Mais de 5 mil mulheres morrem todos os anos de câncer de colo de útero, no Brasil. É o terceiro tipo mais comum da doença no sexo feminino e também uma das maiores causas de morte por câncer entre elas – perde só para os de mama e os de cólon e reto. Para 2016, o Instituto Nacional do Câncer prevê 16.340 novos casos. Em 100% deles a doença estará relacionada à infecção pelo HPV.
Hoje, especialistas são unânimes em dizer que a infecção pelo papilomavírus humano – nome e sobrenome do HPV – é pré-requisito para esse tipo de câncer. Não é à toa que o Ministério da Saúde incluiu a vacina contra o vírus no calendário gratuito, em 2014, para meninas de 11 a 13 anos, e de 9 a 13, desde o ano passado.
Nas clínicas particulares, a mesma vacina sai a R$ 400, cada uma das três doses. No entanto, em um país com adesão tida como exemplar às campanhas de vacinação, até março deste ano apenas 43,73% das meninas tinham tomado a segunda dose. O número está longe de ser considerado ideal.
A vacina já existe há dez anos e começa agora a mostrar em números sua eficácia nos países nos quais foi adotada precocemente. A Austrália, onde a vacina é de graça desde 2007, é a base de comparação para a medicina atualmente, em assuntos de vacinação contra o HPV. Lá, os índices de infecção pelos tipos 6, 11, 16 e 18 do vírus – sendo os dois primeiros os maiores responsáveis pelas verrugas genitais e os últimos, pelos cânceres – diminuíram 86% nas mulheres com entre 18 e 24 anos. As verrugas genitais caíram 92,6% em mulheres com menos de 21 anos. A incidência de câncer de colo de útero lá é de 9 casos a cada 100 mil mulheres. Aqui, chega a 16. Dessas, 5 morrem da doença.
Tantos números não parecem ser o bastante para convencer a população. Um pouco por causa de conservadorismo – como o HPV é sexualmente transmissível, alguns pais encaram a vacinação como um “incentivo” ao início da vida sexual -, um pouco por causa de boatos.
No ano em que a vacina foi adotada pelo Ministério, notícias de adolescentes com supostas reações adversas graves se espalharam pelo noticiário. Pronto: de 100% de adesão na primeira dose, o número chegou a apenas 60% para a segunda dose naquele ano. O esforço agora, mais do que cobrir a população-alvo com as vacinas, é educar sobre o tema. A Sociedade Brasileira de Imunizações junto com outras sociedades médicas e apoio acaba d elançar a segunda etapa da campanha Onda Contra Câncer, na tentativa de reforçar a importância da vacinação precoce.
As dúvidas e caretas quando o assunto aparece são muitas. As informações, às vezes truncadas. Contra boatos, mitos e buscas sem rumo pelo Google, Metrópoles preparou um guia com tudo o que você precisa saber sobre o assunto. Spoiler: homens, a vacina é para vocês também.
Em 2014 o Ministério da Saúde passou a oferecer a vacina quadrivalente contra o HPV gratuitamente na rede pública de saúde para meninas de 11 a 13 anos – a faixa etária caiu para 9 a 13 em 2015. De início, a decisão do governo foi um sucesso. No primeiro ano, a cobertura da vacina chegou a 92%, bem mais que os 80% estipulados como meta. Depois, a coisa mudou.
Até março deste ano, por exemplo, pouco mais de 60% das meninas tinham tomado a primeira dose. A adesão à segunda então, que garante a proteção, não chegava nem a 50%. Este mês, durante um evento da Sociedade Brasileira de Imunizações em São Paulo para tratar do assunto, Carla Domingues, coordenadora do Programa Nacional de Imunizações do Ministério de Saúde, atribuiu a queda, principalmente, à fuga das escolas na campanha de vacinação.
A inclusão da vacinação na escola é uma estratégia adotada no mundo todo para garantir maior adesão à vacina, já que o deslocamento até um posto ou unidade de saúde pode dificultar o acesso.
No entanto, desde o ano passado, as escolas tiraram o corpo de campo. “Elas não querem se responsabilizar. Principalmente as particulares, que têm medo de processos”, avaliou a especialista. Além disso, alguns pais ainda têm receio quanto à validade da vacina e medo dos efeitos colaterais. Some as duas coisas e o resultado é a adesão murcha que os números mostram.
Por que tão cedo?
A inclusão de novas vacinas no calendário público no Brasil depende de uma série de estudos econômicos e de viabilidade. O famoso “custo-benefício” é o que manda: prevenir a doença sai mais barato do que tratá-la depois. Todo centavo conta. Por isso homens e meninas com mais de 13 anos não são vacinados de graça até agora. Um dos maiores “pés atrás” dos pais é justamente esse: por que vacinar meninas tão cedo contra uma DST, se a vida sexual ainda parece tão longe?
A resposta mais curta é: porque a vacina funciona melhor assim. Quanto mais cedo ocorre a vacinação, maior é a resposta do sistema imunológico a ela. Ou seja, o corpo produz muito mais anticorpos aos 9 do que aos 18 anos. Com isso em mente e baseado em uma série de estudos, a conclusão do Ministério foi de que a resposta do organismo a apenas duas doses da vacina (com intervalo de seis meses entre elas) em meninas com entre 9 e 13 anos é a mesma do esquema de vacinação com três doses em meninas com idade entre 16 e 26, recomendado pelas sociedades médicas.
Noves fora, o esquema economiza ao Ministério uma dose por menina vacinada. Hoje, cada dose sai a US$ 12,65 (R$ 43) aos cofres públicos. Como a expectativa do Ministério para 2016 é vacinar 1,7 milhão de meninas, o esquema reduzido representaria uma economia de R$ 73,1 milhão.
Para Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, a resistência existe também por uma fator da idade: a cultura vacinal no Brasil é de se vacinar bebês e crianças. Não adolescentes. “Temos uma cultura de que vacina é para criança. Vacina para adolescente é mais difícil mesmo. Comparado com o resto do mundo, os dados são até normais. Mas em relação ao nosso histórico, é baixo”, pondera.
A mesma vacina disponível para meninas de até 13 anos na rede pública existe nas clínicas particulares mediante um não tão módico pagamento de R$ 400, em média, por dose, para mulheres de até 45 anos e meninos e homens com até 26 anos.
Diferentemente do que ocorre nos postos de saúde, no entanto, o protocolo nas clínicas privadas é o tradicional, recomendado pelas sociedades médicas: três doses, com intervalo de um a dois meses entre as primeiras doses, e de seis meses para a última. Essa é a vacina quadrivalente. A bivalente, que protege apenas contra os tipos oncogênicos do HPV (16 e 18) sai, em média, a R$ 350, mas não imuniza contra os tipos causadores das verrugas genitais.
Mas, afinal, depois de iniciada a vida sexual, ainda vale a pena se vacinar contra o HPV? Há quem desista de gastar o dinheiro com a vacina por acreditar que ela já não é mais eficaz depois da adolescência. Mentira. Se você tem até 45 anos e quer se vacinar contra o vírus, segundo os especialistas, não só pode procurar uma clínica, como deve.
A diferença está na resposta imunológica, a mesma que o Ministério da Saúde usa para justificar a vacinação precoce, a partir dos 9 anos. Enquanto nas meninas com até 13 anos a eficácia da vacina chega a 98%, estudos mostram que, nas mulheres com entre 24 e 45 anos, ela fica na faixa dos 90%. Menor, mas ainda suficiente para justificar a vacinação.
Além disso, com o maior número de divórcios, as contaminações depois dos 35 anos tendem a aumentar. O gráfico de contaminação por faixa etária se parece com um “V”: há um pico na faixa dos 20 anos, uma queda lá pelos 30, e volta a aumentar na quarta e quinta década de vida, provavelmente quando a mulher conhece novos parceiros, depois de um divórcio, por exemplo. Além disso, ainda de acordo com Mônica, estudos de eficácia da vacina mostram uma queda de até 90% de verrugas genitais em mulheres de 24 a 45 anos que foram vacinadas.
“Depois que você já foi contaminada, não adianta mais se vacinar”. A frase é repetida em rodas de conversa femininas e por alguns médicos ginecologistas. Mas não é bem assim. Embora a vacina não seja terapêutica – ou seja, não vai interferir nem positivamente, nem negativamente no tratamento de uma doença ativa por HPV, se a paciente tiver uma -, pode ajudar a prevenir futuras infecções por outros tipos do vírus ou pelo mesmo, caso ela venha a topar com ele de novo no futuro.
Ao contrário de doenças como a catapora, por exemplo, a mulher não fica imunizada contra o HPV depois de tratar uma infecção pelo vírus. Por isso, ainda pode se beneficiar da vacina depois do tratamento. Para quem gosta de dados: a vacina mostrou queda de 65% de doença recorrente por HPV em mulheres que se trataram contra o vírus e se vacinaram depois. O parecer dos especialistas: se você é mulher e tem menos de 45 anos, procure uma clínica.
A vacina é licenciada até os 45 anos. É claro que o benefício vai se reduzindo, porque a resposta imunológica é menor conforme a idade aumenta e porque o risco de ela já ter sido exposta ao HPV é maior. Mas isso não é contraindicação para a vacina, e essa é uma confusão muito grande. Há sempre um benefício.
Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações
Se a vacinação de mulheres adultas sempre foi meio escanteada, imagina a dos homens. “No início, os homens eram os vilões, aqueles que transmitiam o vírus para as mulheres. Hoje a vacinação neles não é apenas para prevenir as mulheres. Sabemos que eles são vítimas também do HPV”, defende Mônica Levi, presidente da Comissão Técnica para Revisão dos Calendários Vacinais da SBIm.
Nas clínicas particulares, a vacina está disponível para homens com até 26 anos. A rede pública ainda não vacina os meninos, mas a expectativa é de que eles sejam incluídos no programa logo. “A melhor estratégia é a da vacinação combinada de meninas e meninos. E não deve demorar para o Ministério incluí-los também no programa nacional”, afirma Renato Kfouri.
Em 2014, primeiro ano da vacina pela rede pública no Brasil, o país todo ficou chocado com uma série de notícias sobre 11 meninas que acabaram hospitalizada em Bertioga (SP), por supostas reações adversas à vacina contra o HPV. O susto foi o tipo da reação: três delas diziam que não sentiam as pernas e que tinham dificuldade de andar.
“Os sintomas vão e voltam. O único remédio que elas tomam é para evitar não dar mais problemas. A médica foi bem clara com a gente. Elas correm risco de ficarem paraplégicas”, relatou uma mãe ao portal G1, à época do ocorrido.
Os efeitos duraram pouco tempo. As meninas foram liberadas e, dias depois, seus exames neurológicos vieram normais. A Secretaria de Saúde de São Paulo avisou que os sintomas nada tinham a ver com a vacina. Mas o medo já estava instalado na população.
Os sintomas foram reportados e devidamente investigados. Nada que os classificasse como reação adversa à vacina ficou comprovado. Para os especialistas, a conclusão foi de que o evento foi de fundo psicológico, com o medo como gatilho. Reações parecidas foram achadas também na aplicação de outros tipos de vacina.
Em adolescentes, pesa muito a questão emocional. Serviu de lição para a gente saber como lidar com isso. Eles já entram na sala com medo, não é raro a gente ver desmaios ali, por exemplo. Por isso até que se aplica a vacina com a pessoa deitada.
Mônica Levi, presidente da Comissão Técnica para Revisão dos Calendários Vacinais da Sociedade Brasileira de Imunizações
Segundo Mônica, outras suspeitas como a de que a vacina poderia causar esclerose múltipla ou trombose também foram “amplamente analisadas” e completamente descartadas.