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Produtividade do brasileiro cresceu na pandemia, mas foi um “soluço”

Horas efetivamente trabalhadas aumentaram 12,7% no auge da Covid-19; mas indicador caiu depois que o país voltou ao normal

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1 de 1 reuniao-de-trabalho - Foto: Reprodução/Redes sociais

No auge da pandemia, a produtividade do trabalho deu um salto formidável no Brasil. Em 2020, o número de horas efetivamente trabalhadas pelos brasileiros aumentou em 12,7%. A notícia parecia excelente, uma vez que a produtividade é um dos principais indicadores para medir a eficácia da economia de um país. O problema é que o tal avanço não passou de um soluço (veja quadro abaixo).

É isso o que indica um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre). Mas não é só. Além de ter sido um movimento episódico – quase uma ilusão estatística – o levantamento mostra que, após o avanço, a produtividade do trabalhador brasileiro voltou ao velho normal. Ela recuou 7,9%, em 2021, e 4,5%, em 2022, retomando o curso de queda, ou de movimentos ascendentes pífios, registrado nos últimos 40 anos.

Dados como esses levantam ao menos três questões. São elas: o que aconteceu com esses números no Brasil durante a pandemia, quais são as consequências para o país dos resultados do estudo e por que o Brasil não consegue sair desse atoleiro da baixa produtividade há quatro décadas. Quem as responde, a seguir, é o economista Fernando Veloso, pesquisador do FGV Ibre, um dos autores do trabalho.

Por que o indicador de produtividade no trabalho subiu tanto em 2020 e desabou nos dois anos seguintes?

Os setores menos produtivos da economia foram os mais afetados pela pandemia. As pessoas que fazem parte desse segmento realizam trabalhos presenciais em hotéis, restaurantes, em serviços de limpeza. No auge da doença, não tinham como fazer home office. Assim, elas pararam de trabalhar. O fato é que as estatísticas de produtividade melhoraram, porque passaram registrar as horas trabalhadas dos grupos mais produtivos, que contam, por exemplo, usam recursos de tecnologia e tudo mais.

Com a melhora da pandemia, aconteceu o processo inverso?

Sim. Esses grupos menos produtivos voltaram ao trabalho e os indicadores de produtividade voltaram a cair.

Ou seja, os indicadores, na prática, registraram a saída e, na sequência, o retorno dos trabalhadores menos produtivos ao mercado?

Foi isso. Esse efeito aconteceu em todo o mundo. Atingiu países da Europa e os Estados Unidos, mas foi bastante forte no Brasil, porque os trabalhadores menos produtivos têm maior peso no nosso mercado. Foi por isso também que os indicadores de produtividade caíram em 2021 e continuaram caindo em 2022, à medida que as pessoas retornavam a atividades presencias.

Agora, em o efeito da pandemia, voltamos ao indicador normal de produtividade?

Sim. Ela voltou a apresentar uma tendência de queda, num quadro que já dura 40 anos e o Brasil não consegue mudar.

Qual e importância da produtividade do trabalho para um país?

Ela é importante não só para o país, mas para as pessoas individualmente também. Mas vamos começar pelo país. A principal medida de padrão de vida de uma nação é a renda per capita de seus habitantes. Ela é o resultado da soma de tudo o que o se produz, dividido pelo total da população. A renda per capita pode crescer ao longo do tempo de três maneiras.

Quais são essas maneiras?

Uma delas é quando você coloca um maior número de pessoas para trabalhar. É como numa casa. Se todos trabalham, a renda geral aumenta. O Brasil conseguiu fazer isso entre 1980 e 2018, com o “bônus demográfico”. Ou seja, quando a população mais jovem, em idade para trabalhar, aumentava naturalmente e entrava no mercado de trabalho. Esse bônus, hoje, acabou.

Qual seria a segunda forma de a renda per capita aumentar?

Fazer com que mais pessoas trabalhem, mesmo que não o quadro demográfico não se altere. Isso aconteceria se mais mulheres, por exemplo, entrassem no mercado. Mas o Brasil já não tem muito espaço para crescer nesse campo. Também é possível aumentar o número de trabalhadores ao reduzir o desemprego, mas ele também já diminuiu bastante.

Então, para aumentar a renda per capita, só sobra a terceira solução. Qual é?

É justamente o aumento da produtividade do trabalho. É fazer com que cada trabalhador produza mais. Só assim a renda per capita vai realmente aumentar.

O senhor disse que a produtividade é importante não só para os países, mas para os indivíduos também. Por quê?

Está muito bem documentado que o salário está conectado à produtividade do indivíduo. Se a pessoa produz mais e há concorrência no mercado, ela tende a ganhar mais. Aliás, aumentar a produtividade é fundamental para elevar a remuneração. Caso contrário, há o risco de demissão.

Como assim?

Simplesmente aumentar o salário em termos reais, por meio de uma lei, por exemplo, sem aumentar a produtividade, faz com que os trabalhadores fiquem caros para as empresas. O maior salário tem de ter contrapartida na produtividade. Se isso não ocorrer, há o risco de demissão.

Isso quer dizer que, sem melhorar a produtividade, vai ficar difícil aumentar a renda per capita e o salário real dos trabalhadores?

Sim. E se o governo aumenta o salário por meio de uma lei, o resultado pode ser a demissão, ou mesmo, o aumento do trabalho informal.

O senhor disse que a produtividade do trabalho cresceu muito pouco nos últimos 40 anos. Por que o Brasil nunca conseguiu enfrentar esse entrave?

As pessoas não conhecem o problema. Os políticos também não. Mas ele vai bater no salário, no padrão de vida. Os trabalhadores sentem no bolso a queda da produtividade.

E quais são os grandes vilões dessa tendência de queda?

A infraestrutura ruim, o baixo nível de escolaridade, o fato de o Brasil ter uma economia muito fechada para o exterior, a estrutura tributária complexa, daí a importância da discussão dessa reforma. Por isso, toda a mudança que possa melhorar a eficiência da economia é importante. Mas, se o país não fizer nada, a produtividade vai continuar caindo. O nosso normal é de queda. Por outro lado, é preciso notar, muitas coisas foram feitas nos últimos anos que podem mudar um pouco esse quadro.

Quais coisas?

Houve, por exemplo, mudanças no crédito. Uma delas foi o fim das taxas altamente subsidiadas de empréstimos para empresas do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Essa transferência de recursos foi tão grande que agravou o problema fiscal no governo Dilma. E esse tipo de política produz muitas distorções. Em geral, as companhias que recebem os subsídios não são as mais produtivas. O dinheiro deveria ser dado para as outras.

Quais outras mudanças ocorreram?

Ainda no crédito, elas incluem alterações como o cadastro positivo, a entrada das fintechs (empresas de tecnologia voltadas para o setor financeiro) no mercado. Agora, vamos ter o “open finance” ou “open banking”, em que os bancos, com o consentimento das pessoas, vão saber o que elas têm em ativos nas outras instituições financeiras. Assim, vão poder oferecer melhores condições de empréstimos e aplicações mais rentáveis para atrair clientes dos concorrentes.

E houve mudanças em outras áreas?

Sim e elas incluem concessões de infraestrutura, a navegação de cabotagem, o marco do saneamento, a reforma trabalhista. Tudo o que melhora a eficiência da economia conta e ajuda na produtividade. E isso também vale para a credibilidade da política monetária, a autonomia do Banco Central. Em contrapartida, um ambiente de incerteza, como o que estamos vivendo, só piora a situação. Isso porque, na prática, ele afeta as decisões de investimento, contratação, inovação e aprimoramento do capital humano.

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