Sociedade civil se mobiliza e lança programa de educação patrimonial

Os Guardiões de Brasília Patrimônio Cultural da Humanidade irão realizar eventos sobre o tema no Distrito Federal

Da Redação
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No último sábado (17/08/2019), foi comemorado o Dia do Patrimônio Nacional. Mas, você sabe o que é patrimônio cultural e qual a sua importância? Ele é a riqueza simbólica de um povo. São os saberes, as artes, as tradições, a arquitetura, a cultura, toda uma herança cultural que é deixada como um legado para as gerações futuras e constitui a nossa identidade. O patrimônio pode ser classificado como material, imaterial ou natural. Ele é diverso, porém é essa diversidade que nos une como nação e como povo, pois, compartilhamos a mesma história e a mesma formação social neste território chamado Brasil.

Embora na América Latina o Brasil seja pioneiro na criação de um órgão de proteção do patrimônio nacional, graças às preocupações dos modernistas do século passado em preservar parte do nosso legado (a nossa arquitetura colonial), ainda falta muito para que nossos bens culturais sejam de fato conservados, preservados e valorizados como deveriam. Infelizmente, o Brasil não é um bom exemplo de nação que protege e valoriza o seu patrimônio e esse fato é incontestável, basta lembrar-se do incêndio ocorrido no Museu Nacional de História Natural da Quinta da Boa Vista, uma tragédia que poderia ter sido evitada se o museu fosse revitalizado e tivesse pelo menos os equipamentos básicos de combate a incêndio. E, esse descaso na manutenção é comum à maioria dos bens culturais do nosso país.

Aqui o Estado não investe, ou investe pouco na conservação do patrimônio e mantém pouquíssimos programas de educação patrimonial para que os cidadãos aprendam a valorizá-lo. Sem falar que existem diversos casos em todo o país, em que interesses econômicos e imobiliários de políticos e empresários se sobrepõem aos interesses coletivos na conservação dos bens tombados.

No Brasil, também parece inexistir o controle de impacto ambiental de grandes obras sobre cidades-patrimônio, isso fez com que recentemente os brasileiros se assustassem com a possibilidade de destruição de cidades mineiras por desastres nas barragens que as cercam. Cidades cujos bens são de valores inestimáveis! Verdadeiras jóias do período colonial, mas, que surpreendentemente estão cercadas de perigo e isso aconteceu com a anuência das autoridades, mais preocupadas com os dividendos da exploração de minérios do que com a segurança do povo e daqueles bens do patrimônio nacional.

A cidade de Brasília foi tombada pelo Iphan em 1992 e foi o primeiro bem contemporâneo a entrar na lista dos Patrimônios Culturais da Humanidade declarados pela Unesco, onde até 1988 só figurava bens seculares como as pirâmides do Egito e a Grande Muralha da China entre outros. Mesmo assim, a maioria dos cidadãos de Brasília não sabe a importância desse título de patrimônio mundial e muito menos entende o tombamento da cidade, porque não consegue sequer apontar no mapa da cidade as quatro escalas do Plano Piloto do Lúcio Costa: monumental, gregária, residencial e bucólica.

Tombamento

A maioria da população de Brasília, até hoje ainda não aprendeu a distinguir no tombamento da cidade o que é urbanismo e o que é arquitetura. E como conseqüência desse desconhecimento, acredita em qualquer um que diz que a cidade está “engessada” pelo tombamento. Ora, engessado é o cérebro de quem diz essa barbaridade! Isso é fruto de profunda ignorância e ausência de educação patrimonial.

É urgente que as pessoas que vivem aqui compreendam a lógica do urbanismo inovador da cidade criada por Lucio Costa. Tudo em Brasília tem uma razão, uma lógica: nossos grandes espaços vazios arborizados não são para serem preenchidos, são eles que tornam Brasília em “cidade-parque” com espaços públicos que podem ser usufruídos por toda a população; o Setor de Indústrias Gráficas (SIG) foi mantido com baixa densidade de ocupação para não interferir na escala bucólica do Parque da Cidade. Você já pensou o inferno do trânsito do parque se ali do lado, sem qualquer respeito ao que foi pensado por Lucio Costa criarem mais uma área residencial? Se não tem garagem nos prédios, onde você acha que serão os estacionamentos mais próximos para os residentes do SIG estacionarem seus carros? No parque! A tranqüilidade vai acabar! Sem falar que os riscos de atropelamentos naquela área vão aumentar muito.

Você que mora longe do Plano Piloto de Brasília pode até não se dar conta, mas também é afetado pelas mudanças que ocorrem na área tombada. E vice-versa, o que ocorre no entorno da área tombada a afeta diretamente .

Quando aumentam o gabarito ou criam um novo bairro residencial que não estava planejado na área tombada, você que vem trabalhar no Plano Piloto é prejudicado, porque se antes perdia uma hora no caminho com engarrafamentos, agora vai perder uma hora e meia ou duas, devido ao crescimento do número de carros e a falta de planejamento no impacto do trânsito. Ainda que façam mais viadutos. Aliás, quando uma área pertence a apenas sete empresários, fica bem claro que não é a população de Brasília a beneficiada por mudanças da destinação de área e gabarito do lugar, ou seja, o governo não está necessariamente atuando em prol da coletividade.

Áreas irregulares

Quando surge uma nova área irregular no entorno da área tombada, sem planejamento urbano, cresce o desmatamento do cerrado e consequentemente todos são afetados com o aumento da temperatura; assim como todos também são afetados pela ocupação de áreas de nascentes porque a questão hídrica do Distrito Federal está longe de ser resolvida. O esgoto e o lixo que poluem os rios e córregos afluentes do Lago Paranoá afetam a qualidade da água que bebemos.

Os prédios altos que o mercado imobiliário gostaria de construir no entorno da área tombada vão interferir não apenas na visão da linha do horizonte que deveria ser livre, mas também criar uma barreira que também contribui para o aquecimento da cidade. Tudo isso são questões urbanísticas, diz respeito à sustentabilidade de Brasília. O que é tombado e o que não é tombado se complementam. Portanto, todos os moradores do DF deveriam proteger o tombamento.

O Patrimônio está intimamente ligado à nossa identidade. Olha para a Catedral Metropolitana, você já viu algum prédio semelhante àquele no mundo? Se você tirar uma foto dentro de uma superquadra do Plano Piloto, ninguém vai dizer que você estava em São Paulo. Pois, esse urbanismo e arquitetura é a marca de Brasília. Ela é uma cidade única por sua arquitetura, urbanismo e história de construção. Por isso, é burrice querer transformar a capital do Brasil em uma cidade como qualquer outra, sem identidade própria.

O urbanismo de Brasília deveria servir de inspiração, além de ser preservado. Não entendo porque ao longo da história do DF os gestores criaram cidades inóspitas ao redor do Plano Piloto, em vez de replicar o que temos de bom como a “Unidade de vizinhança”: quatro quadras onde existe um cinema, escolas, clube, igreja, e comércio próximo em que você pode ter qualidade de vida e resolver tudo á pé. Além disso, se você tira uma foto em qualquer rua em Samambaia, poderá dizer que foi em uma rua de São Sebastião, ou de Santa Maria ou do entorno em Goiás ou em qualquer estado do país. Em nada elas lembram o Plano Piloto de Brasília.

Para que a população compreenda melhor o urbanismo e a arquitetura de Brasília e sua importância para o mundo, neste Dia Nacional do Patrimônio, um grupo de pessoas de diversas áreas: arquitetos e urbanistas, jornalistas, professores universitários, entre outros , reuniram-se e lançaram um programa de Educação Patrimonial: “Guardiões de Brasília Patrimônio Cultural da Humanidade”. Eles também fizeram uma pequena manifestação fincando cruzes em frente à torre de TV, cada uma representando uma recomendação da missão da Unesco para Brasília – que visitou a cidade em 2012 – que ainda não foram atendidas até hoje. Nos próximos meses, os Guardiões de Brasília irão formular e realizar eventos como congressos, palestras e cursos a fim de levar ao maior número de pessoas possível um conhecimento imprescindível para quem vive em uma cidade que é declarada Patrimônio Cultural da Humanidade e cujo o Estado pouco investiu em educação patrimonial.

* Leiliane Rebouças é bacharel em relações internacionais e ativista de defesa do patrimônio cultural

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