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Por que não lemos livros no metrô? Eis a questão

O brasiliense não tem o hábito de usar o tempo de viagem para ajudar a vencer o triste índice per capita de 1,7 livro por ano

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Acabei de receber esta mensagem nas redes sociais. O livreiro Chiquinho vai colocar à venda parte do seu catálogo por R$ 5 ou R$ 10. A liquidação começa na terça-feira (7/3) e segue até o dia 17 deste mês.

Confesso que fiquei em pânico. Pensei logo no pior. Brasília não pode perder a Livraria de Chiquinho. Tive de imediato um mau presságio. Lembro-me de uma vez encontrar o livreiro Wilson Hargreaves colocando exemplares a preço de custo na Casa do Livro (Conic). Tempos depois, o templo foi fechado.

Não se preocupe. Vou fazer a liquidação por conta da crise. Tivemos férias, ocupação e muito livro ficou estocado. Preciso vender

Chiquinho da UnB

A crise dos livreiros tradicionais em Brasília tem múltiplas causas. Uma delas: a chegada a Brasília das superlivrarias. Hoje, um modelo também em xeque. A Fnac discute a possibilidade de sair do Brasil.

Avançamos os anos acostumados a ver Ivan Presença com seu cantinho no Conic e Chiquinho, com a portinha na UnB resistindo bravamente às transformações de mercado e de comportamento com a revolução digital. De vez em quando, somos surpreendidos com tentativas de desalojá-los.

Chiquinho me tranquiliza por telefone. Diz que a reitora da UnB, Márcia Abrahão, garantiu que ninguém vai mexer com ele nos próximos quatro anos.

Estou feliz. Não há nada por escrito, mas ela me deu a palavra. Vou poder produzir e planejar outros caminhos com tranquilidade

Chiquinho da UnB

Li livros importantíssimos graças ao aconselhamento de Chiquinho. Para quem não sabe, esse é um dos nobres papéis dos livreiros, profissão infelizmente em extinção.

Afinal, quantos de nós estamos lendo um livro neste momento?

Pego o metrô de Brasília quase que diariamente e conto nos dedos quem está lendo um bom livro de literatura nos vagões. Uma amiga de um amigo que veio da França conhecer Brasília também ficou abismada com os brasilienses que viajam sem ler. Em São Paulo, o impacto é outro. O projeto Tem Mais Gente Lendo, por exemplo, registra e incentiva o hábito no Facebook (a foto que abre esta coluna é dessa rede social);

O tempo reservado para a viagem pertence aos dedos nervosos que passam pela tela do celular. Seria uma substituição pelo e-book? Não ao certo. Basta esticar o olho para ver que a leitura é do conteúdo que circula pelas redes sociais.

A maioria lê livros de concurso, literatura técnica ou obras religiosas. Nesta semana, encontrei um senhor com “1822”, de Laurentino Gomes. Resolvi puxar conversa. Li o romance histórico de narrativa envolvente. Tinha, portanto, assunto. Fui delicadamente cortado.

Desculpe-me, mas preciso voltar à leitura. Reservo meus 90 minutos diários de metrô para manter minha meta de ler três livros por mês

Uau, 36 livros por ano (o índice per capita do brasileiro é 1,7 livro). Fiquei em estado de êxtase. Acho que consigo ler um livro por mês. Nunca fiz essa conta. Mas aquele senhor que educadamente me cortou tinha me provocado. Atualmente, estou viajando com a biografia de Rita Lee: leio em casa, no banheiro, no gramado e no metrô.

Provocado, puxei Rita Lee da mochila e comecei a ler imediatamente.

De repente, ficamos nós dois, lado a lado, no vagão daquele metrô, lendo. Parecia até uma performance. De repente, notei que uma moça do banco lateral nos observou com curiosidade. Tempos depois, após gostosas risadas com a narrativa de Rita, levanto os olhos e vejo aquela moça curiosa lendo “50 Tons de Cinzas”.

Mas “50 Tons de Cinzas” não vale!

Poderia me dizer algum leitor intelectual.

Meu querido, nesses tempos de livros empoeirados a serem vendidos por R$ 5, vale sim.
Pode abrir até um Paulo Coelho no metrô que a gente aplaude.

E olha que eu, ao contrário de alguns preconceituosos, tenho orgulho de dizer: eu li muito Paulo Coelho.

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