metropoles.com

Os trailers podem ser mocinhos ou vilões da experiência no cinema

Eles são os primeiros spoilers dos filmes e séries — especialmente os ruins, que revelam tudo de importante que vai acontecer no filme em dois minutos.

atualizado

Compartilhar notícia

Reprodução
1 de 1 Reprodução - Foto: null

ATENÇÃO: este post comenta tudo sobre os filmes “Goldfinger”, “O Exterminador do Futuro: Gênesis” e “O Regresso”

O termo “spoiler” se espalhou nos últimos anos por causa do sucesso das séries de TV.  Além disso, a internet transferiu as conversas semanais sobre a cultura pop da sala de aula, do escritório ou da academia para o Facebook, o Twitter e o blog. Como é muito difícil filtrar conteúdo nas mídias sociais, existe sempre o risco de alguém descobrir na internet, e não na sala de cinema, que Han Solo morre no novo “Guerra nas Estrelas”.

Criou-se assim uma etiqueta em que qualquer comentário sobre uma trama deve ter o aviso: “SPOILERS”.  Este, aliás, é o nome desta coluna. O aviso é uma carta-branca para analisar livremente as ideias, as inspirações e as polêmicas do cinema e das séries mundiais. Nada mais metalinguístico do que começarmos com os primeiros propagadores de spoilers da história do cinema: os trailers — especialmente os ruins, que revelam tudo de importante que vai acontecer no filme em dois minutos.

O artístico e o comercial
Creio que todos os diretores de cinema prefeririam que o espectador visse seus filmes da mesma maneira: com a mente em branco, sem saber absolutamente nada do que está por vir, surpreendendo-se com a trama e com os personagens. Nada mais difícil, porém, do que persuadir um espectador a entregar duas horas de seu tempo, além do seu dinheiro, sem saber o que está comprando.

Assim surgiram os trailers, produtos de marketing preocupados somente com uma coisa: vender o filme. A equipe que faz a obra não se envolve com o material de marketing dele.  Os estúdios e as distribuidoras geralmente contratam especialistas e entregam o material filmado a elas em busca de uma síntese de dois minutos do filme. O pior exemplo é assim:

Este trailer de “007 Contra Goldfinger” sequer parece um trailer para quem vive nos dias de hoje. É pura propaganda, com o locutor narrando as razões pelas quais as pessoas deveriam assistir ao filme. Além disso, sem qualquer compromisso com o suspense, ele revela toda a trama, em especial o plano diabólico do vilão Auric Goldfinger (no filme, o plano só é revelado no ato final). Vemos Bond escapar de várias enrascadas, entregando como alguns capangas são despachados e, lamentavelmente, um dos melhores momentos de vilania da história do cinema, aquele da arma laser.

O marketing evoluiu até chegar aos trailers de hoje, narrativas simples de três atos que comprimem os pontos mais importantes de uma história. No início, conhecemos os personagens. Em seguida, o conflito que eles têm de resolver. Por fim, as cenas de ação (explosivas ou não) que ocorrerão durante a solução do conflito. Veja o exemplo de “O Exterminador do Futuro: Gênesis”.

Nos primeiros 45 segundos, todos os personagens são apresentados junto com o conflito que os guiará. Aí, algo bizarro acontece. Depois de 1 minuto e 20 segundos, o trailer entrega a maior reviravolta de todos os filmes da série: John Connor, o guerrilheiro tido como a personificação da resistência humana, vira um robô. O que seria a surpresa do roteiro virou um instrumento de marketing.

James Cameron, criador da saga e diretor dos primeiros dois filmes, já havia ficado furioso porque o trailer do seu “Exterminador do Futuro 2” entregou, lá em 1991, que Schwarzenegger virou um robô protetor em vez de assassino. Imagine só a sensação do pobre diretor deste outro ao ver que a carta guardada na manga foi vista até por quem não comprou ingresso. É desnecessário assistir a um filme com esse tipo de divulgação. Dá pra deduzir tudo.

Uma esperança
Com os blogs de cinema cada vez mais revoltados com a cultura dos trailers, um nome ganhou destaque: Mark Woollen. Dono da própria produtora, ele pode se dar ao luxo de recusar os pedidos dos blockbusters e aceitar as encomendas de diretores de prestígio, como Spike Jonze, David Fincher, os Irmãos Coen e Terrence Malick. Fincher, quando trabalha como diretor, detém controle absoluto, registrado em contrato, de publicidade de seus filmes. E escolhe sempre Woollen. O trailer de “A Rede Social” é uma obra-prima:

No filme “Garota Exemplar”, por exemplo, apenas as imagens dos primeiros 30 minutos do filme foram usadas para montar um trailer que não entregaria nenhuma reviravolta:

Algumas características do trabalho de Woollen são fáceis de reconhecer: pouco diálogo, imagens focadas nos personagens e uma música famosa escolhida a dedo. Considero que sua obra-prima seja o trailer de “Um Homem Sério”, uma montagem sensacional de sons, imagens e insanidade:

A chave para um bom trailer é não escancarar a trama, mas sim o que está em jogo.

O Regresso
Assisti primeiro a “O Regresso”, de Alejandro G Iñárritu, e depois, seus dois trailers. O primeiro feito por Woollen, bem ao seu estilo:

Ele não revela o que acontecerá, mas sim como será esta jornada.

O estúdio não deve ter ficado satisfeito e, por via das dúvidas, montou um segundo trailer:

Uma lista do que o segundo trailer entrega:

A equipe de DiCaprio é atacada por índios (0:25 – 0:37)
DiCaprio tem um filho mestiço (0:47)
Várias imagens do ataque de urso (1:00)
Tom Hardy tem de cuidar dos ferimentos de DiCaprio, mas prefere matá-lo (1:20)
Tom Hardy mata o filho de DiCaprio (1:26)
Tom Hardy enterra DiCaprio (1:28)
DiCaprio sai de seu túmulo (1:40)
DiCaprio consegue voltar à civilização (1:48 – 1:58)
A imagem final do filme (DiCaprio olhando pra câmera) (2:24)
A queda do penhasco (2:27)

Um trailer contra-produtivo para quem quer uma boa experiência no cinema.

Cínicos diriam que a razão do sucesso desses trailers explícitos demais é o direcionamento à grande massa de espectadores, aqueles com pouca imaginação. Mas, aqui em Spoilers, aprofundamos a discussão. Se você curte analisar cinema e séries, estaremos aqui toda quarta-feira.

Compartilhar notícia