O despertador toca. Você programa o aparelho para aqueles cinco minutinhos a mais de soneca e perde a hora de ir à academia. Mesmo sentido-se culpado pela falta de disciplina, você segue os dias sem mudar a rotina. Alterar hábitos é uma questão mais complexa do que se imagina. Envolve estruturas cerebrais e estratégias para conseguir superar padrões de comportamento.
Depois de ler centenas de artigos acadêmicos, de fazer entrevistas com mais de 300 cientistas e de se debruçar sobre centenas de pesquisas, o repórter investigativo do “New York Times” Charles Duhigg elaborou o livro “O Poder do Hábito”. Ele traz um argumento animador: a chave para se exercitar regularmente, perder peso, educar bem os filhos, se tornar uma pessoa mais produtiva, criar empresas revolucionárias e ter sucesso é entender como os hábitos funcionam.
Há duas décadas pesquisando ao lado de psicólogos, sociólogos e publicitários, cientistas do cérebro começaram finalmente a entender os hábitos – e, mais importante, como podem ser transformados. Embora isoladamente pareçam ter pouca importância, com o tempo, têm um enorme impacto na saúde, na produtividade, na estabilidade financeira e na felicidade.
Duhigg queria saber por que algumas pessoas e empresas têm muita dificuldade em mudar, enquanto outras fazem isso facilmente. O escritor relata como rotinas corretas foram essenciais para pessoas como o nadador Michael Phelps, o diretor executivo da Starbucks, Howard Schultz, e ícones como Martin Luther King, Jr.
{{#values}}{{#ap}} {{/ap}}{{^ap}} {{/ap}}{{/values}} Eles tiveram êxito transformando hábitos. Todos começam com um padrão psicológico. Primeiro, há uma sugestão, ou gatilho, que diz ao seu cérebro para entrar em modo automático e desdobrar um comportamento. Depois, há a rotina, que é o comportamento em si. Para mudar, é preciso modificar os padrões que moldam cada aspecto de nossas vidas. Entendendo isso, você ganha a liberdade – e a responsabilidade – para começar a trabalhar e refazê-los
Charles Duhigg
Duhigg usou a própria experiência de vida como exemplo. No livro, ele explica como conseguiu parar de consumir cookies no meio do dia de trabalho ao compreender o hábito que o levava diariamente a uma cafeteria para comê-los, mesmo sem fome.
“Agora, pelas 15h30, levanto da minha mesa e procuro alguém para conversar por 10 minutos. E não como um cookie há seis meses”, conta ele.
Tarefas que parecem incrivelmente complexas no início, como aprender a tocar violão e falar uma língua estrangeira, podem se tornar muito mais fáceis depois de executadas inúmeras vezes. Maus hábitos, como fumar e beber demais, são superados quando aprendemos novas rotinas e a praticamos incessantemente
Charles Duhigg
Se conhecendo
Duhigg classificou algumas atitudes como “hábitos mestres”. Entendê-los é fundamental para saber como uma pessoa organiza a própria vida.
“Quando as pessoas começam a se exercitar regularmente, começam a mudar outros comportamentos que não estão relacionados à atividade física. Passam a comer melhor e a levantar da cama mais cedo. Fumam menos e se tornam mais pacientes. (…) Não está completamente claro porque isso ocorre, mas está provado que exercício é um hábito mestre, que propaga mudanças em todos os aspectos da vida.”
Pesquisa brasiliense
O psicólogo Fábio de Cristo, doutor em psicologia, professor do Centro Universitário de Brasília (UniCeub) e pesquisador colaborador da Universidade de Brasília (UnB), desenvolveu sua pesquisa de doutorado sobre hábitos dos brasilienses no trânsito. “Quis entender porque eles pegam o carro até para ir à padaria. O senso comum alega que é a má qualidade do transporte público, mas nossa pesquisa apontou outras respostas”, explica o doutor em psicologia.
A estudo descobriu que a qualidade do transporte representa apenas 5% dentro das motivações para usar o carro o tempo todo. “Melhorar a qualidade do ônibus e metrô é muito importante, mas pesa mais para quem já usa esse meio de locomoção. Para trazer novos usuários ao sistema, seria mais eficaz cobrar pelo estacionamento público e promover rodízio de automóveis. Para você interferir no hábito das pessoas são necessários mecanismos.”
Por isso regras, como a Lei Seca, conseguem promover mudanças de hábito, porque mexem com um contexto muito estável. “O sujeito sabe que alguma coisa mudou, o ambiente ficou diferente.”
Como mudar?
Hábitos são comportamentos automáticos desenvolvidos após uma série de aprendizados. Costuma-se executá-los sempre nos mesmos contextos e situações.
“Você estabelece uma rotina para não precisar pensar antes de fazer. É assim com escovar os dentes ou colocar o cinto de segurança. Os hábitos bons e os ruins funcionam da mesma maneira.”
Segundo o doutor em psicologia, a repetição nos mesmos horários e nos mesmos dias ajuda a criar o hábito.
Não é algo que surge do nada. É preciso estar muito motivado a sair da zona de conforto. A repetição precisa ocorrer num contexto estável, na mesma situação, para desenvolver automatismo
Fábio de Cristo
O hábito de sempre comer pipoca no cinema é outro exemplo. Você pode estar sem fome e já vai para a fila do lanche, pois associou a ideia de assistir a um filme à de petiscar. “Para se livrar de um dessa rotina, é preciso definir o contexto em que aquele comportamento existe. O hábito pode assumir uma função importante tanto para nossa saúde quanto para o inverso. Ir à academia também pode ser automático, assim como comer pipoca no cinema.”