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Disque 100: mães são as mais denunciadas por violência contra crianças

Especialista destaca que traumas psicológicos decorrentes de históricos de abusos sofridos pelas genitoras podem explicar as estatísticas

atualizado

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Arte/Metrópoles
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1 de 1 ilustra_disque_100_1 - Foto: Arte/Metrópoles

Em maio, o assassinato de Rhuan Maycon da Silva Castro, de 9 anos, no Distrito Federal, chocou o país. Esquartejado pela mãe com a ajuda da companheira de sua genitora, o menino era vítima de maus-tratos há mais de um ano, quando teve o pênis decepado. Também no mês passado, uma menina de três anos foi jogada pela janela do quinto andar do prédio onde morava, em São Paulo. Ambos os crimes – cometidos por quem deveria protegê-los – foram atos extremos e cruéis, precedidos por violências físicas e psicológicas que não são, necessariamente, exceção nos lares brasileiros.

Dados colhidos entre 2012 e 2017 pelo Disque 100, canal para recebimento de denúncias do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), apontam que as mães são as mais denunciadas por violações contra crianças e adolescentes. Nos relatos feitos por telefone, frequentemente de forma anônima, a maior parte das acusações — físicas, psicológicas e sexuais — ocorre dentro das casas das vítimas. Em 2017, último ano disponível para consulta no site do ministério, as mães foram responsáveis por 37,44% das reclamações. 

No recorte “relação suspeito x vítima”, no último ano divulgado, também aparecem como suspeitos: o pai (17,58% dos casos); avó (3,67%); e tio ou tia (3,51%). Em 19,46% das denúncias, o suposto agressor não foi identificado. No restante dos casos, são mencionados desconhecidos, chefes, companheiros, parentes, entre outros. Em 2018, segundo informações difundidas pela ministra Damares Alves, o canal recebeu 76.216 denúncias envolvendo crianças e adolescentes. 

Traumas

Isabel Cristina Gomes, doutora em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), explica que cada caso precisa ser avaliado individualmente. Há anos, a profissional se dedica a diagnósticos familiares utilizando o referencial da psicoterapia psicanalítica com casais e famílias.

Segundo a especialista, as violências contra crianças cometidas pelos genitores podem ser resultado de diferentes fatores, sempre ligados aos adultos. Traumas psicológicos decorrentes de históricos de abusos são um exemplo.

“Você não vai encontrar motivações racionais. Não há qualquer comportamento da criança que justifique isso. A criança é sempre vítima, porque ela está inserida nesse tipo de dinâmica familiar”, frisou.

Existe um mito do amor materno. Com o feminismo, com uma série de movimentos sociais, você consegue perceber que é uma construção social e histórica. A mulher é um ser humano que tem dentro de si características boas e ruins. Faz parte de nós o impulso de vida e o impulso de destruição

Isabel Cristina Gomes, doutora em Psicologia Social

Relatos indicam que Fernanda Fernandes, 29 anos, mãe da criança arremessada pela janela, teria problemas psiquiátricos. Em seguida, ela também se jogou. As duas sobreviveram, e a mulher se justificou: “Me obrigaram”. A mãe de Rhuan, Rosana Auri da Silva Candido, disse que matar e esquartejar o filho foi “a solução encontrada” para cessar as violências sofridas pelo garotinho ao longo de sua curta vida. 

“As duas pessoas se unem por características patológicas. Provavelmente, elas vêm de histórias familiares bem comprometidas. Essa criança acaba sendo depositário de tudo de ruim. Muitas vezes, você tem uma situação extrema em que uma dessas pessoas acabam tendo um surto. Fazem essa crueldade”, avaliou Isabel.

Dado questionado

A autoria das violências por parte das mães, no entanto, é contestada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Segundo o órgão, o fato de as denúncias raramente levarem a uma investigação impossibilita ter certeza sobre a origem das agressões. 

Embora seja de fácil acesso, via telefone, o serviço deixa a desejar quanto à apuração dos casos, segundo  Edmundo Kroger, do Conanda. “Enquanto não houver apuração, não é possível dizer que é verdade. No campo das hipóteses, 90% dos casos da violência ocorrem no seio familiar”, afirmou.

Edmundo avalia que não é de responsabilidade de conselhos tutelares investigar os casos, mas sim da Segurança Pública. “A gente está numa situação difícil. Dos homicídios, apenas 8% são apurados. Imagina das denúncias do Disque 100. Denunciar é ótimo, mas o que fazer com a denúncia?”, questionou.

A psicóloga Isabel Cristina Gomes, por outro lado, acredita na contribuição de entidades e pessoas que convivem com as crianças. “A função do Estado é investigar as denúncias. O conselho tutelar acaba tendo um pouco dessa função. Se ele suspeita que essa criança está sofrendo alguma coisa, ela precisa ser retirada da família. Muitas vezes, os vizinhos, as pessoas próximas, precisam ficar atentos ao histórico das famílias”, pontuou.

O Ministério da Família e dos Direitos Humanos não informou qual é a porcentagem de denúncias investigadas.  

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