Ferrovias de carga e seus muitos benefícios ao país e à população

Investir no transporte sobre trilhos é fundamental para alavancar o desenvolvimento do Brasil

Otto Valle
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Assim como ocorreu com a chamada Lei do Gás, já em vigor, o novo Marco Legal Ferroviário, que aguarda votação no Senado Federal, apresenta um conjunto de modificações regulatórias no setor capaz de atrair e destravar investimentos, minimizando um de seus maiores problemas.

O Brasil conta hoje com aproximadamente 30 mil km de ferrovias, muito aquém do desejável e possível num país de dimensões continentais. Para piorar, 30% dessa extensão atualmente se encontra ociosa.

Esse inadmissível desperdício de recursos inclusive públicos cria obstáculos ao aprimoramento de logística fundamental ao escoamento de mercadorias, pelo país e para o exterior. Esse quadro prejudicial à economia brasileira e a sua população, como se verá, pode ser revertido pela aprovação do Projeto de Lei n° 261/2018.

O PLS, de autoria do senador José Serra (PSDB-SP), amplia a concorrência no setor, ao normatizar a possibilidade de estímulo à construção e/ou aquisição de ferrovias pela iniciativa privada por meio de outorgas de autorização, o que, em resumo, diminui a burocracia do processo. A relatoria do projeto de lei ficou sob responsabilidade do senador Jean Paul Prates (PT-RN).

Ao finalizar seu relatório, conciliando sugestões de operadores, do próprio governo e colhidas em audiências públicas – segundo registrou –, ele avalia a proposta como “uma caixa de ferramentas para o Estado brasileiro”, no sentido de viabilizar planejamento no setor.

Disse ainda à Agência Senado: “O projeto dá segurança e incentivos ao investimento público e privado em novas ferrovias e na revitalização da malha que esteja abandonada ou inoperante”. Ao fazer tal análise lúcida, o senador Jean Paul Prates evidencia ser possível a superação de divergências ideológicas em prol de solucionar um dos gargalos logísticos que atrasam o desenvolvimento econômico do Brasil.

Concessões

Num processo iniciado em meados de 1990, a operação das ferrovias foi passando ao âmbito da iniciativa privada, mas pelo regime de concessão.

A partir daí, o transporte de carga por esse modal se ampliou significativamente, conforme dados da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários: em 1997, o volume transportado pelos trilhos foi de 253 milhões de toneladas úteis (TU); em 2019, se contabilizou quase o dobro – 493,8 milhões de toneladas úteis (TU), um aumento de 95% entre um período e outro.

Porém, estudo da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) expõe que o sistema ferroviário atual apresenta malhas regionais isoladas e com pouca integração entre si.

“Duas ferrovias voltadas para o transporte de minério (Carajás e Vitória-Minas) respondem por 54% da movimentação total de cargas”, diz a entidade, na análise intitulada “Novo Marco Legal Ferroviário: avanços e pontos de atenção ao PLS n° 261/2018”.

Levantamento feito em 2020 pela Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF) confirma que 95% dos minérios extraídos no Brasil chegam aos portos pelos trilhos, mas é no segmento do agronegócio que o comércio exterior muito se beneficia estrategicamente das ferrovias de carga.

Segundo a ANTF, os trens carregam pelo território nacional mais de 45% das commodities agrícolas exportadas via terminais marítimos, percentual que alcança 63% no caso do açúcar. Porém, excluído o transporte de minérios, a participação do modal ferroviário na matriz de transporte brasileira é de apenas 4%. Há agora uma oportunidade concreta, viável e sensata de ampliá-la.

Isso exposto, a ampliação e recuperação do modal ferroviário, mesmo inicialmente focada no transporte de cargas, se traduz em benefícios diretos ao conjunto da sociedade brasileira.

Para começar, imagine você dirigindo seu carro por uma estrada sem o intenso tráfego de caminhões pesados, cujo tamanho por vezes dificulta uma ultrapassagem segura, contribuindo para aumentar o tempo e o estresse de seu deslocamento.

O mesmo vale para quem viaja de ônibus, veículo não raro envolvido em sérios acidentes, com muitas vítimas fatais.

Um caminhão do tipo bitruck, com quatro eixos, pode chegar a 29 toneladas de peso quando totalmente carregado; um bitrem articulado, que leva dois reboques ligados entre si e tem comprimento total de quase 20 metros, pode chegar a um peso bruto de 57 toneladas, somados o veículo e a carga.

Não admira que o tráfego constante de caminhões reduza a vida útil do asfalto, problema já exposto no passado pela Polícia Rodoviária Federal.

Economia

Especialistas participantes do Congresso Brasil nos Trilhos, realizado em 2018, estimaram que o transporte de cargas pelo modal ferroviário economizaria quase R$ 16 milhões em gastos com acidentes de trânsito, por cada 10 bilhões de tonelada quilômetro útil (TKU) a menos nas rodovias brasileiras.

Reportagem publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo pondera que os altos custos de transporte rodoviário têm grandes reflexos negativos sobre os preços recebidos pelos produtores — especialmente aqueles localizados em regiões mais distantes dos portos — e também no preço final pago pelo consumidor.

“Além disso, a utilização maciça das rodovias para transportar os produtos brasileiros deixa o país refém da alta dos preços de combustível e da variação cambial no mercado internacional”, comenta o jornal, lembrando ainda que tal dependência fragiliza o país em meio a crises como a provocada pela paralisação dos caminhoneiros, em 2018, quando a Sociedade Nacional de Agricultura estimou perdas da ordem de R$ 75 bilhões.

Ao mesmo tempo em que estamos defendendo o novo marco do setor ferroviário, com a simplificação do processo de concessão para autorização no caso de construção de novos trechos ferroviários, temos preocupação com a renovação antecipada de contratos de concessão vigentes, a exemplo da Ferrovia Centro Atlântica com a VLI no meu estado, Sergipe, sem que haja previsão da continuidade operacional de toda a malha concedida.

Não nos parece razoável o abandono de trechos de ferrovia existentes por não terem o fluxo desejado neste momento. A análise da renovação dos contratos deve considerar a viabilidade de todo o trecho concedido e não apenas daqueles que dão resultados imediatos. Temos que pensar na integração da malha ferroviária de todo o Brasil.

Uma das maiores vantagens das ferrovias reside na conservação ambiental. Investir no transporte de cargas sobre trilhos coloca o Brasil antenado com as decisões e acordos visando a redução dos chamados gases de efeito estufa, cujas emissões causam as mudanças climáticas.

Crise hídrica

Nosso país vive a maior crise hídrica verificada no últimos 91 anos, que já abala a geração de energia elétrica, felizmente sem risco de “apagão”, conforme assegura o governo federal.

Esse cenário justifica por completo valorizar que o modal ferroviário apresente eficiência energética muito superior ao rodoviário e com emissão muito inferior de gases prejudiciais à qualidade do ar – mais de 90% dos quais saem dos canos de escapamento pelas estradas.

Assim, investir nos trens revela ganhos preciosos ao meio ambiente e, por extensão, à saúde dos brasileiros, sobretudo dos moradores de cidades cortadas por rodovias federais, as chamadas BRs, em especial as 101 e 116, que atravessam vários estados do país.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) diz que o consumo de combustível do trem equivale a 30% do gasto do caminhão por quilômetro a cada tonelada transportada, menos de um terço, portanto, na comparação entre os trilhos e as rodas.

Associado ao benefício do já citado tráfego mais seguro, pelos cálculos da ANTF, um vagão transporta 100 toneladas, contra as 28 toneladas de capacidade de um caminhão, ou seja, cada vagão movimenta o volume de quase quatro caminhões – na prática, um trem composto de 100 vagões substitui 357 caminhões.

No entanto, o modal ferroviário não deslanchou devidamente até hoje, alcançando o patamar de importância a que faz jus, como mostrado aqui. O anuário estatístico da Confederação Nacional de Transporte (CNT) divulgado em 2020 expõe alguns percentuais que corroboram a premência de dar fôlego e, mais além, impulso às operações na área.

De 2019 para 2018, houve queda de 60,8% na produção de vagões (de 2.566 para 1.006 unidades). Comparados os mesmos períodos, a produção de locomotivas também apresentou forte queda (46,9%). Toda essa indústria voltada aos trens e a suas operações já gerou mais empregos e renda no passado.

Com a proximidade da renovação de importantes contratos de concessão de redes à iniciativa privada, é muito salutar que o Parlamento aproveite para debater e aprimorar os termos do Marco Legal das Ferrovias, sob pena de ver minguar uma ferramenta capaz de, literalmente, acelerar o crescimento econômico, com reflexos positivos duradouros sobre a qualidade ambiental e a saúde dos brasileiros. A hora é essa.

  • Laércio Oliveira (PP-SE) é deputado federal, relator da chamada Nova Lei do Gás, já vigente 
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