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Crônica: o Natal feliz na casa de duas garotas de programa

Depois de muito batalhar para alugar um apartamento decente, as irmãs Keila e Késsia vão comemorar com uma ceia tipicamente baiana

atualizado

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O primeiro Natal das irmãs Keila e Késsia em Brasília está um tanto angustiante. As duas são filhas da Bahia e chegaram aqui para tentar a vida como profissionais do sexo. Estão há um mês na batalha por ali na W3 Norte. Não está fácil, aliás nada fácil. As duas não conseguiram ainda alugar um apartamento porque exigem tantos documentos. Compraram até um carro amarelo ovo, mas o cantinho para morar está amarrado de corda.

Elas explicaram à moça da corretora que trabalham de forma independente e podem até adiantar três meses de aluguel. Mas a criatura quer fiadores, comprovantes de renda, certidões negativas e escrituras de imóveis no DF. Será que desconfiou da vida noturna das meninas? Duvido. Keila e Késsia têm cara de universitárias.

As duas não têm nada dessa burocracia em mãos. Nem amigos para avalizar. “Imagina, ser amigo de prostituta?” “Já pensou empenhar o nome num imóvel alugado por mulheres da rua?” As perguntas-respostas são feitas mentalmente pelas próprias garotas, que calejadas de tanto preconceito não se atrevem a ter esperança. Mesmo assim, todo dia, elas se arrumam para a batalha na vontade de voltar para um apartamento que tenha a cara das duas. Querem enfeitar tudo com artesanato de barro trazido, com esmero, do Recôncavo Baiano.

Num quarto de fundos do Guará, onde provisoriamente se hospedam, não haverá clima para uma noite de Natal de mesa farta. As duas estavam acostumadas a casa cheia, com a mãe servindo sarapatel para até 50 pessoas. Era uma festa inesquecível. Nem sabem se vão ter condições de trabalhar em meio a tanto saudosismo. Talvez, assistam ao filme numa sala de 3D e comam uma promoção no Girafa´s.

Até este domingo, elas estavam assim, mergulhadas na dúvida, quando o celular de Keila tocou. Era Amanda, uma travesti amiga da rua. Ela tem uma notícia inimaginável para as duas. Depois de uma noitada romântica, Amanda se apaixonou por um servidor público aposentado, que a convidou para viverem juntos e felizes numa fazenda em Anapólis. O casal de pombinhos parte ainda hoje de mala e cuia, e o apartamento de Amanda, alugado diretamente a uma senhora pioneira, estará vazio. É só pegar a chave, não precisa de documento algum. Boa pagadora, a palavra de Amanda abre portas.

Keila gritou de euforia. Késsia arrumou as malas imediatamente. Há pouco cruzei com as duas no carro amarelo ovo vindo para a Feira do Guará. Aposto que foram comprar as vísceras de porco para fazer o sarapatel. No Natal, as irmãs devem dar um banquete dos deuses. Quando eu pensava nesse sonho, chegou uma mensagem no celular.

Tragam bebidas. A festa aqui será baiana e quem convida dá banquete. Um cheiro

Keila e Késsia

 

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