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Entenda a discussão internacional sobre quebra da patente das vacinas

Para incentivar a produção dos imunizantes, cerca de 100 países pedem que propriedade intelectual seja temporariamente derrubada

atualizado

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Divulgação/Louis Reed/Unsplash
vacina laboratório
1 de 1 vacina laboratório - Foto: Divulgação/Louis Reed/Unsplash

Já no segundo ano da pandemia e com os casos subindo em várias partes do mundo, a comunidade internacional tenta encontrar soluções eficientes para desafogar os sistemas de saúde e diminuir a transmissão do novo coronavírus.

A resposta mais eficaz para garantir o controle da Covid-19 a longo prazo é a vacina. Porém, embora o imunizante esteja sendo aplicado em quase todos os países do mundo, a quantidade de doses disponíveis ainda é muito limitada e o preço, alto.

Para sanar a questão, a opção proposta pelos governos da África do Sul e da Índia à Organização Mundial de Saúde (OMS) e à Organização Mundial do Comércio (OMC) é que as patentes dos imunizantes sejam quebradas temporariamente, até o fim da pandemia.

Na prática, caso não precisassem pagar pela propriedade intelectual e detivessem acesso à fórmula, países em desenvolvimento poderiam fabricar a vacina localmente, distribuir para as próprias populações e agilizar a imunização coletiva – tudo por um valor mais baixo do que o negociado atualmente.

A situação, entretanto, é bem mais complicada. Enquanto mais de 100 países apoiam a ideia, as nações mais ricas, que sediam as farmacêuticas responsáveis pela criação das vacinas contra a Covid-19, são contrárias a proposta – Reino Unido, Estados Unidos e Suíça, por exemplo, já se posicionaram de forma negativa.

O argumento dos países e das farmacêuticas que são contra a quebra das patentes é que, sem receber incentivo financeiro ou pagamento pela tecnologia desenvolvida, as empresas não teriam por que gastar com a pesquisa de novos medicamentos.

A outra justificativa é que, mesmo sem a propriedade intelectual, a defasagem de tecnologia e de insumos impossibilitaria o aumento expressivo da produção neste momento. Na falta de matéria-prima e diante da necessidade de adequar as fábricas para o desenvolvimento das fórmulas, o processo não seria tão rápido quanto se espera.

As nações ricas acreditam que a saída é a transferência de tecnologia – que já é realizada com alguns imunizantes, como o de Oxford/AstraZeneca, produzido pela Fiocruz. Entretanto, apesar de resolver a questão da quantidade de vacinas, essa estratégia não resolve o problema do preço.

Discussão na Câmara

O Brasil também discute a quebra temporária da patente das vacinas contra a Covid-19 na Câmara dos Deputados. Durante reunião da comissão geral, realizada em 8 de abril, pesquisadores da Fiocruz e especialistas recomendaram que o país se posicione a favor da quebra. A Constituição já prevê a possibilidade, em casos de emergência nacional e de interesse público.

“A suspensão temporária proposta na OMC, que tem mais de 100 países apoiando, merece e precisa do apoio incondicional do Brasil, que deve atuar no resgate de sua história de liderança em questões de direitos humanos e acesso universal à tecnologia”, defendeu Jorge Bermudez, pesquisador sênior da Fiocruz. “Uma situação emergencial, como essa da pandemia, precisa também de soluções emergenciais”, acrescentou.

Carlos Gadêlha, coordenador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, também acredita que este não é o momento de priorizar o lucro e a pesquisa das farmacêuticas. “A saúde, nesse contexto, tem que ser vista como bem público global. O interesse econômico não pode se sobrepor à saúde pública e à vida. Nesse sentido, é importante a suspensão temporária”, disse.

O secretário do Comércio Exterior e Assuntos Econômicos do Ministério das Relações Exteriores, Sarquis José, foi contra. Segundo ele, a quebra de patentes não tem resultados a curto prazo, uma vez que envolve problemas logísticos e de capacidade, além da engenharia de produção de uma vacina.

O Butantan também não concorda com a derrubada da propriedade intelectual. Dimas Covas, presidente do instituto, afirmou que o Brasil poderia ficar sujeito a retaliações do mercado global, e a ação poderia trazer dificuldades para as patentes nacionais. Além disso, ele diz que o país não tem estrutura para a fabricação de doses.

“Deficiência não decorre da questão sobre as patentes, a deficiência decorre da insuficiência do ponto de vista industrial. Brasil não tem uma indústria de biotecnologia desenvolvida. Mesmo se ocorre quebra, não haveria como incorporar a produção de vacinas. Transferência de tecnologia seria fundamental”, defendeu.

Em conversa com o ministro da Saúde em 4 de abril, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, pediu que o Brasil se posicione a favor da quebra de patentes. Na última quarta-feira (14/4), porém, o país manifestou-se contrário à medida, na reunião da OMC.

O Brasil propõe, como a diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, uma terceira via que incluiria a identificação de gargalos na produção, o incentivo à transferência de tecnologia, e a promoção da distribuição igualitária, sem quebrar patentes. Sem consenso, a situação segue em discussão.

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