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Não nos venha com desculpas. Reconhecer a má-fé é tratamento homeopático

Consequências são amargura e morte. É preciso exercício diário para nos retirar da angústia de uma existência baseada em desculpas

Autor Karina Kufa e Pedro Arthur Suave

atualizado

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Podemos agrupar a humanidade em diversas categorias. Desta taxonomia, escolhemos aqui dividir os indivíduos entre aqueles que se desculpam com razão e aqueles que se desculpam por tudo. Vocês podem imaginar uma terceira hipótese, aqueles que nunca pedem desculpas. E adiantamos que o nosso alvo não é ato de pedir perdão, mas em se ter um argumento, uma resposta. Uma desculpa.

Pedir perdão é uma atitude moralmente nobre, uma virtude. E não é à toa que o calendário judaico celebra a lembrança de que devemos exercitar o perdão, no Yom Kipur. Independente dessa necessidade para uma vida mais leve, vamos focar esse texto no uso da palavra desculpa sem o verdadeiro sentido.

Voltando à divisão, se você não é um daqueles – ou não reconhece isso – provavelmente convive com alguém que para tudo arranja uma desculpa: me atrasei por causa do trânsito, não fui porque estava cansado, não emagreço porque comida saudável é cara, não junto dinheiro porque não tenho controle, não tenho tempo. Argumentos que a maioria de nós considera plausíveis. Além dos absurdos: jogo lixo no chão porque o lixeiro precisa trabalhar; se eu não pegar isso daqui, alguém pega; eu traí porque você trabalha demais.

O que a princípio soa familiar ou corriqueiro, na verdade, é uma série de desculpas para substituírem uma simples frase: Eu [não] fiz porque eu [não] quis!

Sim, se você se atrasou, o trânsito pode, de fato, ter colaborado para isso, mas você poderia ter saído de casa mais cedo. Só que imaginem falar para alguém que está à sua espera: Eu me atrasei porque eu quis!

Jean-Paul Sartre, filósofo existencialista, francês, cunhou um termo para isso: má-fé. Não aquela má-fé de intenção dolosa que conhecemos no dia a dia. A má-fé sartreana, a mauvaise foi, como nos ensina brilhantemente o querido professor Carlos Frederico Silveira, é a fuga. A fuga da responsabilidade, da decisão. A má-fé age como o botão do pânico, o elemento tranquilizador de nossas vidas. O voucher para uma noite tranquila de sono, para permanecermos inertes.

Em poucas palavras, a má-fé seria a mentira de si para si. E o que vem após a má-fé? Uma rápida sensação de alívio seguida da angústia. Essa angústia nos traz o peso das escolhas do passado. Tal como o fumante que enganou-se diariamente ao dizer que aquele era seu último cigarro e depara-se com um enfisema pulmonar. Está feito. Não há mais como voltar atrás. Resta ao condenado carregar a consequência de suas escolhas e a angústia diante do juízo, do próprio e dos outros.

Contudo, há de poder escolher a atitude com que se encara o que está feito, o que seria a conduta autêntica, preferível à conduta de má-fé. Difícil apresentar em tão curto espaço uma saída para esse problema (aproveitando para convidar o leitor inquieto a buscar uma saída na obra O Ser e o Nada, de Sartre), restando apontar um último caminho a ser evitado. Ignorar o problema também é uma das faces do prisma da má-fé. Tentar esquecer não é a saída. Pense no fumante. Esquecer não vai resolver seu enfisema.

O oposto da má-fé seria a autenticidade. Reconhecer que as nossas atitudes são em razão de nossas escolhas e saber conviver com o peso do passado com uma postura afirmativa. Sendo assim, não nos venha com desculpas. Reconhecer a má-fé é tratamento homeopático, exercício diário capaz de nos retirar da angústia de uma existência baseada em desculpas. As consequências da má-fé são a amargura e a morte.

Karina Kufa é sócia da KUFA Advocacia, professora, autora de livros e especialista em direito administrativo e eleitoral.

Pedro Arthur Suave é integrante da KUFA Advocacia.

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