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“É preciso repensar a divulgação de votos válidos”, diz diretor do MDA

Em entrevista à coluna, Marcelo Souza disse que a divulgação dos votos válidos se torna problemática em casos de grande indefinição

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Hugo Barreto/Metrópoles
Eleitores acompanham a apuração dos votos das eleições 2022 no Bar Adega dos Amigos, em Ceilândia eleição 2022 7
1 de 1 Eleitores acompanham a apuração dos votos das eleições 2022 no Bar Adega dos Amigos, em Ceilândia eleição 2022 7 - Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

O estatístico Marcelo Souza, diretor do MDA, instituto que chegou mais perto de acertar a diferença entre Lula e Bolsonaro no primeiro turno, propõe que seja revista a divulgação de pesquisas em forma de votos válidos no fim da eleição. Em entrevista à coluna, Souza afirmou que a medida é problemática quando há muitos votos indefinidos, e citou a subestimação do voto bolsonarista em São Paulo.

“Para o Senado em São Paulo, havia 26% de brancos, nulos e indecisos. Talvez essa convenção precise ser mudada, para ter alguma forma de você falar: ‘Olha, nesses votos válidos há ainda tantos por cento de indecisos’. Ou então divulgar só votos totais, e cada um que faça a comparação depois. É preciso repensar isso”, disse Souza, que é o responsável da empresa pelas pesquisas nacionais.

O diretor do MDA apontou uma dificuldade extra nesta campanha: mensurar o tamanho real de evangélicos e católicos, estratos onde Jair Bolsonaro e Lula têm desempenhos opostos.

Leia os principais trechos da entrevista.

O MDA foi o segundo instituto que menos errou nesta eleição, considerando todos os candidatos, brancos e nulos, e o que mais perto chegou da diferença entre Lula e Bolsonaro. A que o senhor atribui essa marca e por que as pesquisas não captaram o resultado das urnas por completo?

Eu atribuiria o resultado aos nossos pesquisadores, que têm dedicação exclusiva e são bem treinados. Nossa metodologia é a entrevista presencial domiciliar. Consideramos que é a que tem a maior capacidade de capturar as diferenças sociais e geográficas do Brasil. Talvez, seja preciso rever a forma de divulgar as pesquisas em formato de voto válido na reta final. Hoje, há uma convenção entre os institutos e a imprensa nesse sentido, para que haja uma comparação com essas pesquisas e os resultados das urnas, que também são em votos válidos. É feita uma conta matemática em que os votos brancos, nulos e indecisos se distribuem de forma proporcional entre cada candidato. Isso fica complexo quando há uma parcela grande de indecisos. Talvez essa convenção precise ser mudada, para ter alguma forma de você falar: “Olha, nesses votos válidos há ainda tantos por cento de indecisos”. Ou então divulgar só votos totais, e cada um que faça a comparação depois. É preciso repensar isso.

Em que cenários os votos válidos não apresentaram um retrato fiel?

O viés de voto válido aconteceu principalmente nas disputas para o Senado e para o governo em São Paulo. Para o Senado, havia 26% de brancos, nulos e indecisos. O Márcio França tinha 33% na pesquisa e passou para 45% nos votos válidos, enquanto o Marcos Pontes saltou de 23% para 41% em votos válidos. A gente sabe que, na prática, a distribuição é bem diferente do que essa conta proporcional. Em geral, os votos vão para candidatos menos conhecidos. O Márcio França já era amplamente conhecido, quem fosse estar com ele já era para estar. Na transformação para voto válido, você tem um viés enorme, bem maior do que a própria margem de erro. Quanto maior for o percentual de indecisos, maior é esse viés.

A subestimação de votos bolsonaristas foi um problema?

Sim. A gente não pode culpar só o processo matemático. De fato, a gente viu que houve uma subestimação do bolsonarismo em São Paulo, ou uma migração muito grande de última hora. Os grandes desvios das empresas de pesquisas foram nesse sentido: para o Senado e o governo de São Paulo, onde o bolsonarismo surpreendeu. Não houve muitos desvios para os candidatos da esquerda. Os desvios aconteceram para os candidatos bolsonaristas, que também eram menos conhecidos. Houve isso em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul. Por que isso não acontece para presidente com tanta significância? Porque brancos, nulos e indecisos ficaram em torno de 5%. A eleição ficou muito polarizada a nível nacional e as pessoas esqueceram um pouco dos outros cargos.

A resistência de bolsonaristas a responder aos institutos de pesquisas é uma tese válida para explicar essas diferenças de votos?

Aqui no MDA, não temos percebido muito esse tipo de restrição aos nossos pesquisadores. Mas nós somos bem menos famosos do que Datafolha e Ipec. De fato, isso pode acontecer um pouco. Acreditamos mais na pesquisa presencial, e isso implica a necessidade de um capital humano para fazer essa interação social. É preciso ter um cuidado maior com o pesquisador. A metodologia é importante, mas os pesquisadores são uma peça fundamental de toda essa engrenagem.

Como é feito o controle de renda das pesquisas do MDA?

Trabalhamos com renda de dois salários mínimos na faixa de 45% da população. Usamos as informações da Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE], temos outras pesquisas de mercado para fazer uma calibragem. Agora, com o resultado das urnas, faremos um estudo para calibrar qual vai ser o novo perfil de renda que vamos adotar, se o ponto ótimo de renda vai ser 44%, se vai ser 46,5%… Na ausência do Censo, não seguimos a Pnad completamente, mas usamos a informação dela associada a outras informações internas que temos aqui.

Qual é a importância do controle de renda em uma pesquisa?

Temos diferenças muito importantes no Brasil, do ponto de vista social e geográfico. Calibrar por região é extremamente simples: temos eleitores em cada região e pronto. Depois, vêm os controles de renda e de religião, que são as variáveis com maior diferença na preferência entre Lula e Bolsonaro. Enquanto Lula ganha entre os mais pobres e os católicos, Bolsonaro ganha entre os mais ricos e os evangélicos. Medir esses grupos de forma correta é vital para o resultado final. Existe um problema sobre a calibragem da religião: não existem estudos oficiais sobre o tamanho dos católicos, dos evangélicos. Usamos parâmetros das nossas pesquisas e outros estudos.

O atraso de dois anos do Censo atrapalha?

Atrapalha, mas é possível contornar isso usando outras fontes de dados. De todo modo, seria muito mais simples se a gente soubesse certinho quantos brasileiros há de cada tipo, para a gente calibrar a amostra cada vez mais.

A eleição do Senado é mesmo a mais difícil de ser aferida?

Essa disputa tem se mostrado como a que tem os maiores desvios dos institutos de pesquisa. Uma das explicações é a indefinição na reta final, que acontece num momento em que os institutos já encerraram a coleta. É um problema para os institutos conseguirem captar essa informação. A dinâmica social se intensifica no último dia, nas últimas horas da eleição. Notamos um desconhecimento enorme sobre outras eleições além da presidencial. Já tínhamos percebido, por exemplo, as pessoas decidindo o voto para senador no almoço de sábado, no café da manhã de domingo.

Esta eleição está cheia de ineditismos. O que mais chama a atenção?

Há algumas diferenças em relação a outros pleitos. O que me chamou a atenção foi a definição dos candidatos ter acontecido muito cedo. Em agosto deste ano, 70% dos votos no cenário espontâneo estavam definidos. Já em agosto de 2018, eram cerca de 30% decididos. Tem sido uma eleição extremamente polarizada, desde o começo.

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