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Dedé Santana volta às origens ao se apresentar em circo no DF

O trapalhão de 83 anos sobe no picadeiro, requebra, salta, faz piada maliciosa. E, antes, relembra a vida de tragédias, amarguras e vitórias

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1 de 1 dedé-santana - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

O bebê estava dentro da caixa de maçã, berço improvisado da família circense. A mãe, Ondina, representava a escrava em A Cabana do Pai Tomás. Havia chegado o momento de pegar ao colo o boneco que representava o neném. Na cena, o senhor tomaria a criança da mãe e se ouviria um choro. Era uma gravação. Alguém percebeu, já em cena, que algo havia sumido, não se sabe se o boneco ou o disco de vinil. O que fazer?

Começou aí a carreira circense de Dedé Santana, o mais sério dos trapalhões, a escada do Didi. Aos 3 meses de idade, Manfried Sant’Anna foi tirado às pressas do berço-caixa de maçã e subiu ao picadeiro no colo da mãe. Quando o senhor representado por Oscar Santana tomou a criança da escrava, o bebê chorou, como se soubesse que deveria chorar naquele exato instante. Um dos atores em cena não aguentou e riu.

Oscar Santana, pai de Dedé, parou a peça e explicou ao público a razão do riso. O bebê de verdade, que estava substituindo o boneco, havia chorado na hora certa. A plateia aplaudiu com gosto. Nascia o ator, palhaço e comediante Dedé Santana.

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Oitenta e três anos depois, o trapalhão subiu ao picadeiro do Circo Mundo Mágico, na entrada da Candangolândia. Havia um sentido singular, um significado histórico, naquele espetáculo de sexta-feira (02/08/2019), oito e meia da noite, sob a lona amarela montada ao lado da Praça dos Pioneiros, que homenageia os que construíram Brasília.

O bebê da caixa de maçã, o trapalhão que dava a deixa para o Didi Mocó fazer a palhaçada da hora, o Dedé irmão do Dino Santana, sobrinho do Colé Santana, ex-marido de Ana Rosa, o fluminense de Niterói voltava à cidade que, de certo modo, ajudou a construir — o riso constrói ou pelo menos não destrói.

Dedé Santana teve um circo-teatro de revista, Circo-Teatro Real, e uma boate-restaurante, Bossa Nova, na Cidade Livre, durante a construção de Brasília. Por volta de 1958, vieram ele, o irmão Dino e a mulher, Ana Rosa, aproveitar “a febre do ouro” no centro geográfico do Brasil.

Ana Rosa e Dedé estavam casados havia pouco tempo. Conheceram-se num circo, ela aos 16; ele, seis anos mais velho. Atriz que mais fez novelas no mundo (está no Guinness Book), Ana também nasceu sob a lona e, como o marido, estreou muito cedo, aos 15 dias de idade, representando um bebê abandonado.

Casaram-se em 1958 e pouco depois vieram para Brasília descendo de São Paulo, passando por Minas até chegar à nova capital em construção. No meio do caminho, a trupe mambembe parou em Três Marias (MG) para esperar o conserto de travessia da barragem. E como não tinha nada pra fazer, montaram o circo ali mesmo. (Já havia um hotel e muitos viajantes, os que vinham para Brasília, os que iam conhecer a hidrelétrica em construção e os trabalhadores da obra).

Quando o repertório acabou (“já havia repetido várias vezes”), a trupe desceu para Brasília. O circo era de teatro de revista – de paródias, de humor meio ingênuo meio malicioso, de musicais, de vedetes e de dramalhões. Ana Rosa era uma das bailarinas. O maior sucesso, porém, foi A Paixão de Cristo: “As filas rodeavam o quarteirão, era uma sessão atrás da outra”.

Logo, a fama da família Santana chegou à Rádio Nacional e depois à TV Brasília, e Dedé foi convidado a trabalhar nas duas. Chegou a ganhar um apartamento funcional, mas uma tragédia mudou o destino dos artistas circenses. Maurício, filho de 1 ano e 2 meses, adoeceu gravemente e o casal foi às pressas para São Paulo. Lá, soube que a criança estava com leucemia. Morreu em fevereiro de 1961. Logo depois, o casamento terminou. (Ainda voltariam a viver juntos. Tiveram uma filha, Maria Leone, e depois se separaram definitivamente.)

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Na sexta-feira 2 de agosto passado, Dedé Santana contou sua vida num trailer atrás da lona do circo. Já estava maquiado, leve máscara de base sobre o rosto liso com rugas nos olhos, nos contornos da boca e na testa. Vestia calça jeans, camiseta e usava um casaco leve. Havíamos sido avisados de que ele só teria 10 minutos para a entrevista. Conversamos mais de 40.

Dedé Santana ainda precisa trabalhar por duas razões igualmente fortes: porque ainda tem de ganhar para se manter e porque não vive sem o palco, seja de um estúdio de tevê, de um teatro, no cinema ou no circo. “Eu sou o responsável por levar a arte circense para a tevê.” Não há arrogância nem vaidade despudorada no que diz. É com quase humildade que Dedé fala de seus 83 anos de vida e de palco.

Lembra dos tempos de Brasília. Chegou dois anos antes da inauguração e partiu logo depois. A boate Bossa Nova foi um sucesso fugaz. O irmão, Dino Santana, que morreu há nove anos, tinha lembranças mais detalhadas do lugar: “A casa ficou realmente muito bonita, classe A. Esse foi nosso erro. Ela não podia ter aquele padrão de qualidade. Tinha de ser o contrário. Ficou muito metida a bacana, muito família”, ele me contou alguns anos atrás.

Dedé se lembra da atmosfera de solidariedade que naturalmente surgia entre os candangos. “Eu tinha um Ford 26. Um dia, saindo da Cidade Livre, alguém perguntou:

— Plano Piloto?
— Plano Piloto.

E, quando vi, o carro estava lotado. Na volta, a mesma coisa:

— Cidade Livre?
— Cidade Livre.

E o carro enchia.”

Chamava-se Lotada esse tipo de transporte no tempo da Cidade Livre, conta Dedé.

Com a doença do filho, a partida para São Paulo, a morte do menino, o fim do casamento, Dedé ficou zanzando pela vida. Não queria voltar para o circo da família. Queria ser piloto de avião, mas o curso era caro. Queria também ser artista no Rio de Janeiro, para onde se mudou. O palhaço, acrobata, trapezista, domador de elefante queria fazer cinema. Conseguiu emprego de faxineiro de teatro. Logo, virou contrarregra.

E o acaso, esse deus do destino, o levou ao palco. Um ator brigou com o elenco e, no desespero, alguém se lembrou que Dedé fora palhaço e sabia as falas de todos, de tanto ouvi-las. Numa das cenas, ele tinha de dar um salto e caiu de bunda – não estava no script. Dedé imitou o Mazzaropi, para disfarçar o erro. A plateia gostou. “Arrebentei!”

Até que um dia, já na extinta TV Excelsior, conheceu um cearense, advogado e comediante, Renato Aragão, já conhecido em Os Adoráveis Trapalhões, dos quais faziam parte os cantores Wanderley Cardoso e Ivon Curi e o lutador Ted Boy Marino. A formação se desfez até que, em meados da década de 1970, na TV Tupi, renasceria com o nome reduzido para Os Trapalhões, com a inesquecível formação: Dedé, Didi, Mussum e Zacarias.

Depois de mais de 20 anos de absoluto sucesso, o humor pastelão-circense de Os Trapalhões foi se entristecendo com a morte de dois de seus integrantes, Zacarias e Mussum. Com o tempo, as mágoas guardadas vieram à cena. E foram reacendidas agora com um documentário em fase de produção, no qual surgem feridas até então escondidas.

Mas Dedé parece que mudou de lugar. Se antes havia feito queixas públicas, agora escolheu esquecê-las. Diz que jogar para o Didi fazer o gol não era um problema. “Nos Estados Unidos, não tem esse preconceito com o escada. O nome dele sempre vem na frente. Veja O Gordo e o Magro.”

Para um pouco, franze a testa e diz: “Eu fiz só até o terceiro ano ginasial [7º ano do ensino fundamental]. Didi era advogado formado. Aprendi muito com ele sobre o que é ter uma família. Antes dele, eu não sabia o que era um fim de semana. Ele me dizia que sábado e domingo era para a família e me levava para almoçar com eles. E eu acho que ensinei a ele a arte do circo”.

Didi e Mussum eram comediantes, Dedé e Zacarias, atores – é assim que o eterno trapalhão identifica as qualidades cênicas do grupo. Diz que, se ensinou algo para Didi, foi sobre a arte de ser ator, e não apenas aquele que faz rir.

Na sexta-feira 2 de agosto, na Candangolândia, dos 500 lugares do Circo Mundo Mágico, pelo menos 350 estavam ocupados. Os ingressos custavam de R$ 10 a R$ 30, da meia-entrada em cadeira popular à entrada inteira em cadeira VIP, todas elas de plástico. O que diferenciava era a proximidade ao picadeiro.

Quando se apresenta em circo, num esquete final, toda a bilheteria é dele. Naquela sexta-feira candanga, Dedé deve ter recebido algo em torno de R$ 5 mil.

“A minha presença facilita as coisas com a prefeitura. Os prefeitos exigem demais do circo, como se fosse uma empresa estável. O circo está só de passagem, deveria ter um tratamento diferente.”

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Pouco antes das 10 da noite, Dedé sobe ao picadeiro. Veste calça jeans, camiseta e blazer. Faz trejeitos, requebra, salta – com incrível segurança. “Tenho 83 anos com corpinho de 79”, brinca com a plateia. Tem a idade imprecisa dos palhaços. Fernando Zini, faz o papel de Dedé, é o escada. As piadas têm a ingenuidade maliciosa dos trapalhões:

— Quem nasce em Minas é mineiro. E quem nasce na Bahia?
— Banheiro.
— Quem nasce no Alasca?
— Lascado.
— Quem nasce na África?
— Afrescalhado (Dedé requebra e contorce uma das mãos).

Ou outra, um pouco menos ingênua para um público de crianças de, em média, 7/10 anos:

— Por que o cachorro entrou na igreja?
— Porque a porta estava aberta.
— Por que o tatu entra no buraco?
— Porque o buraco estava aberto.
— Por que meu pai se casou com minha mãe?
— Porque o buraco estava aberto.

Quando termina o quadro, faz uma homenagem ao circo, diz que já fez 62 filmes, conta que o pai era palhaço, e a mãe, trapezista. “O sorriso pode tornar o mundo melhor”. O do Dedé é um sorriso triste, porque ao final os palhaços são tristes.

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