Corregedoria ignorou suspeita de 2018 sobre fiscal do “dinheiro na cueca”
Secretaria da Fazenda não apurou apreensão de R$ 283 mil com fiscal Jorge David, preso com dinheiro na cueca e acusado de praticar extorsão
atualizado
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São Paulo — A Corregedoria da Secretaria da Fazenda de São Paulo deixou de investigar uma ocorrência registrada em 2018 envolvendo o fiscal da Receita estadual Jorge David Júnior, preso com dinheiro na cueca na última terça-feira (30/5).
Em maio daquele ano, o servidor foi abordado por policiais em um posto de pedágio da Rodovia Anhanguera. No carro dele, os agentes encontraram R$ 283 mil em dinheiro vivo. O fiscal da Receita não soube explicar a origem das notas. Na esfera criminal, um inquérito foi aberto para apurar o caso.
Na esfera administrativa, contudo, nada foi feito e Jorge David Júnior continuou trabalhando normalmente nos últimos cinco anos, até ser preso na última terça-feira com cerca de R$ 2 mil escondidos na cueca, em uma ação do Ministério Público de São Paulo (MPSP), que o investigava por extorquir um empresário.
Questionada pelo Metrópoles, a Secretaria da Fazenda disse que “a Corregedoria da Fiscalização Tributária (Corfisp) não localizou em seus registros a existência de processo em face do servidor”, mas que, após a prisão, solicitou informações à Polícia Civil e ao MPSP para analisar o caso.

Fiscal Jorge David Júnior é preso em Osasco Reprodução/TV Globo

Jorge David Júnior Reprodução/PCSP

Reprodução/TV Band
Dinheiro na cueca
Jorge David Júnior, de 52 anos, foi preso na última terça-feira (30/5) em uma operação do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) em parceria com a Polícia Civil. Ele é acusado de pedir R$ 200 mil em propina para livrar um empresário de uma investigação que sequer existia. O fiscal foi solto na tarde de quarta-feira (31/5), após pagar fiança de R$ 20 mil.
Em entrevista ao Metrópoles, o promotor do Gaeco Juliano Atoji, que coordenou a operação contra o Jorge David, afirmou ter ficado “espantado” ao ser informado de que não existia nenhum procedimento aberto para investigar o caso de 2018.
“Na hora em que eu efetuei o flagrante, pedi para efetuar uma pesquisa dos boletins de ocorrência dele. E encontramos esse boletim de ocorrência. Eu indaguei o corregedor da Fazenda, e não existia nenhum procedimento para investigar esses R$ 283 mil encontrados em posse dele. Eu achei um absurdo”, diz Juliano Atoji.
De acordo com o boletim de ocorrência registrado na época, os R$ 283 mil estavam escondidos em três envelopes no veículo. Ao perceber a presença dos policiais no posto de pedágio, o servidor teria tentado mudar de guichê, o que teria levantado suspeita.
“Foi feita revista pessoal e também no interior do carro, sendo localizada 1 sacola de papel de cor preta embaixo do banco do passageiro com outra sacola de papel dentro contendo em seu interior maços de dinheiro e, embaixo do banco do condutor, 3 envelopes de cor parda contendo mais maços de dinheiro. […] A parte foi indagada sobre a procedência do dinheiro, o mesmo não soube explicar. Somente explicou que havia aproximadamente R$ 280.000”, diz o boletim de ocorrência.
Como revelado pelo Metrópoles, a Polícia Civil e o Ministério Público investigam se o auditor fiscal Jorge David Júnior integra uma organização criminosa que atua extorquindo empresários em São Paulo.
O promotor Juliano Atoji afirma que, ao chegar à repartição da Receita de Osasco para prender o fiscal em flagrante, outros servidores se recusaram a fornecer as informações solicitadas.
“Lá dentro a gente encontrou dificuldade para achar o dinheiro. Principalmente, porque havia uma certa complacência. Vai saber até que ponto existia o envolvimento dos demais auditores. O tempo todo eles começaram a falar que não tinha dinheiro. O Jorge negava o tempo inteiro”, disse Juliano Atoji.
Na operação desta semana, foram encontrados R$ 5 mil em espécie com o fiscal: R$ 3 mil em uma mochila e outros R$ 2 mil na cueca. A quantia seria a primeira parcela da propina exigida pelo fiscal.
O empresário vítima de extorsão havia procurado o MPSP para fazer a denúncia. Ele foi orientado a entregar o dinheiro para que os agentes pudessem efetuar a prisão em flagrante. A equipe do Gaeco filmou o número de série das cédulas para que elas pudessem ser conferidas após a apreensão.
Segundo o promotor, os R$ 2 mil encontrados na cueca do fiscal não eram parte dos R$ 5 mil entregues pelo empresário extorquido.
“Isso dá a entender que ele já tinha feito uma outra ‘treta’ naquele mesmo dia. Tudo indica que ele era um ‘batedor de caneco’”, diz Juliano Atoji.