Galeria em obras: o trajeto da Referência até seu novo endereço

Após três anos ocupando uma modesta sobreloja na 205 Norte, galeria agora pode se espalhar pelo subsolo do bloco B da comercial da 202 Norte

Bernardo Scartezini
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Cabe um alerta aos entusiastas das artes visuais. Manter uma galeria em Brasília não é profissão isenta de sobressaltos. Há mais de duas décadas no mercado, a Referência Galeria de Arte recupera-se do momento mais difícil de sua trajetória ao reabrir as portas, esta semana, em novo endereço: 202 Norte.

Após três anos ocupando uma modesta sobreloja na 205 Norte, a galeria agora pode se espalhar pelo subsolo do bloco B da comercial da 202 Norte. De um espaço total de 60 m², dividido em duas salas, entre exposição e reserva técnica, agora a Referência toma 180 m², articulados em dois pisos.

Eis o quinto endereço da Referência desde 1995. Acompanhar as idas e vindas da marchand Onice Moraes e de sua galeria pelo mapa do Distrito Federal ajuda a lançar um olhar sobre o cenário das artes brasilienses. Seu primeiro lar foi a comercial da 311 Norte. Uma vez difundida no mercado da cidade, a marca buscou espaço no CasaPark, em 2003. Aproveitando aquele leve boom das artes brasilienses, no início desta década, um burburinho com novos personagens e novos espaços, Onice apostou em bancar uma loja de 400 metros quadrados ali no mesmo centro comercial. Foi pega no contrapé.

“Ficamos com medo de quebrar total”, Onice Moraes admite, numa risada nervosa. “O objetivo dessa mudança dentro do CasaPark era aumentar a visibilidade da galeria e aumentar as vendas. Mas o resultado foi bem o contrário, nos surpreendeu fortemente.” De um mês para o outro, em meados de 2012, as vendas começaram a cair, o dinheiro parou de entrar.

Aquela marolinha da crise mundial de 2008 vinha silenciosamente crescendo dentro do Brasil até estourar como tsunami em todos os setores da economia nacional — especialmente, pode-se imaginar, no mercado das artes. Justo num momento em que Onice tinha comprometido suas finanças ao acertar um aluguel mais caro e fazer ampla reforma no novo imóvel.

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Litros de tinta e massa corrida: últimos toques da nova Referência na semana passada
Litros de tinta e massa corrida: últimos toques da nova Referência na semana passada
Litros de tinta e massa corrida: últimos toques da nova Referência na semana passada
Litros de tinta e massa corrida: últimos toques da nova Referência na semana passada
Litros de tinta e massa corrida: últimos toques da nova Referência na semana passada
Litros de tinta e massa corrida: últimos toques da nova Referência na semana passada

Agora respirando ares mais serenos, com a nova Referência da 202 Norte ainda com as paredes cheirando a tinta fresca, Onice pode lembrar do momento em que precisou dar o proverbial passo atrás — ou dois passos atrás — saindo do CasaPark e buscando refúgio na 205 Norte por três anos, até recuperar a contabilidade.

Essa mudança de endereço teve impacto imediato nas exposições da Referência. O que cabia num lugar já não passava pelo corredor do outro. Foi drástica a diminuição do espaço expositivo. Na ampla galeria do Guará, os artistas se criavam à vontade. A casa recebeu exibições de fôlego: a individual de Luiz Gallina com sua Tábua de Esmeraldas, a mostra em parceria entre André Santangelo e Daniel Mira, a retrospectiva da obra de Galeno. Depois, na chamada Babilônia Norte, uma quadra de vocação artística desde os tempos da galeria Arte Futura e Companhia, ainda na década passada, a Referência contou com mostras consideráveis de Gê Orthof, João Angelini, Raquel Nava. Mas todas funcionando numa escala mui diferente, bem mais intimista.

Alguns artistas que estavam nos planos de Onice tiveram que ser adiados porque simplesmente não cabiam na 205. Com eventuais exceções, como um recorte das pinturas mais recentes do paulista Claudio Tozzi, em 2016, Onice buscou uma frequente participação de artistas da cidade, que estavam mais familiarizados com o tamanho da galeria, podiam ir lá algumas vezes para planejar melhor suas expografias.

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Véspera de abertura: mostra "Labirinto", de Christus Nóbrega, vai tomando forma
Véspera de abertura: mostra "Labirinto", de Christus Nóbrega, vai tomando forma
Véspera de abertura: mostra "Labirinto", de Christus Nóbrega, vai tomando forma
Véspera de abertura: mostra "Labirinto", de Christus Nóbrega, vai tomando forma

Christus Nóbrega, por exemplo, já estava comprometido para levar uma mostra individual para a Referência. Tinha pensado em uma sequência dos trabalhos recentes em dobraduras de papel que já tinham sido vistos, ano passado, no Elefante Centro Cultural, dentro da exposição “Brinquedos de Papel”.

Quando coincidiu de a mudança da Referência para a 202 Norte bater justamente com os preparativos para a mostra de Christus, os planos do artista rapidamente mudaram. Ele então surgiu com “Labirinto”, a primeira etapa de um trabalho que vem desenvolvendo há um par de anos.

São peças grandes, que cortejam o campo da fotografia expandida e que conciliam o antigo interesse do artista em tecelagem. Obras que, enfim, necessitam de mais destaque nas paredes, e que ganham em interesse com a possibilidade de melhor fruição do espectador numa sala mais ampla.

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Evandro Soares em ação: instalando sua obra na manhã de sábado
Evandro Soares em ação: instalando sua obra na manhã de sábado
Evandro Soares em ação: instalando sua obra na manhã de sábado
Evandro Soares em ação: instalando sua obra na manhã de sábado
Evandro Soares em ação: instalando sua obra na manhã de sábado
Evandro Soares em ação: instalando sua obra na manhã de sábado
Evandro Soares em ação: instalando sua obra na manhã de sábado
Evandro Soares em ação: instalando sua obra na manhã de sábado

Na noite de quarta-feira, véspera da abertura, Christus Nóbrega e a curadora Cinara Barbosa afinavam “Labirinto” na Referência, ainda faltando ajustar as luzes. Enquanto isso, descendo a escada até a sala debaixo, a mostra coletiva “Novas Referências” também estava a tomar forma.

Onice Moraes reúne nessa exposição os novos artistas que ela passa a representar na Referência. A saber… os brasilienses Patrícia Bagniewski, Henrique Detomi e Pedro Gandra, o goiano Pitágoras Lopes e o baiano, radicado em Goiânia, Evandro Soares.

Evandro foi o primeiro deles a chegar na exposição porque boa parte do trabalho dele se deu ali mesmo (a se ter como prova a foto que abre esta página). Trouxe de Goiânia um objeto escultórico em ferro a ser instalado numa das paredes da galeria, criando um jogo de sombras com o fundo branco. Evandro, assim, passou a manhã e a tarde de sábado entretido com réguas, alicates e furadeiras. Antes mesmo que os demais colegas de profissão chegassem por lá com suas contribuições.

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Véspera de abertura: coletiva "Novas Referências" também vai tomando forma
Véspera de abertura: coletiva "Novas Referências" também vai tomando forma
Véspera de abertura: coletiva "Novas Referências" também vai tomando forma
Véspera de abertura: coletiva "Novas Referências" também vai tomando forma

O andar de baixo da Referência também conta, ao fundo da sala, com uma reserva técnica. As obras do acervo sendo acondicionadas em trainéis. São gravuras, desenhos e pinturas. O trajeto de mudança, da 205 até a 202 Norte, não foi dos mais compridos, mas os quadros tiveram de ser embalados em plástico bolha para entrar no furgão Renault Master da galeria. Algumas peças mais delicadas, como os trabalhos em vidro de Gê Orthof, passaram uns dias na casa de Onice, no Lago Norte.

Uma boa parte do acervo da Referência, aliás, fica na residência de sua marchand, não importando o tamanho atual da galeria, nem o número de trainéis que sua reserva técnica comporta no endereço comercial. Trata-se de um retiro estratégico. Quando uma obra já foi exposta algumas vezes, já foi muito vista pelos clientes nos trainéis da galeria e mesmo assim ainda não foi vendida, ela ganha umas férias no Lago Norte para descansar um bocadinho.

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