Êxodo millennial: jovens brasileiros querem abandonar o país

Pesquisa revela ainda que entre adultos, o desejo atinge 43% da população

Juliana Contaifer
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Em busca de uma nova realidade e com o passaporte em mãos. É isso que boa parte da juventude brasileira idealiza em 2018. De acordo com pesquisa feita pelo Datafolha divulgada no dia 17 de junho, o Brasil vive um verdadeiro êxodo de talentos.

O movimento de jovens que pretendem deixar o país e tentar a vida fora das fronteiras vem aumentando há anos, mas agora atinge um nível alarmante. Entre os entrevistados com idades entre 16 e 24 anos, 62% afirma que trocaria a nação se tivesse condições. Quando consideram-se apenas pessoas com mais de 16 anos, a porcentagem é de 43%, o que significaria cerca de 70 milhões de brasileiros prontos para deixar tudo para trás.

A falta de esperança no cenário político, a crise econômica que, desde 2014, não mostra sinais de melhora e o baixo incentivo em educação e pesquisa são algumas das razões que têm levado o jovem brasileiro a desistir do próprio país. E a vontade não fica apenas no campo das intenções: em 2017, foram entregues 21,7 mil declarações de saída definitiva do Brasil à Receita Federal (em 2011, o número foi de 8,1 mil pessoas).

“Neste momento, as pessoas têm muito receio da situação do Brasil. A instabilidade econômica e política, o custo de vida elevado e a segurança são os temas que geram mais questionamento. Há um tempo, era mais comum receber questões e mensagens de estudantes que queriam fazer intercâmbio. Noto que nos últimos meses o desejo de sair sem data de retorno é crescente, desde os mais jovens até os aposentados”, conta Romana Naruna, redatora e gerente de redes sociais do site Já Fez as Malas, especializado em dicas para quem vai morar fora ou viajar.

Romana mora fora desde 2012, quando foi para Portugal fazer um mestrado na Universidade do Porto. Ela lembra que a decisão foi quase “instintiva” (o namorado, hoje marido, é português) e que, apesar da saudade da família e dos lugares preferidos, não se arrepende minimamente de ter escolhido outro país para viver. “Pessoalmente, acho que a dificuldade maior foi construir tudo do zero, criar uma nova rede de contatos, fazer amizades, ir atrás de emprego em um lugar onde ninguém te conhece”, explica.

Portugal, inclusive, é um dos países mais procurados pelos brasileiros que querem tentar a vida fora do Brasil e, de acordo com a pesquisa, o segundo preferido para imigrar. Só o consulado de São Paulo emitiu 50 mil concessões de cidadania portuguesa desde 2016 e, oficialmente, 80 mil brasileiros vivem no país europeu. Romana afirma que, hoje, o processo de imigração específico para a “terrinha” corresponde à maioria dos questionamentos de seus leitores.

Em primeiro lugar na lista de locais preferidos, estão os Estados Unidos. Daniel Rosenthal, diretor da InvestUSA360 (plataforma que oferece ajuda a quem quer morar ou investir nos Estados Unidos), afirma que as famílias de jovens com filhos são os que mais procuram a empresa por querer estabilidade, tranquilidade e esperança em um futuro mais promissor.

“Nossos clientes não suportam mais a crise política e suas anuências, como corrupção, carga tributária e insegurança jurídica. Esses pontos têm gerado uma instabilidade econômica que, por sua vez, causa falta de perspectivas de dias melhores a curto prazo. O brasileiro está cansado e jogando a toalha”, afirma. Rosenthal explica ainda que a maioria das pessoas quer ir embora em definitivo, mas ainda planeja muito mal a mudança. E sua empresa encaminha as demandas para parceiros especializados.

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Fuga de cérebros
A pesquisa do Datafolha afirma que 56% das pessoas com ensino superior e 48% das que têm nível médio também optariam por morar fora do país. E, segundo Rosenthal, alguns de seus clientes são executivos, pesquisadores e profissionais qualificados. “Há falta de investimento na área de pesquisa e desenvolvimento e, consequentemente, os profissionais não conseguem realizar projetos, se frustram e acabam desistindo ou do Brasil ou da carreira”, alerta.

Para ele, uma das preocupações mais latentes é a de que até jovens que ainda não têm curso superior estão sem esperança e querendo ir embora (o que ajuda a justificar a alta porcentagem da pesquisa entre 16 e 24 anos). “Teremos uma perda irreparável de fuga de cérebros que são importantes para o desenvolvimento e a reestruturação de um novo Brasil”, diz.

Em outubro de 2017, uma audiência da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado discutiu os motivos para a fuga de capital humano do Brasil. Segundo Mário Borges, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o corte drástico de orçamento da ciência, tecnologia e inovação a partir de 2016 é determinante para a evasão que vem acontecendo.

“O Brasil foi capaz de equacionar o problema do vírus da zika com apenas dois anos de pesquisa e investimento em cima disso. Nós somos bons, no Brasil, em futebol e ciência. Só que futebol não precisa de dinheiro, ciência precisa”, afirmou durante a sessão.

O senador Cristovam Buarque (PPS-DF), que fez o pedido da audiência, comparou os “cérebros” de cientistas a pedras preciosas e, no dia seguinte, manifestou preocupação na tribuna do Senado. “É assustador. O pior é que antes [os cientistas] iam em busca de melhores condições de trabalho. Agora, vão em busca de melhores condições de vida. Em um mundo que caminha para ser a sociedade do conhecimento, queremos um rumo e não estamos construindo a base”, disse.

Os nômades digitais
Nem todas as pessoas que deixam o país têm um destino fixo. Em uma nova categoria de emprego, os chamados nômades digitais desenvolvem seu trabalho em uma espécie de home office móvel e vivem a vida viajando.

Taíssa Souza é uma das adeptas dessa nova profissão. Ela e o marido tinham empregos fixos nas áreas de Finanças e Marketing em grandes empresas e viajavam várias vezes ao ano, mas não era suficiente. Até que, em 2016, depois de um questionamento feito por um coach, Ian e Taíssa resolveram tocar os próprios sonhos e viver uma vida alinhada com o que acreditam.

“A decisão de largar o ambiente corporativo e me jogar em algo que eu não sabia muito bem onde ia dar, foi um superdesafio. Foram meses de busca. Fiz cursos de propósito de vida e tive muitas conversas com o Ian para, enfim, descobrir que dava para unir minha paixão por viagens com a curiosidade de saber como era a vida de brasileiros que optaram por viver fora”, lembra Taíssa. Foi assim que surgiu a ideia de criar o Bora Morar Fora, um site feito para ajudar brasileiros a realizar o sonho de viver no exterior com mais planejamento e consciência.

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Taíssa e Ian largaram empregos coorporativos para fazer o que mais gostam na vida: viajar. Hoje, consideram-se nômades digitais
O casal tinha um pé de meia considerável para fazer a mudança, mas, mesmo assim, foi complicado largar a estabilidade. O pai de Taíssa, por exemplo, ficou bastante chateado por não ter sido envolvido no processo de decisão
Uma das maiores saudades do casal é do cachorrinho Haole, que nem sempre pode estar junto deles
Guigui, o afiliado de Taíssa, tinha apenas quatro anos quando a madrinha começou o projeto nômade digital. "Perder um pouco da rotina que eu tinha com ele foi difícil. Mas, que bom que a tecnologia dá 'aquela ajuda' e a gente se fala pelo menos uma vez por semana por chamada de vídeo".

Entre os leitores, ela percebe que as justificativas para ir embora giram em torno de três grandes conceitos. O da segurança (pessoas relatam ter decidido mudar de país ao sofrer ou presenciar um assalto); a redução de custos (em Portugal, por exemplo, a educação e atendimento de saúde públicos são eficientes e de qualidade); e o desejo de querer viver novas experiências e conhecer outras culturas.

Quanto à mudança de vida, a nômade digital revela que só se arrepende de não ter começado com essa vida antes. As contas são pagas com os negócios que o projeto on-line gera e as economias prévias. Já sobre a saudade do Brasil, o casal se organiza para visitar a família ao menos três vezes por ano. No mais, vive por aí. Hoje, por exemplo, compartilham momentos na Eslováquia.

 

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