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Brasileiros adaptam vacina BCG para proteger contra coronavírus

Versão geneticamente modificada da vacina contra tuberculose tem custo baixo e se mostrou eficaz contra o Sars-CoV-2 em experimentos

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Foto de uma agulha com vacina
1 de 1 Foto de uma agulha com vacina - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Embora a vacinação contra a Covid-19 tenha avançado rapidamente nos países desenvolvidos, até o ano passado apenas cerca de 16% da população foi vacinada nos países de renda baixa, segundo a Organização Mundial de Saúde. Uma cepa modificada geneticamente do Bacilo Calmette-Guérin (BCG), usado como vacina para a tuberculose, poderá ser produzida com baixo custo e facilitar o avanço da imunização contra o coronavírus nesses países.

A bactéria produziu uma proteína quimérica com dois antígenos do Sars-CoV-2, e protegeu camundongos expostos ao vírus, como descrito no artigo publicado na revista Journal of Immunology. “Os resultados foram animadores”, comemora Sérgio Costa Oliveira, professor do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), que coordenou o estudo em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Instituto Butantan, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

“Não detectamos nenhum sinal do vírus no pulmão dos animais vacinados com a BCG recombinante, com o ensaio de formação de vírus em placas”, relata Oliveira.

Os pesquisadores verificaram que os antígenos do Sars-CoV-2 estimularam a produção de anticorpos, que bloquearam a ação viral. Segundo Oliveira, a BCG estimula o sistema imune inato, preparando o organismo para se defender de outros patógenos, além da própria tuberculose — propriedade conhecida como efeito heterólogo. Eles verificaram que a BCG contribuiu para aumentar a atividade dos linfócitos T e dos macrófagos, que auxiliam na eliminação do Sars-CoV-2.

Perfil de segurança

A BCG foi criada em 1921, a partir do bacilo Mycobacterium bovis, isolado de bovinos, semelhante ao M. tuberculosis, que causa a doença, mas é menos virulento. Quatro bilhões de pessoas foram vacinadas com a BCG, quase 60% da população mundial, com poucos efeitos colaterais, segundo artigo publicado em 2013 na revista Maedica – a Journal of Clinical Medicine. Por isso, ela é considerada uma das vacinas mais seguras. Devido ao efeito heterólogo, pode ser usada no tratamento de outras doenças, sendo considerada uma das terapias preferenciais para o câncer de bexiga.

Para modificar a vacina, os pesquisadores introduziram uma sequência gênica no BCG, contendo o gene da proteína S, que fica na parte de fora do Sars-CoV-2 e facilita sua entrada na célula, associado ao gene do nucleocapsídeo (N), que envolve e protege o material genético do patógeno. Como resultado, o bacilo produziu uma proteína composta pelos dois antígenos. Para simular a ação do coronavírus em seres humanos, os pesquisadores usaram animais transgênicos com receptor humano (ACE2) para o Sars-CoV-2.

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Como funciona

A proteína S, que se liga ao receptor humano ACE2 e facilita a entrada do vírus na célula, já é usada em cerca de 90% das vacinas contra a Covid-19, mas, como sofre mutações com frequência, os imunizantes precisam ser atualizados. A proteína N, por ser menos exposta ao sistema imune, é mais estável e menos suscetível a mutações do que a proteína S, conferindo maior durabilidade à vacina.

No experimento, a BCG recebeu um reforço depois de 30 dias, quando foi injetada a proteína quimérica associada com um adjuvante, que estimula a resposta imunológica. “O reforço foi fundamental para aumentar a imunidade dos roedores, que ficaram mais protegidos do que aqueles animais que receberam apenas o BCG, ou apenas a proteína com o adjuvante”, relata Oliveira.

Uma vez que a prova de conceito funcionou, Oliveira pretende prosseguir com a pesquisa e ajustar o imunizante contra as variantes do coronavírus, e, quando possível, começar os testes clínicos em seres humanos. Como houve um aumento considerável de mortes por tuberculose durante a pandemia, a nova vacina poderá facilitar a imunização das duas doenças ao mesmo tempo.

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