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Nas ruas, na arte ou nas redes, a onda agora é todo mundo nudes

A nudez está presente na irreverência do Carnaval, nas selfies e em ensaios fotográficos profissionais, e parece ter virado um bom negócio

Autor Luis Turiba

atualizado

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IStock
adão e eva
1 de 1 adão e eva - Foto: IStock

Esse negócio de ficar nu em público vem do tempo de Adão e Eva. De lá pra cá, a coisa foi se sofisticando. E quanto mais se sofisticou, mais complexo e envolvente ficou o jogo da nudez humana.

Nesses tempos pós-modernos, uma imagem cibernética vale mais que mil cultivos do corpo. Quer por um motivo ou por outro, muita gente entrou na onda dos nudes, fotografando-se mutuamente. Ou tirando selfies e enviando-as. Mas tudo que cai na rede é peixe – ou “peixão”, como se dizia antigamente.

O certo é que pessoas estão se desnudando além do natural e até contratando profissionais para registrar, individual ou coletivamente, esse momento de liberdade. É muita gente montando books ou ensaios para eternizar libidos e provocações. No final do ano passado, por exemplo, cerca de 100 pessoas foram fotografadas em pelos no chão do calçadão do Museu da República, em plena Esplanada dos Ministérios. Foi uma verdadeira mandala de pentelhos.

Dias atrás, num concurso de marchinhas carnavalescas do moribundo bloco Pacotão – por sinal, todas de péssima qualidade –, o jovem poeta Vanderlei Costa resolveu semidesnudar-se no palco. Não mostrou a genitália – testículos, bolsa escrotal, vias espermáticas, glândulas e o pênis propriamente dito –, é verdade. Mas, fantasiado de Pirocóptero a caminho do urologista, numa clara menção aos recentes problemas de saúde do presidente da República, causou frisson. Vestido de sunguinha cavada, pendurou um pedaço de cano plástico mole no bilau, também mole, e fez sua performance com uma máscara lembrando o Temer.

Deu o que falar, e quase foi preso pela PM do Conic. Eu estava lá e não perdi a chance: fotografei e postei no Face. Bombou: mais de 100 comentários e compartilhamentos. Debate raivoso, moralistas versus anarquistas. Uns condenando, outros elogiando. Bate-boca sem a mínima sutilidade do bom erotismo, que continua ativo.

Reprodução
Mas, como desejo entender melhor essa fascinação pelo nu alheio, fui a campo. Descobri que os nudes e suas variações (fotos sensuais, nu artístico, etc.) começam a se consolidar como um segmento mercadológico da fotografia, assim como são casamentos, batizados, etc. Tem gente explorando esse filão e até ganhando grana.

A fotógrafa Angela Raymundo é uma dessas profissionais. Ela chegou ao mercado dos nudes por caminhos transversos. Depois de fazer um curso documentando modelos – o Nu Editorial F/508 Espaço da Fotografia, na 413 Norte –, acabou apaixonada pela temática. “Foi fantástico focar pessoas que estavam lá sem nenhuma defesa, totalmente desarmadas, sem adereços, fantasias ou acessórios”, conta.

A partir daí, cresceram sua consciência corporal e o jogo da magia da intimidade entre humanos e lentes fotográficas. Começou a sentir vontade de ser sua própria modelo. “Um tipo de sedução artística”, frisou. Afinal, aqueles modelos do curso lhe custariam caro. Então, por que não se autofotografar? Surgiram, então, seus sensuais autorretratos, que já são milhares, organizados em mais de 60 ensaios e várias fotos publicadas em redes como o Facebook e o Instagram, e também em sites como 500px.com.

Mas como ela se autofotografa? “Foi fruto da minha pesquisa e teimosia, além do desejo de me expressar como mulher. Me nego a usar controle remoto ou Photoshop. Comecei a enfrentar um desafio técnico. Como moro numa casa ampla com muitos cômodos, janelas e boas luzes, iniciei um treinamento. Escolhia o ambiente, deixava a máquina no tripé, focava uma almofada colocada onde eu deveria entrar, clicava e corria para a cena. Tinha 10 segundos para o registro e muita disposição para repetir as poses até ficarem naturais e fiéis à sensação que eu queria passar”.

Aos 60 anos, mãe de quatro filhos e avó de uma menina, Angela tem plena consciência que está quebrando um outro tabu: o da idade. “Sempre me cuidei bem. Faço musculação e yoga, não sou vegana, mas me alimento de forma saudável e equilibrada. Portanto, a idade também é um desafio – um dos maiores, por sinal. Mas não faço os autorretratos para ninguém, e quem me guia é a liberdade total de experimentação como fotógrafa e ser humano. Às vezes dá errado, em outras dá certo. Mas fazer arte é assim mesmo. É sempre uma entrega”, conclui.

A fotógrafa-modelo já foi muitas vezes censurada e até suspensa por dias do Facebook e do Instagram, por “infringir as normas da comunidade”. “Nunca quis bater de frente com ninguém, sigo as regras de cada grupo. Mas jamais aceitei julgamentos moralistas, comentários machistas e nunca tive medo de críticas”, afirma ela.

Sobre a reação dos fãs, que estão espalhados pelo mundo inteiro, encara os comentários com naturalidade. “A nudez insinuante sempre mexe com a libido de outras e outros. Insinuar é melhor que mostrar tudo, pois provoca a imaginação. Se não provocar sensações, não funcionou. A foto do nu tem esta propriedade: criar sensações.”

Já o fotógrafo André Carlos começou a fotografar cedo, aos 17 anos. Ele tem 24 e começou direto pelo nu. “Foi um ano após me assumir homossexual. Precisava de um ponto de fuga e escolhi a dança e a fotografia. Por mais que tivesse uma sexualidade reprimida, sempre fui tranquilo com essa coisa do nu e consciente sobre como explorar o corpo além do sexo. Comecei fotografando amigos, que foram trazendo outras pessoas. Comecei, então, a ser procurado”, conta.

No seu entender, a fotografia de nu é algo muito complexo, pois existem várias vertentes, e dá abertura para diversos pensamentos, sejam eles bons ou não. “Muitas vezes, eu tento transparecer o que o modelo é, mas sempre me ponho no lugar dele. No final, fazer nudes é algo sobre liberdade, vulnerabilidade e se sentir bem, né?”, diz.

Assim como Angela, André também tem portfólio no Instagram. Para ele, um app que possui alcance muito bom e no mundo inteiro. Para divulgar seus nudes, ele criou um fanzine: a Nudus Magazine,que já vai para quinta edição. Ou seja, para ambos, o nu já é um bom negócio.

Com esses exemplos, concluímos que nem toda nudez será castigada, como previu Nelson Rodrigues. Já o poeta Carlos Drummond de Andrade, que era tímido como o diabo, além de reservado, chegou a fazer nudes em forma de verso, no livro O Amor Natural, publicado após a sua morte. Que outra coisa é este verso: “Mulher andando nua pela casa/ envolve a gente de tamanha paz./ Não é a nudez datada, provocante./ É um andar vestida de nudez/ inocência de irmã e copo d’água/ (…) Pelos que fascinam não perturbam/ Seios, nádegas (tácito armistício)/ repousam de guerra. Também eu repouso.”

* Luis Turiba é jornalista e poeta

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