Na panela da reforma da Previdência, ingredientes pouco harmoniosos
Mais dura e profunda, reforma terá que mesclar crise política e efeito Bebianno, além de contar com a receptividade do Congresso
Otávio Augusto
atualizado
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No preparo da receita para aprovar a nova proposta da reforma da Previdência, alguns ingredientes que parecem não se combinar terão que ferver juntos num ano legislativo que acaba de começar. O Palácio do Planalto espera que o jantar esteja servido antes do recesso do Congresso, em julho, mas, juntos, nem todos os temperos poderão fazer essa mistura ficar saborosa.
A proposta, mais dura e profunda que a tentada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), esbarra em duas cozinhas que ainda não se afinaram. Baseadas nos números, a equipe econômica se ancora no degringolar fiscal que virou a Previdência brasileira – muita gente recebendo e pouca financiando. Irredutíveis, os integrantes desse núcleo não se mostram dispostos a negociar com parlamentares para o cozido ter um sabor menos forte. Para eles, o preparo atende às necessidades dos clientes. Por mais de cinco horas repetiram suas teses ao apresentar o projeto nessa quarta (20/2).
Em outra bancada, os paneleiros da política mexem com outros talheres. Entendem que, com o Palácio do Planalto abalado com uma forte crise política em menos de dois meses de governo, o melhor é ajustar o sal, sem deixar a receita insossa. Pesa ainda o amargor da derrota do Executivo federal na Câmara, com a derrubada do decreto que restringia o acesso à informação. Os cozinheiros mais experientes já perceberam que dificilmente a proposta apresentada nessa quarta (20) chegará ao prato como está no livro de receitas.
Publicamente, integrantes do governo e aliados inflam o discurso de que a aprovação no Congresso Nacional sairá, e com facilidade. Nos bastidores, ninguém sabe dizer até onde o azedo das campanhas laranja e o dissabor entre o presidente, seu filho Carlos e o ex-ministro Gustavo Bebianno podem comprometer a degustação.
O salvaguarda das medidas – o ministro da Economia, Paulo Guedes – não falou sobre a reforma. Teve de assumir o papel de maître junto a governadores e chefes dos Três Poderes para facilitar o processo e permitir que a refeição chegue às bandejas dos garçons. Resolução de uma dívida de campanha.
O afago para o governo veio da boa recepção do texto por economistas. Desânimo quando governadores reunidos em Brasília discordaram de alguns pontos. Preocupação com a aceitação das mudanças na elite do funcionalismo público, que perderá direitos, das alíquotas maiores para os mais ricos, com a redução de regalia a políticos e militares – que terão um projeto de lei específico para as modificações de tão delicada que pode se tornar a receita verde-oliva.
Bocas famintas irão brigar por direitos. Outras, da mesma forma vorazes, tentaram pôr goela abaixo a refeição que resultar do cozimento. Com a panela já borbulhando, Bolsonaro precisará harmonizar ingredientes que até agora não se mostraram agradáveis, mas terão que se combinar para enfrentar a crise fiscal e retomar o crescimento econômico.