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Desafio do Fusca: “Passei três horas dentro do carro”. Eu, repórter

Há quem diga que a competição de resistência não exija muito dos participantes. Pois entramos no Fusca: é bem mais difícil do que se imagina

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Gabriel Foster / Metrópoles
Foto Eu Reporter Final
1 de 1 Foto Eu Reporter Final - Foto: Gabriel Foster / Metrópoles

Uma porrada de gente te observando. Locutores anunciando e convocando mais atenção. Os três participantes do Desafio do Fusca, Mercês, Raphael e Gustavo, voltavam da pausa de 15h30. Hora de retornar ao carro. Dessa vez, eu entraria com eles.

Banco de trás, lado direito, janela totalmente fechada. Calor imediato, bem superior ao de fora. Entro. Entra Mercês, com seus 47 quilos, também no banco de trás. Passa a fazer companhia aos meus 100 quilos e 1,83m de altura. Raphael e Gustavo ocupam os bancos da frente. Não há espaço para as pernas. Impossível esticá-las. O carro é apertado. Os braços não acham posição. Os pés ficam inquietos. Alguém berra do lado de fora: “Não pode sair!”. Confinamento. Gustavo e Raphael, em uma tentativa de me abalar, sobem os vidros. Conseguem. Passou o primeiro minuto das próximas três horas.

No decorrer destes dias do Desafio do Fusca da Metrópoles FM, que ainda ocupa a Rodoviária do Plano Piloto, foram muitos os comentários de que a prova era “fácil”, afinal os participantes usufruem de 30 minutos a cada três horas para alimentação, questões fisiológicas e higiene pessoal. O último a sair leva o Fusca. Mas há quem diga que a permanência não implica em grandes dificuldades, mesmo diante da desistência de outros dois participantes, escolhidos entre 3 mil pessoas. Resolvemos, então, entrar no carro e relatar um intervalo mínimo de estadia.

Apesar do calor herético e das limitações físicas, o inimigo imediato é psicológico. Sabe aquela história de medo de avião? Que, muitas vezes, a dificuldade não é pela altura, mas pelo tormento de não poder sair? De estar, literalmente, preso a um espaço limitado? Começa por aí, até porque estamos falando de um lugar de dimensões mínimas e sem qualquer conforto. Improvável não se ver abatido, em um primeiro momento, por claustrofobia. E foi o que aconteceu.

Os gritos dos populares, os promotores repetindo incessantemente que a próxima saída seria dali a três horas, o medo de não dar conta e virar motivo de risos, o receio de demonstrar uma fraqueza, o calor, a ausência de vento, o vidro fechado, a equipe do lado de fora provocando. Por um instante, a pressão caiu e quase pedi arrego. Disfarcei, puxei papo, levei os pensamentos para outro lugar e superei os primeiros instantes. De longe, os mais difíceis

O primeiro mito a cair envolve o banco de trás. Com apenas três participantes, apenas um ocupa o banco, dando a falsa impressão de que seria aquele o melhor lugar, afinal, tornou-se o mais espaçoso. Durante o dia, é o pior lugar justamente por conta do calor. Não corre ar algum, enquanto nas posições da frente há alguma ventilação. Ali atrás, uma das janelas não abre, a outra permite apenas uma fresta. O senso de confinamento é muito maior. Pergunto aos três sobre essas sensações, e eles concordam. Somente na madrugada, diante do frio e do desejo de experimentar uma posição mais horizontal, o banco de trás se revela, enfim, melhor.

A conversa dentro do carro também não corre bem. O barulho externo, os pedidos constantes de quem passa por ali, a música que nunca para e a poluição sonora dos ônibus não facilitam um diálogo. Talvez por isso, em uma tarde, eu soube mais da Mercês do que Gustavo e Raphael souberam em 10 dias. Eles praticamente não sabem nada a respeito um do outro. Acabam se informando muito mais pelas matérias postadas do que pelo social. Interagem muito mais com o lado de fora do que com o lado de dentro. Possivelmente, pelo fato de o lado de dentro ter ares infernais e de clausura.

Alcancei as três horas, na certeza de ter estado na presença de três figuras resistentes, que merecem respeito. Difícil mensurar se o Fusca vale todo o esforço. Para eles, sim. Ou nem ali estariam. Querem pagar as contas, superar dívidas, reconquistar uma memória da infância, orgulhar a família, provar que são capazes ou simplesmente vencer um desafio.

Eu venci, mas nada comparado ao que eles se sujeitam. Este texto sugere apenas um recorte, uma amostra do que eles vivem ali 24 horas por dia. E olha que, talvez, eu não tenha experimentado o pior dessa história. Eu não tive que usar um banheiro coletivo, nem tomar banho de sandália escutando dezenas de vozes do outro lado da porta, nem que conviver por muito tempo com o calor e estresse provocado pelas 700 mil pessoas que cruzam a rodoviária diariamente. Não deu tempo de pensar na distância da família ou de sentir falta da minha cama. Não precisei dormir ali. Foram apenas três horas. Sabe-se lá quantas horas eles ainda vão encarar. Sabe-se lá quantas eles ainda vão dar conta.

 

 

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