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Polícia, Bandido, Cachorro, Dentista e outras aventuras da arte

Mateus Costa, Jackson Marinho, Márcio H. Mota e Fernando Aquino expõem no Museu da República

atualizado

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Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles
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1 de 1 foto-de-abre1 - Foto: Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles

Márcio H. Mota e Fernando Aquino trabalhavam em parceria no Tutaméia. Jackson Marinho participava do Autonomia Duvidosa. Foram arregimentados, um a um, pela professora Bia Medeiros para entrar no Corpos Informáticos. Dentro do coletivo, no início desta década, puderam conhecer melhor Mateus Costa, colega deles no Instituto de Artes da Universidade de Brasília.

Sob a tutela de Bia Medeiros e para além da temporada como membros efetivos do coletivo, os quatro entenderam na prática como as linguagens mais tradicionais (como desenho e pintura) convivem harmoniosa e anarquicamente com outras manifestações (tipo performance e videoarte).

Daí os quatro terem formado, como um segundo momento desse mesmo pensamento, o combo Polícia, Bandido, Cachorro, Dentista para uma breve exposição de uma semana na Galeria Espaço Piloto da UnB em 2013. Valeu como processo aberto, ateliê coletivo, momento em que era permitido e desejado que um interferisse no pensamento do outro.

E agora, cinco anos depois dessa primeira mostra, que rolou no âmbito universitário, mais afeito a ensaios e experimentos, os cachorros ganham a praça da capital federal e assumem uma das salas do Museu Nacional Honestino Guimarães para esta presente exibição que, aberta no início do mês, já entra em seus últimos dias, até 5 de agosto.

Polícia, Bandido, Cachorro, Dentista, o nome dos quatro quando juntos, foi emprestado daquela canção de Sérgio Sampaio (1947-1994). Assim…

Eu tenho medo de polícia, de bandido, de cachorro e de dentista
Porque polícia quando chega vai batendo em quem não tem nada com isso
Porque bandido quase sempre quando atira não acerta no que mira
Porque cachorro quando ataca pode às vezes atacar o seu amigo
Porque dentista policia a minha boca como se fosse bandido
Porque bandido age sempre às escuras como se fosse cachorro
Porque cachorro não distingue o inimigo como se fosse polícia
Porque polícia bandideia minha boca como se fosse dentista
Dentista, dentista…

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E se o nome vale como uma nota sobre o estado de espírito, o subtítulo da mostra pode ser entendido como manifesto: “Exposição de Arte e Tecnologia”. Porque para os quatro, desde os tempos de Corpos Informáticos, nunca houve mesmo uma distinção muito grande entre as linguagens.

Logo na entrada da sala, uma série de desenhos de Fernando Aquino, chamada Córtex, avança a pesquisa que ele primeiro apresentou na Alfinete Galeria, em março de 2017. Aquino traz o masculino e o feminino num par de personagens eviscerados que estão, ao mesmo tempo, representados e desconstruídos em rigor matemático e anatômico.

A exatidão de Fernando Aquino já explica tacitamente ao prezado visitante que, nesta exposição, a ideia de “arte e tecnologia” não se restringe ao usual tratamento de arte computacional. Passa, sim, por domínio de software e de efeitos ópticos, mas também tem a ver com os cálculos matemáticos ocultos num desenho em perspectiva.

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Tem a ver ainda com a pequena engenharia realizada em cima de materiais que Mateus Costa transfigura em novos artefatos. Aqui numa das paredes do Museu Nacional, Mateus enfileirou uma série de objetos como o Boibélico, formado por ossos de boi e metal de espingarda, e o Martelo, uma caixa de madeira sobre a qual a ferramenta esmurra um chinelo sem par.

Para aquela primeira exposição, Jackson e Márcio se recordam, Mateus Costa tinha montado caixotes de papelão vazados por olhos mágicos, através dos quais o espectador se via convidado a espiar uma cena montada pelo artista no interior de tão prosaico objeto. Desta feita, os olhos mágicos estão se oferecendo aos visitantes na tampa de uma panela de pressão (no detalhe que abre esta página) e numa cabaça.

O avanço da engenharia de Mateus Costa e, por assim dizer, o aperfeiçoamento de sua arquitetura de interiores, soam para os quatro amigos como bom indício das mudanças que cada um deles experimentou ao longo dos anos. Se a primeira exibição foi exercício em comum entre artistas-estudantes que passavam dias juntos, esta se tornou um reencontro entre artistas que palmilham trajetórias individuais – e aqui apresentam o estado atual de cada pesquisa.

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Como não houve um curador externo, não houve um quinto elemento com poder mediador, tudo na exposição passou pelo crivo dos quatro. Desde o projeto, escrito e inscrito no Fundo de Apoio à Cultura por iniciativa de Fernando Aquino. Passando pelo texto de apresentação, ao longo do qual Aquino destrinchou suas fontes conceituais.

Eles também tiveram de lidar com espaço físico em si, e sua relação com as obras. Esta galeria do Museu Nacional conta com uma pequena sala retangular dentro da sala: quatro paredes, uma estreita passagem. Ali dentro Márcio H. Monta encaixou, encaixotou Prece – Chuva Vermelha, uma videoinstalação em que linhas coloridas de luz são projetadas sobre barbantes pendentes do teto, dando a ideia de uma chuva que, no entanto, jamais toca o chão. Uma chuva seca.

“Venho pensando muito em termos de música para meus trabalhos mais recentes”, explica Márcio, às portas de sua instalação, lembrando da mostra Contra-Cinema, que ele montou na Alfinete Galeria em agosto do ano passado. “Aqui o som pontua os dois momentos da obra. Primeiro, a música, uma valsa sertaneja, representando a fé do desejo por chuva das pessoas em uma região seca. As luzes são mais coloridas nesse momento. Depois entra o barulho de chuva, predomina a luz vermelha e chove como uma miragem no deserto, como uma ilusão.”

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As trovoadas de Márcio H. Mota escapam da pequena sala e emprestam uma relativa umidade para a segunda metade da galeria, toda ocupada pela video instalação Polícia, Bandido, Cachorro, Dentista. Para esse trabalho, Jackson Marinho deu uma volta pelos ferro-velhos de Taguatinga e juntou peças de metal. Uma roda, uma bacia, uma pia, um balde.

A ideia é que essas peças funcionassem como readymade, ele conta, funcionassem como objetos encontrados. Ou seja, tivessem certo apelo pela objetiva estranheza de estarem ali naquele lugar, pendentes na ponta de fios que caem do teto. Especialmente importante que as peças fossem de metal. Porque Jackson ligou as sucatas a sensores, daqueles usados em celulares e telas touch. Quando o corpo humano do nosso prezado visitante interage com a obra, entrando em contato físico com os objetos balouçantes, então, há uma mudança na tensão elétrica, os captadores percebem essa frequência e disparam um software que altera som e imagem ali na parede ao fundo da sala.

Polícia, Bandido, Cachorro, Dentista – Sérgio Sampaio não gostava de nenhum deles. Tinha medo. Jackson Marinho, para essa obra, desconstruiu letra e música, que reverbera concretamente, aleatoriamente, de acordo com a pulsões elétricas que o visitante emitir ao acaso na ponta de cá dos objetos de metal. E o artista colheu fragmentos de vídeos na internet, de poucos segundos, cenas amedrontadoras, de touradas a conflitos armados, que pipocam na parede, ocasionalmente iluminando a sala, para logo em seguida se apagar.

No caminho de saída, um último sobressalto. A mais recente série de pinturas, sem título, feitas por Márcio H. Mota em que os mascarados das Cavalhadas de Goiás surgem em singelas cenas domésticas, em meio à indiferente natureza do Centro-Oeste.

Bernardo Scartezini/Especial para o Metrópoles
Série de pinturas (2018) de Márcio H. Mota, óleo sobre tela

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