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“A era das contas falsas apenas começou”, diz criador do Bot Sentinel

O engenheiro Christopher Bouzy falou com exclusividade ao Metrópoles. Ele criou uma ferramenta que revela atividade de robôs no Twitter

atualizado

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Myke Sena/Especial Metrópoles
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1 de 1 FAKE-NEWS-min - Foto: Myke Sena/Especial Metrópoles

No dia em que a ativista de extrema direita Sara Winter foi presa no âmbito do inquérito das fake news, Christopher Bouzy, criador da ferramenta Bot Sentinel (@BotSentinel), que identifica e expõe ação de robôs e contas falsas no Twitter, falou com o Metrópoles. Segundo ele, apesar de a reação da sociedade ter começado, o futuro é sombrio. “A era das contas falsas apenas começou”, garantiu.

Segundo ele, usar contas fake e robôs é bastante fácil – e eficiente – para atingir determinados objetivos. A projeção da popularidade de um líder ou a imposição de pautas que interessam a pequenos grupos atualmente é possível observar com esse tipo de ação.

Como exemplo, ele cita o presidente norte-americano, Donald Trump, e o seu congênere brasileiro, Jair Bolsonaro (sem partido). Questionado se acredita que robôs e contas falsas conseguiriam alçar alguém à Presidência, ele foi categórico: “Eu acredito que isso já aconteceu”. Questionado, ele preferiu não citar exemplos.

Bouzy define-se como um “engenheiro de software com estilo”. Questionado sobre como isso influencia nos produtos que ele cria, o norte-americano destacou a importância que ele dá ao design das ferramentas que cria, cujo objetivo principal, garante, é ser de fácil uso para o público em geral.

“Meu senso de estilo se manifesta na estética do meu design, e eu acredito que as ferramentas não têm apenas que funcionar bem, mas também devem ser belas”, afirma.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Metrópoles: Tivemos no Brasil a prisão de uma ativista pró-Bolsonaro (Sara Winter) que, entre outras questões, foi acusada de espalhar notícias falsas e ameaçar o Supremo Tribunal Federal (STF). Você acredita que a “era dos robôs” está chegando perto de um fim? Ou pelo menos os mecanismo de espalhar fake news estão chegando a uma rua sem saída?
Christopher Bouzy: Não, a era das contas falsas está apenas começando. Seja com robôs ou com contas controladas por humanos com o objetivo de atacar outros usuários, esse problema não vai acabar no futuro próximo. Contas falsas, informações erradas e desinformação ainda serão parte do ambiente das mídias sociais no futuro.

O movimento “Sleeping Giants Brasil” teve um efeito importante em bloquear investimentos a sites que tinham como foco publicar notícias falsas ou desinformação. O TCU, por exemplo, bloqueou investimento do Banco do Brasil em alguns sites. Você acha que, ao expor conteúdo produzido por contas falsas, o Bot Sentinel pode ter consequências jurídicas?
Não tenho certeza. Mas o nosso objetivo é construir ferramentas intuitivas que ajudem pesquisadores, jornalistas e usuários que não são técnicos a exporem essas contas nefastas e o que elas estão tuitando. Estamos tentando prover o máximo de dados que podemos para que possamos jogar uma luz no que está acontecendo nas mídias sociais.

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Como você vê o cenário das fake news influenciando a política no mundo?
Notícias falsas são perigosas, especialmente para as democracias ao redor do planeta. Por exemplo, o que acontece se milhares de contas começarem a tuitar fake news sobre uma eleição, e as pessoas começarem a desacreditar o processo e os resultados? Ou qual será o resultado quando o líder de um país democrático começar a usar fake news para mentir sobre uma pandemia e daí essas contas falsas amplificam as mentiras nas mídias sociais para ajudar a espalhar a desinformação sobre a pandemia? Há consequências sérias no mundo real quando contas falsas espalham fake news.

Trump e Bolsonaro têm um estilo semelhante. Ambos criam inimigos — não necessariamente reais — e levam os seus apoiadores a agirem contra eles. Como o uso de robôs e contas falsas amplificam esse tipo de estratégia?
Os dois usam as mídias sociais para se desviarem da mídia e os dois têm as suas mensagens amplificadas por contas inautênticas [em maio, foram mais de 80 mil mensagens de apoio a Bolsonaro feitas por contas falsas identificadas pelo Bot Sentinel]. Trump compreende isso, e é justamente essa a razão de ele usar o Twitter como faz. Suspeito que Bolsonaro está usando o manual de Trump, que é extremamente eficiente. Sem essas contas, acredito que o alcance dos dois seria dramaticamente reduzido.

Tem como dizer que robôs e contas falsas conseguiriam alçar alguém à Presidência?
Sim, e eu acredito que isso já aconteceu.

No passado você mencionou a possibilidade de criar uma versão brasileira do Bot Sentinel. Essa ideia ainda existe?
Sim, teremos uma versão localizada da plataforma e um modelo de classificação feito sob medida para a população brasileira. Entretanto, ainda não temos o prazo para dar início à operação.

Vocês pretendem criar uma espécie de “checador de contas”, no formato que os usuários possam mencionar o robô junto a um tuíte e ter a resposta trata-se de um usuário real ou falso?
Temos recebido inúmeros pedidos por essa funcionalidade e estamos considerando fazer isso. Nossa preocupação é sobre o abuso e também como o Twitter vai reagir caso implementemos essa ferramenta.

Um robô, como o Bot Sentinel, conseguiria tornar o ambiente das mídias sociais menos tóxico? Uma das razões que as redes se tornaram tão tóxicas foi justamente o uso de robôs…
Sim. O Bot Sentinel significa “Guarda Autônoma” e é um robô do “bem”. Eu sinceramente acredito que o Bot Sentinel está fazendo a diferença, mas não é a solução perfeita. Levará muitas ferramentas e estratégias para reduzir a toxicidade que estamos testemunhando nas mídias sociais.

Você se descreve como um “engenheiro de software com estilo” no Linkedin. Como você descreveria o seu próprio estilo? Steve Jobs costumava dizer que inovação mescla estilo e inteligência. Como o seu estilo influenciou em alguma inovação?
A maior parte dos desenvolvedores de softwares são descritos como “nerds” e geralmente são retratados usando calças jeans, camiseta e um moletom com capuz. Eu não me encaixo nesses estereótipos comuns, e me sinto mais confortável em um terno do que usando jeans e moletom. Mas meu senso de estilo se manifesta na estética do meu design, e eu acredito que as ferramentas devem não apenas funcionar bem, mas serem bonitas também.

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