Afinal, por que não deixam Gustavo Scarpa voltar a jogar?
O craque segue em litígio com o Fluminense e impedido de entrar em campo. Entenda a situação
Carter Batista
atualizado
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Tem gente se perguntando se ainda existe escravidão neste país. Precisamos correr e responder “não”. Se bem que fomos a última nação do mundo a abolir esse câncer histórico, a mancha indelével da trajetória da humanidade. Mesmo assim, a resposta segue negativa. Pelo menos quanto ao regime oficialmente instituído, mas não vamos entrar nesse papo agora, pois seria uma conversa longa e dura demais. O debate centra-se apenas sobre Gustavo Scarpa, por enquanto. Então, por qual motivo não deixam o menino jogar?
A resposta é bem simples. Existe um tal de due process of law, também conhecido como devido processo legal, que preconiza, dentre outras coisas, a exigência do processo judicial seguir uma ordem pré-estabelecida. Com isso, a justiça ou a injustiça devem esperar sua vez para serem administradas em cada caso.
O devido processo legal é o “senta lá, Cláudia” da jurisdição constitucional.
No início de 2018, Scarpa ajuizou uma ação para encerrar o vínculo empregatício com o Fluminense, basicamente, em função de atrasos de salários, parcelas do FGTS e outros recebíveis.
Quem trabalha quer receber e a Justiça do Trabalho costuma confirmar esse tipo de medida. Funciona mais ou menos assim: se seu patrão não está pagando o salário em dia, você pode pedir a um juiz que o obrigue a pagar, além de te liberar logo para ser feliz em outro lugar. Afinal, a fila sempre anda.
Por sua vez, a Justiça do Trabalho não se furta ao dever de declarar qualquer abuso dos empregadores aos ditames do artigo 483 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), mas – como quase tudo nessa vida – existem algumas exceções e particularidades.
Antes de avançar, é bom confessar que estamos apenas especulando sobre a situação, pois os processos relacionados ao caso ainda estão tramitando em segredo de Justiça. Os advogados e as partes envolvidas (únicos com acesso aos autos) são estrategicamente econômicos nos relatos sobre o tema.
Porém, a experiência indica que, talvez, o Fluminense tenha corrido até o juizão e feito o depósito total ou parcial dos valores devidos.
Em linhas amplas e gerais funciona assim: com base numa interpretação do já citado artigo 483 da CLT. A Jurisprudência (conjunto de decisões judiciais) tem afirmado que a obtenção de uma liminar para liberar o empregado precisa preencher certos requisitos.
Essas condições são variadas, mas, no caso do Scarpa, considerando que ele desde o início alegou a falta de pagamento de verbas de natureza trabalhista por período superior a três meses, o juiz (na verdade, foi um desembargador, magistrado dono de caneta mais pesada) verificou a ausência desses pagamentos e deferiu a liminar.
De posse dessa decisão, Scarpa foi lá, fechou com o Palmeiras, treinou, jogou, fez dois gols e o assunto pareceu página virada.
Porém, sempre cabe recurso e (especulo) o Fluminense pode ter depositado, por exemplo, um dos salários que estavam atrasados, – assim, o saldo devedor ficou em apenas dois pagamentos pendentes, derrubando o “motivo” da liminar. Pode parecer absurdo, mas o funcionamento é mais ou menos assim.
Ou seja, não é qualquer violação das obrigações contratualmente assumidas pelo empregador que gera direito à rescisão indireta do contrato de trabalho – figura popularmente conhecida como justa causa aplicável ao empregador.
A conduta do patrão tem que ser, com efeito, muito grave, a ponto de causar prejuízo ao empregado e tornar insuportável a manutenção da relação empregatícia. Além disso, em alguns casos, a jurisprudência admite um pedido de perdão do patrão, com o depósito do valor em atraso e as devidas penalidades e cominações de estilo.
De uma forma ou de outra, o Fluminense conseguiu cassar a liminar e agora a discussão no processo do Scarpa voltou à primeira instância.
Todos aguardam a sentença, que, por sinal, está prestes a ser proferida. É bom lembrar que nada de definitivo foi julgado e o mérito da causa ainda será apreciado. Como em qualquer caso judicial, tudo pode acontecer.
A sorte está lançada. Até lá, deixemos as “advogadices” para os advogados, mas esperando ansiosamente voltar a ver o menino Scarpa fazer o que ele sabe: jugar la pelota.
Carter Batista é advogado em Brasília e sócio do escritório Osorio Batista Advogados