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Polícia mapeia a ação de gangues que disputam território na Estrutural

Levantamento obtido com exclusividade pelo Metrópoles ajuda a entender a motivação de boa parte dos crimes violentos ocorridos na região

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
1 de 1 - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Dominar o território, se impor pela violência e ganhar status na comunidade. Fiéis a uma espécie de código de conduta criminosa, gangues que se enfrentam pelas vielas da Estrutural tornaram-se alvo de um minucioso e extenso relatório produzido por investigadores da 8ª Delegacia de Polícia (SIA).  A PCDF mapeou os integrantes de dois bandos, os crimes mais praticados e os motivos que permeiam a guerra. O Metrópoles teve acesso exclusivo ao levantamento. O documento, inédito, explica boa parte da violência que ocorre na região.

As gangues conhecidas como Terror Leste ou Avenida Paraná e a Oeste-Zona Norte se enfrentam há pelo menos cinco anos, deixando um rastro de mortes, medo e muitos delitos, como roubos, furtos e tráfico de drogas. A cidade foi dividida pelos bandos, o que representa perigo iminente para os integrantes da facção rival que se atrevam a pisar no território inimigo.

As investigações resultaram no indiciamento de 19 pessoas — 12 estão presas. Além dos criminosos que já alcançaram idade adulta, foram identificados 18 adolescentes que fazem parte das gangues. O mapeamento da 8ª DP reconheceu um total de 37 integrantes envolvidos nessas associações criminosas. Durante os confrontos, vidas ficam pelo caminho. Pelo menos dois jovens foram assassinados enquanto se digladiavam, segundo as apurações policiais.

Reprodução
As gangues que disputam territórios na Estrutural dividiram a região em duas. Elas guerreiam pelo simples prazer de dominar os locais

 

Interesse apenas em territórios
Ao contrário de outras regiões do DF, como Planaltina e São Sebastião, onde gangues disputam o controle de pontos de venda de drogas, as facções da Estrutural querem apenas dominar os territórios pelo simples prazer de controlar as áreas. “Há cinco anos, esses grupos se formaram e passaram a se confrontar pelos motivos mais fúteis possíveis. Quando algum integrante do grupo tem uma bicicleta furtada ou simplesmente é ofendido, a guerra se acirra”, explicou o delegado-chefe da 8ª DP, Fernando Grana.

As investigações mostraram que boa parte deles se especializou em cometer crimes contra o patrimônio, como roubos a coletivos, veículos e comércio. A maioria dos autores é composta por adolescentes de 13 a 17 anos, que, de maneira geral, desde muito jovens colecionam passagens pela Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA). Apenas um dos menores — que ocupa um posto elevado na hierarquia de uma das gangues — registra 25 apreensões.

Depois que controlam determinada área, membros das facções se encarregam de pichar a fachada de comércios e residências com suas marcas. A intenção é deixar claro quem “manda no local”. Na sexta-feira (6/10), a equipe do Metrópoles percorreu as regiões onde os grupos atuam e conversou com quem vive diariamente a realidade violenta provocada pelas disputas.

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De acordo com uma comerciante que mora na cidade e trabalha em uma padaria há oito anos, as operações desenvolvidas pelas polícias reduziram a matança na Estrutura, mas não acabaram com os homicídios. “Semanalmente, a gente tinha pelo menos uma ou duas pessoas assassinadas por conta dessas guerras. Agora, não são tantos, mas ainda assustam e nos preocupam”, contou a mulher, que preferiu não se identificar.

Exposição nas redes
Com o passar dos anos, os membros dos dois grupos, cada vez mais jovens, passaram a usar redes sociais, como o Facebook, para aumentar a fama e expor seus poderes de fogo e financeiro, além de ameaçar os rivais. No decorrer das apurações, os investigadores monitoraram as páginas de todos os suspeitos e definiram os vínculos entre cada um deles.

As postagens contam, de certa forma, a história que motivou o início dos conflitos, como se formaram as lideranças e como o problema é analisado. Ao contrário das apurações envolvendo a atuação de gangues nas cidades de Planaltina e São Sebastião, por exemplo, na Estrutural não existe a disputa pelos pontos de venda de drogas.

Os policiais identificaram que os grupos querem dominar as áreas, matar os desafetos e controlar a região, conquistando fama e cometendo crimes para ganhar dinheiro e prestígio. “Assim, eles vão alimentando essa disputa, até que sejam mortos ou presos. Nosso trabalho tem sido identificar e prender esses autores antes que mais mortes ocorram”, ressaltou o delegado Fernando Grana.

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Acertos ocultos
Durante o monitoramento dos grupos criminosos, a polícia identificou que muitas tentativas de homicídio – aproximadamente 20 –  sequer foram registradas. As próprias vítimas dos disparos de arma de fogo não tinham interesse em levar a desavença ao conhecimento da polícia. “Esses jovens querem resolver a guerra entre eles, portanto, quando alguém é baleado e sobrevive, não conta quem é o autor, pois quer se vingar. No entanto, nós atuamos quando identificamos o crime”, explicou o delegado.

De acordo com o especialista em segurança pública George Felipe Dantas, a literatura criminológica aponta dois grandes indicadores precoces da delinquência ou do cometimento de atos infracionais por adolescentes. São eles: o estilo de educação promovida pelos pais e o chamado “grupo de pertencimento”, como círculo de amigos, tribo ou gangues.

O primeiro indicador se refere ao tipo de educação doméstica recebida no lar, que pode variar de permissiva, sem a fixação de regras de conduta e limites, com subtipos que se dividem em negligente ou indulgente, ou então autoritário.

George Felipe Dantas, especialista em segurança pública

No segundo indicador, ainda de acordo com Dantas, o grupo de pertencimento daria conta dos resultados negativos da associação de adolescentes em circunstâncias que induzem à expressão de comportamentos antissociais, muito em função da ausência dos pais ou da falta da supervisão.

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