Médico do DF testa nova “vacina” promissora contra mal de Alzheimer

Se aprovada, substância pode ser a primeira contra a demência, em mais de 10 anos. No entanto, especialista diz que é cedo para comemorar

Carolina Samorano
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Começa a surgir uma nova possibilidade de que a medicina consiga, ao menos a médio prazo, driblar os mecanismos cerebrais da perda de cognição e do mal de Alzheimer. Garantir anos mais lúcidos aos pacientes da doença é a aposta do geriatra e pesquisador Eduardo Freire Vasconcellos, profissional de um instituto privado de pesquisas clínicas do Distrito Federal.

Por enquanto, não há perspectiva de cura e nem de prevenção contra esse a doença, tipo de demência mais comum em idosos e campeão de temores em consultórios de geriatria. Mas, desde o início de 2018, Eduardo Vasconcellos está às voltas com ampolas de um tratamento que, caso se prove eficaz, pode ajudar a “congelar” a perda de memória logo após seus primeiros sinais.

O centro de pesquisas do médico é um dos sete do país que participam hoje de um estudo de fase 3 – quando um fármaco é testado em um grupo maior de pacientes voluntários – do imunobiológico crenezumabe, apelidado de “vacina contra o Alzheimer”. Ele nada tem a ver, porém, com os frasquinhos que previnem febre amarela ou hepatite. A única semelhança é a forma de aplicação, com agulha e seringa. Fica por aí.

O crenezumabe tem estampado algumas notícias de jornais desde o início da década, quando ainda era uma esperança confinada a tubos de ensaio. A pesquisa da qual Vasconcellos participa, atualmente, pode deixá-lo mais perto de virar tratamento, o que faria dessa substância a primeira nova arma contra a doença aprovada em mais de 10 anos.

“O que queremos é transformar o Alzheimer em uma doença como a Aids”, compara o geriatra. “Um coquetel de medicamentos que estabilize sua progressão e com o qual o doente viva o resto da vida”, completa.

Pelo menos 700 pacientes devem participar desse estudo, em 19 países. No Brasil, são sete instituições envolvidas, sendo a maioria hospitais vinculados a universidades federais. Só a clínica de Vasconcellos e uma outra, em São Paulo, são particulares – os voluntários, no entanto, não têm custo algum se quiserem testar a tal “vacina” durante um período de dois anos, fora um terceiro, de acompanhamento de resultados. Se tudo der certo, a droga pode chegar ao mercado lá por 2022, no melhor dos cenários. Mas ainda é cedo para cantar vitória, diz o médico.

“Apesar dos milhões de dólares investidos, nenhuma [tentativa] vingou. Este ano, por exemplo, um estudo de fase 3 de um anticorpo monoclonal foi concluído e, mais uma vez, não funcionou. É um campo de estudos frustrante porque você tem uma série de insucessos”, pondera.

O estudo ainda deve ficar aberto para recrutamento de voluntários por mais dois meses. Ao Metrópoles, o médico falou sobre a droga, possíveis cenários e por que o mal de Alzheimer é inimigo ferrenho da medicina.

 

Qual o impacto do mal de Alzheimer sobre a saúde da população?

A questão mais relevante, não só no Alzheimer, mas em todas as doenças que causam demência, é o envelhecimento populacional do mundo. E isso é um fenômeno global. Portanto, vai se tornar cada vez mais frequente. Estatísticas norte-americanas mostram que quatro em cada 10 americanos com mais de 80 anos têm demência. Isso é preocupante. E todas as síndromes demenciais estão aumentando em países que estão em processo de desenvolvimento agora. Elas têm crescido assustadoramente em nações como Índia e Brasil.

Existe uma explicação lógica para isso?

Somente 20% dos pacientes têm a doença por algum fator genético. A maioria é por estilo de vida, e o que seguimos hoje em dia é bastante suscetível a desencadear patologias neurodegenerativas: alimentação muito rica em carboidratos, sedentarismo, hipertensão não controlada, diabetes. O Brasil hoje é o quarto país do mundo em casos de diabetes, e há perspectiva de se tornar o terceiro em 2025, em número absoluto de pessoas.


Pela sua prática em geriatria, o Alzheimer é a doença que os pacientes mais temem?

Indiscutivelmente. Num levantamento populacional feito há 10 anos, perguntou-se qual a patologia que as pessoas tinham mais medo de ter, se era o câncer ou Alzheimer. A imensa maioria respondeu a segunda opção.

Qual é a faixa etária de maior risco?

A incidência é associada ao envelhecimento. Existem raríssimos casos de Alzheimer precoce, que representam 0,05%. A imensa maioria [dos pacientes] tem mais de 65 anos, e os diagnósticos são quase sempre em indivíduos com mais de 75. Com relação ao temor, é porque, entre outras coisas, não temos tratamentos efetivos. Para outras patologias, como o câncer, você já vê tratamentos com resultados muito bons. No caso do Alzheimer, infelizmente todos os fármacos de que dispomos hoje são pouco efetivos, e mais de um quarto dos pacientes não responde a nenhum.

São antigos?

Muito. Nenhum dos disponíveis hoje tem menos de oito anos de aprovação. Somando-se os anos de estudo aos processos de aprovação de autoridades sanitárias, essas drogas foram investigadas nas décadas de 1980 e 1990.

O senhor avalia que o arsenal terapêutico disponível hoje é limitado?

Bastante. E, infelizmente, frustrante. Nós gostaríamos de oferecer muito mais a um paciente de Alzheimer, porque o sofrimento é de toda família.

Você não trata um doente. A família adoece junto. O cuidar de um paciente com demência é um estresse muito grande

Os pacientes de Alzheimer, em geral, morrem de infecções, mas não da doença em si. Esse é um processo que demora muito. E conviver com uma pessoa com demência é um desgaste constante.


Mesmo com as terapias disponíveis hoje, eventualmente esse paciente vai evoluir para um estágio de demência grave?

Elas apenas retardam a perda. Não existe nenhum medicamento que cure nem que estabilize isso. O que seria rápido vai demorar mais para acontecer. Isso gera ainda uma discussão ética grande, porque você está prolongando uma vida com baixa qualidade e alto custo social – e econômico e financeiro, também. Hoje nós temos pacientes com 15 anos de tratamento. Antes, as pessoas faleciam com cinco ou seis anos de evolução da doença.

Como se situa hoje, dentro da ciência e da medicina, a “batalha” contra o Alzheimer? Ela é comparável à briga contra o câncer, por exemplo, que move laboratórios e cientistas?

O prognóstico para a doença de Alzheimer é muito mais sombrio que o oncológico, porque os recursos para o tratamento de câncer nos últimos anos, felizmente, proliferaram. Você tem várias drogas novas. Sabe há quantos anos não se aprova uma droga nova para Alzheimer? Há 12 anos. A última, a memantina, é do início dos anos 2000.

Por quê? Não há investimento?

Porque não se chegou a drogas efetivas. Apesar dos milhões de dólares investidos, nenhuma vingou. Este ano, por exemplo, um estudo de fase 3 de um anticorpo monoclonal foi concluído e, mais uma vez, não funcionou. É um campo de estudos frustrante porque você tem uma série de insucessos. Por outro lado, é desafiador.

A que o senhor atribui tantos fracassos?

À etiologia multifatorial da doença. Não existe uma única causa. Sabemos como as proteínas (tau fosforilada e beta-amiloide, biomarcadores da síndrome) ficam, mas parte do gatilho ainda é desconhecida. É raro a doença de Alzheimer genética, por exemplo. Mas, nesse caso, além de ter o gene, eu preciso sofrer a mutação. Por que alguns indivíduos têm o gene e não sofrem a mutação? Por que algumas pessoas sedentárias, fumantes, hipertensas e diabéticas não desenvolvem a doença, e outras com o mesmo perfil, sim? Como temos múltiplas causas, é mais difícil ter uma resposta satisfatória para tudo isso.

Segundo o especialista, acredita-se que o acúmulo das proteínas tau e beta-amiloide no cérebro seja a causa do aparecimento do mal de Alzheimer


O que seria “satisfatório”, dentro desse cenário?

Estamos conduzindo agora um estudo para fase inicial, e está na Conep [Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, ligada ao Conselho Nacional de Saúde] um segundo estudo de outro produto diferente, também para fase inicial. Há hoje um interesse muito grande em impedir que a doença evolua ainda precocemente.

O sonho de todos nós é fazer com que o Alzheimer se torne uma doença como a Aids, por exemplo. Uma doença de múltiplos tratamentos – um coquetel de remédios. Eu não acredito que vamos ter um remédio só contra o mal. Será uma combinação de drogas que estabiliza a evolução da doença, e o indivíduo continua vivendo e se tratando pelo resto da vida

E temos alguma coisa já promissora nesse sentido?

Os anticorpos monoclonais, a terapia com drogas biológicas. Existem atualmente 13 moléculas diferentes entre as fases 2B e 3 de estudos. Dessas, há possibilidade de quatro estudos serem iniciados no Brasil, ainda neste ano. O que é animador, porque quanto mais forem testadas, maior a possibilidade de se chegar a uma que seja efetiva.

O crenezumabe é uma delas?

Sim. As outras estão aguardando aprovação. Duas delas têm mecanismos de ação parecidos. Ele tem mais de 99,7% de células humanas. O risco de rejeição é menor. Não é isento de efeito adverso, mas é supostamente mais seguro em termos de efeitos colaterais. Supostamente.

Cientistas acreditam que o desequilíbrio proteico característico da doença tenha causas múltiplas, o que dificulta o desenvolvimento de um tratamento definitivo


Como ele atua?

No processo inicial de redução da proteína beta-amiloide e, teoricamente, impedindo que a doença evolua para um estágio de perdas progressivas neuronais. Por isso, caso aprovado, seria ideal para os primeiros momentos de manifestação da doença. Os tratamentos atuais que temos são os anticolinesterásicos, que são focados em tratar as consequências do processo biológico que leva à doença, e não o processo em si. O foco dos imunobiológicos é inovador, no sentido de se tentar uma via prévia ou no início do quadro neurodegenerativo.

Indo na raiz do problema?

Quase na raiz, porque estamos longe de ir à raiz, ainda.

Não sou nem um pouco otimista em relação a uma cura. Muito longe disso. Acho que qualquer coisa que se fale é criar expectativas fantasiosas. De maneira alguma estamos mais próximos da cura 

O termo “vacina” dá a impressão de se tratar de uma prevenção da doença…

Não, isso é equivocado. É pelo fato de serem drogas injetáveis. Esse imunobiológicos, infelizmente, não podem ser encapsulados. E as pessoas imaginam uma vacina. O conceito de uma vacina é pegar o vírus e inoculá-lo, para que o organismo produza a defesa. Não é esse o conceito do crenezumabe. Essas drogas imunobiológicas vão agir numa reação química, impedindo ou minimizando o seu dano no organismo.

Participar de pesquisas clínicas soa como algo inacessível à maior parte da população. Como se tornar paciente voluntário de um estudo como esse?

Pelo contrário. A ideia é dar o máximo possível de acesso às pessoas. Esses estudos todos têm um orçamento, por isso o paciente não tem custos. É preciso apenas que ele tenha os critérios para participar do estudo. O paciente tem que procurar um centro de pesquisa ou ser encaminhado por um médico. A segunda alternativa é mais comum. Eticamente, eu não posso propagar a pesquisa. Não se anuncia pesquisa. Você pode oferecê-la, e as pessoas interessadas a procuram.

Segundo Vasconcellos, atualmente existem 13 moléculas contra a doença em estudo no mundo


Mas existe algum risco envolvido?

Todo paciente acompanhado num ensaio clínico tem consultas médicas regulares, é monitorado com exames e recebe um atendimento focado no produto testado. Ele não vai deixar de ter o acompanhamento do médico assistente, anterior ao estudo.

Quando você participa da pesquisa de uma molécula que ainda não é comercial, não há um total conhecimento de efeitos adversos. Mesmo depois de fase 1 e da fase 2, você pode observar algum efeito colateral na fase 3 que ainda não foi relatado, porque o número de pacientes é muito maior.

Mas e se o crenezumabe falhar? Como vai ficar a saúde dessa pessoa?

Durante o estudo, o paciente vai continuar tomando o medicamento que já tomava, receitado pelo seu médico assistente, geralmente um anticolinesterásico. Além disso, vai ser monitorado com exames.

É cedo para dizer que é uma droga promissora?

É promissora. Entre as moléculas que estão chegando à fase 3, é a mais promissora. Mas não há como garantir que vai ser efetiva.

Sendo positivo o resultado, quando veremos isso no mercado?

Possivelmente, a publicação dos resultados deve ser em dois anos e meio. Depois disso, você tem o trâmite de regulação nas agências sanitárias. Comercialmente, se tudo correr bem e a resposta for altamente satisfatória, estamos falando em 2022. Sendo otimista.

Mas chegaria a um custo alto?

Sem dúvida. Um anticorpo, protegido por patente… Não é para todos. Mas pacientes que receberam isso no estudo, por lei, continuam recebendo a molécula até que ela seja incorporada ao Sistema Único de Saúde.

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