As ferramentas poéticas para Nina Orthof navegar as imensidões

Atrás do Vento, primeira exposição individual da artista, está em cartaz na Alfinete Galeria (103 Norte)

Bernardo Scartezini
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Atrás do Vento é a primeira mostra individual de Nina Orthof. E, de certa forma, mais do que uma introdução ao público da arte contemporânea brasiliense, a exposição em cartaz na Alfinete Galeria (103 Norte) funciona – para a própria artista – como um desdobramento.

Desdobramento não apenas de suas práticas em vídeo, que as obras de Nina nesse suporte vêm pontuando mostras coletivas da cidade ao longo dos últimos anos. Também de seus interesses teóricos e de suas pesquisas acadêmicas, sempre orbitando o Instituto de Artes da Universidade de Brasília, onde fez bacharelado e mestrado, onde atualmente cumpre doutorado.

“Durante uma das disciplinas do doutorado, naquele processo de encarar de frente o próprio método, fazendo uma apresentação oral de meus trabalhos, me bateu um nervoso, entrei em pânico”, lembra Nina Orthof, falando no pretérito de um tempo que, ela admite, não é tão passado assim…

“Entrei em pânico, mas um pânico bom. Ainda estou muito perto deste momento. Tem sido difícil para mim enxergar esta minha exposição justamente por ainda estar tão próxima a tudo isso. Algumas das questões que me trouxeram até aqui, em meus trabalhos e minhas pesquisas acadêmicas, ainda estão muito presentes nesta mostra. Mas ali naquela conversa, na aula, eu meio que travei porque já sentia borbulhando outras questões que agora pela primeira vez pude tratar delas. Estavam entaladas na garganta, e não de uma maneira positiva.”

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Detalhes da projeção audiovisual Dust Tourist
Detalhes da projeção audiovisual Dust Tourist
Detalhes da projeção audiovisual Dust Tourist
Detalhes da projeção audiovisual Dust Tourist
Detalhes da projeção audiovisual Dust Tourist
Detalhes da projeção audiovisual Dust Tourist

 

Quando o prezado visitante descer as escadas da Alfinete Galeria, poderá aos poucos distiguir a voz de Nina Orthof. Que estava, literalmente entalada na garganta, e agora gira como parte de uma das peças desta mostra, a projeção audiovisual Dust Tourist, e se espalha por todo o ambiente da exposição, contaminando os demais trabalhos.

Ainda nas disciplinas do doutorado, semestre passado na UnB, Nina apresentou um rascunho da Dust Tourist que hoje ocupa toda a parede ao fundo da Alfinete, iluminando o andar inferior da casa – e atravessando o ar não apenas com a luz que escapa da projeção, mas com o som da voz da artista.

Dust Tourist, para Nina, funciona como jogo de tabuleiro. Ela apresenta imagens estáticas, fotografias ampliadas de uma viagem ao deserto do Atacama, no Chile. E também uma narrativa oral, mais poética e sugestiva do que factual ou objetiva. Tanto as imagens projetadas quanto a voz gravada giram em círculos, embora não se encontrem, não no sentido de que uma se torne legenda para a outra.

“Eu dou as imagens, como quem dá o espaço. E minha voz dá o tempo. Como uma coisa não é ilustrativa da outra, a tendência é ampliar sentidos.”

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Detalhes dos vídeos Cabine e Cabos
Detalhes dos vídeos Cabine e Cabos
Detalhes dos vídeos Cabine e Cabos
Detalhes dos vídeos Cabine e Cabos
Detalhes dos vídeos Cabine e Cabos
Detalhes dos vídeos Cabine e Cabos

 

Nina Orthof, claro, já conhecia o Deserto do Atacama de ter lido sobre ele, de ter visto imagens dele na internet. No entanto, ela conta, nada disso a deixou preparada para a experiência real, para a sensação do absurdo.

“Absurdo porque me dei conta de que lá era mar. Tem vales em que você percebe que o mar passou por ali. E absurdo porque esta viagem me trouxe, pelo menos, uma cena de arrebatamento que não saiu da minha cabeça durante todo o processo desta exposição, funcionando como mais um elemento aqui dentro. Foi a cena da noite chegando num espaço todo aberto. Ver uma coisa escura adentrando aquele vale, ocupando lentamente cada espaço que antes tinha sido mar, até me dar conta de que aquela coisa era a noite, parecia que o mar estava voltando a tomar o seu lugar, parecia uma fábula.”

Assim como o deserto já tinha sido mar, e assim como a noite parece devolver o mar ao deserto, Nina Orthof pensa na sua exposição como um pequeno barco para navegar a imensidão do oceano, a imensidão do deserto.

Que esta mostra, Atrás do Vento, se formou de vez quando Nina Orthof foi para Paraty, no litoral do Rio de Janeiro, participar de uma residência promovida pelo artista sonoro Ricardo Garcia. Foram três dias num pequeno navio em alto-mar, e dormindo em alto-mar.

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Detalhes da vídeo projeção Vigia
Detalhes da vídeo projeção Vigia
Detalhes da vídeo projeção Vigia
Detalhes da vídeo projeção Vigia
Detalhes da vídeo projeção Vigia
Detalhes da vídeo projeção Vigia

 

Nina nunca tinha dormido em alto-mar. Mas já velejava fazia tempo. Quando sua família morava em Boston, porque seu pai, o artista visual Gê Orthof, tinha ido fazer pós-doutorado nos Estados Unidos. Ela tinha treze anos de idade e aprendeu a andar de barco no verão norte-americano.

Em grande parte, Atrás do Vento foi montada a partir de trabalhos feitos nessa residência com Ricardo Garcia em Paraty. Uma das obras, por exemplo, tem a gravação feita por um microfone que foi mergulhado na água e captou o som do fundo do mar.

Mas a mostra traz um somatório de elementos de outras tantas experiências, de viagens que Nina tem feito desde a adolescência. Vivências que alimentaram também seus estudos. Sua tese de conclusão de curso, no bacharelado, foi sobre o vento. Anos mais tarde, no mestrado, acabou por questionar o que chama de “distâncias imaginárias e medidas impossíveis”.

“Digo isso um pouco brincando com essa ciência que mede tudo mas que, na verdade, quando você está diante da imensidão, não tem como dar conta. Por isso acho importante o elemento do barco. Porque está na medida humana. Não me refiro a cruzeiros ou transatlânticos. Me refiro a um pequeno barco, em que velas e cabos estão ao alcance da mão. São ferramentas poéticas para navegar as imensidões.”

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Detalhes da vídeo projeção Nado Sincronizado
Detalhes da vídeo projeção Nado Sincronizado
Detalhes da vídeo projeção Nado Sincronizado
Detalhes da vídeo projeção Nado Sincronizado
Detalhes da vídeo projeção Nado Sincronizado
Detalhes da vídeo projeção Nado Sincronizado

 

Para navegar os mares desconhecidos de uma primeira mostra individual, Nina Orthof contou com a ajuda da experiente curadora Marília Panitz. Um convite que foi natural, conta a artista, e surgiu assim que a data na Alfinete ficou estabelecida. Marília tinha sido professora de Nina no bacharelado na UnB e orientou sua tese sobre os ventos. Muito antes disso, Marília já vinha de parcerias com Gê Orthof.

Marília e Nina criaram desta feita uma espécie de cartografia – fazendo da sala de exibição uma casca de noz, o ventre do barco, e fazendo de cada tela de vídeo e de cada projeção uma escotilha para o oceano lá fora. As duas pilastras da galeria, se o prezado marujo entrar na aventura, logo se tornam mastros para as velas – e os fios das traquitanas eletrônicas seriam os cabos e as cordas deste convés.

“A experiência de estar no barco foi definitiva para mim. Trouxe uma coisa de estar silenciada, para poder entender o que acontece, uma simbiose com o instrumento barco e também com o ambiente ao redor. Você fica na escuta o tempo todo, num estado quase meditativo, olhando para frente e ao redor, olhando para cima e para baixo. Girando o rosto o tempo todo para perceber a mínima mudança. Enquanto uma mão está no timão e a outra nos cabos. Você fica escutando o vento.”

Um barco, diz, foi o mais perto que ela chegou de estar dentro de uma espaçonave.

(PS – Nos próximos dias 2, 3 e 4 de março, acontece o projeto BSB Plano das Artes, com roteiros culturais e circuitos de vans gratuitas que unem galerias, ateliês e espaços ligados às artes visuais do Distrito Federal. Vale conferir atrações e percursos: http://bsbplanodasartes.com.br)

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