãe. Com a ajuda do padrasto do garoto, ela ainda incinerou o corpo para ocultar qualquer vestígio, principalmente de digitais, segundo seu depoimento na polícia. Talvez vocês não acreditem, mas esta mulher não é um monstro.

Ao voltar da empreitada, ela – evangélica – posta no Facebook um trecho da Bíblia. Cito a religião da assassina confessa, não para dizer que esta ou aquela religião incentiva a violência corretiva, mas que são aquelas e aqueles líderes religiosos, de qualquer crença, que dizem que um homossexual é uma porta de entrada do mal na sua casa.

Quando se reúne com seus amigos e familiares, piadas e comentários lgbtfóbicos e machistas, feitos por “pessoas de bem”, acimentam o sentimento de reprovação despertado no banco da igreja. E eu não estou inventando isso. Itaberli já denunciou na delegacia um tio por homofobia em 2015, que o ameaçou de enfiar uma faca na cara.

Junto com a lição de não aceitar o filho, a mãe também aprendeu a dizer que não tem preconceito nenhum e que apenas reprova o estilo de vida dele, pois devia usar drogas. Esta foi sua justificativa para o ato, apesar de todas as testemunhas e o delegado já terem descartado qualquer envolvimento de Itaberli com drogas. Porém os conflitos entre os dois foram mais do que confirmados.

Eu começo afirmando que esta mulher não é um monstro e explico o porquê: um cidadão comum que ouve sempre que gays devem ser extirpados da nossa sociedade não se sentirá cometendo um assassinato. Ele se sentirá simplesmente cumprindo o seu dever cível.

Talvez ajude a entender melhor o que eu quero dizer com meu post sobre as ideias de Hannah Arendt, ou ver o filme sobre ela. A banalização do mal transforma cidadãos comuns em assassinos em massa e mesmo assim eles conseguem dormir tranquilamente à noite.

O problema é que eles já não entendem mais quando alguém diz que sua atitude é errada. “Errada como, se todo mundo me diz para agir assim? O padre, o governante, o deputado na tribuna, a TV, minha vizinha, meu irmão…” E todos os outros citados justificarão: eu jamais disse isso. Ela fez porque é um monstro. E no fim não temos culpados.

Outro ponto é a máxima de que “homofóbicos são gays que não se aceitam”. Esta mãe era uma lésbica reprimida? O padrasto a ajudou porque tem tesão num colega de trabalho? Os três que o espancaram na verdade queriam se pegar entre si e Itaberli era um símbolo das suas invejas? As circunstâncias do crime não indicam nada disso e a coluna Psique de quarta-feira (18/1) analisa melhor esta circunstância.

Na realidade, o que tudo indica é que há o pensamento geral de que é ok matar seu filho afeminado, pois ele vai te trazer problemas, assim como homem que a mulher acabou o namoro está certo em abrir fogo contra ela e todas as mulheres da sua família – vide comentários nas matérias.

E assim o espectador vai comentando chocado os detalhes do crime, considerando seus agressores “uns monstros”, ao mesmo tempo que repetem as frases que concretizaram estes assassinatos, garantindo assim o chocante crime que os comoverá na próxima semana.

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