Saudade é arrumar o quarto do filho que já morreu, ensina uma velha canção de Chico Buarque. Para as filhas e irmãs de Veiguima Martins, saudade é um martírio de perguntas sem respostas que começam e terminam em uma única certeza: a brasiliense de 56 anos, funcionária administrativa da Secretaria de Educação, foi esfaqueada, assassinada e queimada pelo marido única e simplesmente porque era mulher. Mais nada. Seu sacrifício pertence ao rol dos cruéis crimes chamados pela legislação brasileira de feminicídio. Esses casos quase sempre encerram uma longa história, onde o primeiro capítulo triste ocorre muito antes do último grito da vítima.

Veiguima gritou socorro pela última vez na madrugada de 30 de janeiro de 2019. Estava em casa com o homem que, nove anos antes, lhe prometera um cotidiano confortável. Moravam no quarto andar do Bloco A da 310 Norte. O funcionário público José Bandeira da Silva, contador de profissão, era 26 anos mais velho, mas seu corpo ainda guardava traços e força de décadas de prática de luta marcial.
Veiguima brigou pela vida.
De acordo com o laudo pericial, ela tentou arrancar a faca das mãos do seu algoz.
Berrou por ajuda, socou o chão e a parede.
Em vão.

“Veiguima bateu na parede do quarto pedindo socorro. Uma vizinha escutou, segundo a polícia. Ela admitiu que ouviu, mas voltou a dormir. Todo dia fico imaginando minha irmã implorando ajuda. É triste, corta meu coração”

Rosilene Martins, 47 anos


Bandeira golpeou o corpo da esposa com cinco facadas no tórax e no peito,

como detalha a perícia técnica. Sua maldade, no entanto, não acabou no último suspiro da dedicada mãe de três filhos e avó de cinco netos. Calculista, ele tentou se livrar dos vestígios do assassinato.

Enrolou Veiguima em um amontoado de roupas e queimou a companheira junto com lençóis, vestidos e cobertores.

Queria que o fogo se propagasse rapidamente. A estratégia não deu certo.

Ele acabou castigado por seu próprio ardil. Engoliu fumaça, caiu, bateu a cabeça e desmaiou.

Quando os bombeiros chegaram, às 3h30 da madrugada, ele ainda respirava, mas não resistiu e morreu.

Tinha 82 anos. Ao seu lado, estava a arma do crime, uma peixeira, ensanguentada, com o cabo queimado pelo incêndio.

“Não há dúvida: ele matou Veiguima e planejou o incêndio para apagar as provas”, resume o delegado Laércio Rosseto, titular da 2ª Delegacia de Polícia, responsável pelo inquérito do caso. “Bandeira não se matou, foi vítima de sua própria trama assassina”, afirmou.

Os agentes desmascararam o plano de Bandeira em menos de 24 horas, graças a equipamentos de última geração. “A tecnologia foi nossa aliada para caracterizar o feminicídio”, explica o investigador. Com uma espécie de scanner, peritos identificaram os rastros das facadas no pouco que restou do corpo de Veiguima.

As labaredas devoraram móveis, joias, e consumiram o belíssimo rosto da avó de Matheus, 11 anos. O neto de Veiguima é negro e desde sempre sofreu com o racismo de Bandeira. “Ele chamava meu filho de preto, de neguinho, de nego”, conta Raquel. Filha mais próxima de Veiguima, hoje se desdobra para vencer o trauma. “Matheus está na psicóloga, disse que não vai conseguir viver sem a avó. Volta e meia, pergunta: ‘Por que ela? Por que a minha vovó?’”

Esses questionamentos atormentam o menino e martelam a cabeça de parentes e amigos de Veiguima, castigando-os em uma espécie de redomoinho de culpas e frustrações. “Ela saiu e voltou três vezes, devíamos ter tirado nossa mãe de lá à força”, diz Jéssica, 30, a caçula dos herdeiros da vítima. Nenhum era filho de Bandeira.

“Ele falava mal dos filhos de minha mãe, dos netos e dela mesma. Cheguei a morar no apartamento, mas ele me assustava e fui embora”, lembra Jéssica, de cabeça baixa, remoendo as lembranças de um tempo de medo e constrangimento. “Bandeira me observava à noite dormindo, ficava ao lado da cama me olhando”, recorda. “Tinha medo de ser atacada sexualmente”, revela.

2010

Xingada

Jéssica, filha mais nova de Veiguima, foi a primeira a identificar os sinais da covardia de Bandeira. Certo dia, ao acordar, percebeu que o padrasto estava olhando para ela. “Fiquei com muito medo. Passei a dormir na sala. Tinha medo de sofrer violência sexual”, lembra. A jovem contou o caso para a mãe. Veiguima amenizou a situação, disse que o marido tomava muitos remédios e era insone. “Acabei indo embora da casa. Não aguentei ver a maneira como ele a tratava. Bandeira a xingava de vagabunda, pobre, gorda”, relata.

2011

Empurrada

Jéssica ainda morava com o casal quando viu, pela primeira vez, uma agressão física do padrasto: “Bandeira empurrou minha mãe, eu me meti, ele começou a me desacatar, me chamou de vagabunda”, narra. Recém-saída da adolescência, a caçula não entendia por que Veiguima aturava a violência. “Ela tinha pena do Bandeira, achava ele velho, fraco e doente”, revela.


2013

Chutada

Veiguima, o marido e alguns parentes viajaram para um resort na Costa do Sauípe. Certa vez, a área da piscina estava cheia e Bandeira resolveu deixar seus pertences em uma espreguiçadeira para reservar o lugar. Quando retornou ao local, após o café da manhã, um casal com filho bebê havia ocupado o espaço. “Bandeira começou a gritar. Os pais da criança sugeriram que ele entrasse na fila novamente. ‘Não sou homem de entrar em fila’, respondeu grosseiramente. Em seguida, chutou longe a piscininha inflável do neném. Todo mundo ficou olhando. A Veiguima se sentiu muito envergonhada e passou o dia pedindo desculpas”, lembra a amiga Fátima, sempre com os olhos marejados de saudades.


2014

Calada

Em 2014, Veiguima viajou para Lisboa com o marido e alguns amigos. Em uma noite, no jantar, o assassino xingou a esposa de vagabunda e ordenou que ela ficasse calada. Um amigo dele reagiu, gritou de volta, não aceitou vê-la sendo humilhada. “Bandeira ficou quieto. Era machista e tinha medo de homem”, lembra Fátima. Mais tarde, a esposa desse conhecido perguntou para Veiguima se valia a pena aguentar tudo aquilo. Ela permaneceu em silêncio. “Essa foi a única amiga de Bandeira que compareceu ao enterro de minha mãe”, conta Raquel. “Ela me deu um abraço muito forte. Nunca esqueci.”


2015

Ameaçada

Recuperar a história de Bandeira é encontrar pistas de uma tragédia anunciada. Em 2015, presenteou a esposa com uma faca pirogravada com cristais incrustados. Veiguima falou do estranho presente para as irmãs. Não foi com essa arma que ele assassinou a companheira. Cruel, usou uma peixeira.


2016

Humilhada

Fátima remói detalhes das várias viagens que fez com o casal. Em uma delas, no Natal de 2017, o roteiro na pacata cidade mineira de Montalvânia se transformou em um calvário de humilhações. “Impossível esquecer as agressões de Bandeira. Xingava a esposa de tudo, de pobretona, de gorda. Mandava a Veiguima fazer um monte de coisas para ele. Um dia, ela desabafou comigo e começou a chorar. Disse que não aguentava mais”, lembra Fátima.


2017

Espancada

Primeiro, Veiguima sentiu na alma o peso da humilhação pública. Depois, no corpo. Em março de 2017, durante uma visita, sua filha Raquel ficou assustada ao ver o braço da mãe roxo e logo perguntou o que era aquilo. Veiguima desconversou: disse que foi um incidente na cozinha. “Falei: ‘Mãe, pelo amor de Deus, você precisa sair dessa relação, se separe do Bandeira, ele não pode te tratar assim.’”


Março de 2018

Esfaqueada

No dia 8 de março de 2018, Raquel abriu a porta do imóvel do casal e encontrou o padrasto limpando manchas de sangue no chão. Veiguima estava com um ferimento na mão e precisou tomar 12 pontos. “Corremos para o hospital. Quando saímos, eu a levei para registrar ocorrência”, relata a filha da vítima.

Já na Delegacia da Mulher, a agente de plantão quis mandar uma equipe para prender o agressor. Veiguima recuou. Justificou que o marido estava muito velho, doente, e que morreria na prisão. “Fiquei com raiva da minha mãe nesse dia”, lembra Raquel. Depois da primeira facada, resolveu sair de casa e foi morar com a filha. Durou pouco. “Logo, logo, voltou para o apartamento da 310 Norte. Bandeira a convenceu com a conversa de sempre: disse que precisava dela, que ia morrer sem ela, que ele não comia nem tomava os remédios sem ela”, destaca.


Julho de 2018

Queimada

A compaixão pelo marido acabou transformando Veiguima em refém do seu algoz. Toda vez que a companheira conseguia sair de casa, Bandeira implorava pelo retorno – e sempre a convencia. “Em julho, fui visitá-la e conversamos muito. Ela chorou bastante, tinha vergonha de se separar. Repetia: ‘Vão me julgar se eu abandonar um velho doente’”, revela Rosilei, 49 anos, a irmã mais parecida com a vítima. “Sinto uma revolta dentro de mim. Essa tragédia ocorreu porque a Veiguima permitiu. Avisamos que isso ia acontecer, mas ela não acreditava”, desabafa. Em seguida, disse que até água quente o assassino jogou na esposa.


Dezembro de 2018

Desesperada

A rotina de agressões e ameaças cresceu no fim do ano passado. “Em dezembro, num passeio de carro, Bandeira disse que iria levar minha irmã a um lugar muito especial. No momento, os dois passavam pela L2 Norte, perto da Caesb. Com receio de ser jogada em um esgoto, Veiguima aproveitou um sinal vermelho e saiu do veículo correndo”, lembra Rosilei. “Ela oscilava entre a coragem e o medo. No começo, dependia dele e gostava do estilo de vida que tinham. Mas Bandeira dava e cobrava. Cobrava tudo. Cada roupa. No final, a Veiguima queria muito se separar, porém não conseguia. Quem está de fora e ouve a cronologia assim percebe o ritmo da violência e sabe que isso não vai acabar bem”, pontua.


29 de janeiro de 2019

Exausta

A relação do casal piorava a cada dia. Exausta, humilhada, agredida e ameaçada, Veiguima raramente tinha algum sossego. Na véspera do assassinato, ela chegou a comentar com a filha Raquel, farmacêutica formada, que iria pedir ao médico de Bandeira aumento da dosagem dos tranquilizantes do companheiro. “Ele nunca dormia, tinha medo de a minha mãe ir embora”, conta Raquel. A filha da vítima recebeu no WhatsApp mensagem da mãe sobre os remédios, às 18h44. Pouco antes, às 17h, Veiguima fez contato com Rosilene, queria saber se estava tudo bem. “Não vi de imediato. Respondi duas horas depois. Ela leu, mas não comentou nada”, relata a irmã mais nova, aos prantos. “Naquela noite, o aplicativo mostrava que o último acesso foi às 22h23. Viu, mas não escreveu. Nunca mais.”


30 de janeiro de 2019

Esfaqueada, assassinada e queimada

“Bandeira não planejava morrer. Muito pelo contrário. Ele fez de tudo para parecer um acidente. Mas foi vítima da própria trama”, resume o delegado Laércio Rosseto, responsável pelo inquérito e primeiro a perceber que se tratava de feminicídio, e não de um incêndio, como as aparências indicavam inicialmente.

A família de Veiguima não teve dúvida. Desde o primeiro momento, as filhas e irmãs dela sabiam: o algoz daquela mulher tão querida era o homem que há nove anos infernizava sua vida. O telefone de Raquel tocou às 6h30. Era o irmão. “Corre para cá, o Bandeira acabou de matar a mãe”, avisou Cleberson.

Left
Right

Bandeira e Veiguima se conheceram em 2009, no Terraço Shopping. Em menos de dois meses, já estavam morando juntos. O assassino tinha duas filhas do primeiro casamento, com quem mantinha pouco contato. “Eles não se davam bem. Minha irmã se esforçou muito para aproximá-los, mas não deu certo”, lembra Rosilei. “Bandeira era grosseiro, xingava a esposa de vagabunda, de gorda, de pobre. Ele sempre se gabava por ter mais dinheiro do que ela”, conta.

O clima de lua de mel durou pouco. Em menos de um ano, o assassino se revelou um marido autoritário e possessivo. Em 2010, as filhas testemunharam a mãe ser empurrada no sofá. Meses depois, as agressões físicas pioraram. Volta e meia, Veiguima aparecia com o braço roxo – e sempre desconversava sobre os motivos. Quando as filhas e irmãs a pressionavam, sugerindo inclusive o divórcio, ela chorava. Dizia ter pena do marido, justificava que ele estava velho e iria morrer se ficasse sozinho.

“Bandeira era muito machista, não deixava minha mãe sair sozinha”, lembra a caçula. “A comida era servida no prato. Ela dava até o remédio na mão dele”, completa Raquel, outra filha da vítima. “Bandeira a tratava como mucama e tinha muito ciúme de nossa família”, conta.

Família era assunto sagrado para Veiguima. Uma vez por mês, almoçava com as duas filhas e o filho, Cleberson. Desejava que os três fossem sempre amigos. Costumava ensinar: mãe não é eterna e, por isso, defendia que a união dos rebentos era fundamental. “Um dia, Bandeira soube que a gente ia sair, levantou de madrugada e rasgou todos os pneus do carro dela. Não adiantou. Fui buscá-la em casa e almoçamos juntos”, conta Raquel. “Eu não tinha medo dele.”

Bandeira temia a separação. Quando Veiguima tentava o divórcio, ele reagia de maneira violenta. Várias vezes ameaçou assassiná-la e, em seguida, se matar. Em 2018, como num prenúncio da tragédia final, chegou a esfaquear a esposa. Por triste coincidência, a agressão ocorreu em 8 de março, Dia Internacional da Mulher.

“Entrei no apartamento e vi o chão da sala cheio de sangue. Ele estava muito nervoso, tentando limpar”, lembra Raquel. “Foi uma cena horrível. Olhei para minha mãe e ela tinha um buraco na mão. Amarrei um pano e corremos para o hospital”, recorda a farmacêutica. “Bandeira disse que estava se defendendo. Se defendendo? Ele não tinha nenhum corte. Minha mãe tomou 12 pontos”, indigna-se a filha da vítima.

Quando saíram da unidade de saúde, as duas foram para a Delegacia da Mulher (Deam) registrar ocorrência. Na Deam, relatou a perfidez do marido. No depoimento, disse: “Ele foi até a cozinha, pegou uma faca grande e veio para cima de mim”. De acordo com o registro policial, Veiguima tentou se desvencilhar, segurou a arma com a mão esquerda e travou uma luta corporal com o companheiro.

Imediatamente, a delegada colocou à disposição uma equipe para ir até o apartamento prender o agressor. Veiguima recuou. Alegou que Bandeira estava muito velho, doente, e provavelmente morreria na prisão. “Fiquei com raiva da minha mãe”, confessa Raquel.

“O pior de tudo? Ela voltou para casa. Minha irmã chegou a ficar fora alguns dias, mas Bandeira ligava, dizia que ia morrer e ela acabou cedendo. Veiguima cedeu, cedeu, até morrer”

Rosilei Martins, 46 anos, irmã da vítima

A morte chegou nove meses depois da primeira facada. O relacionamento estava em frangalhos. Bandeira passava o dia assistindo a filmes violentos e azucrinando a vida de Veiguima. Ela chegou a confidenciar para a filha que queria o divórcio. Os momentos de sossego eram raros.

“Bandeira nunca dormia. Tinha medo de ela ir embora”, relata Raquel, que, às 18h44 de 29 de janeiro, recebeu a última mensagem da mãe. Veiguima comentou que iria pedir ao médico aumento de dosagem dos tranquilizantes do marido. Às 22h23, ela acessou o WhatsApp pela última vez. “Nossa vida virou um enorme silêncio.”

Júlia Bandeira/Metrópoles
Em diversas ocasiões, a família de Veiguima tentou convencê-la a se divorciar. “Ela saiu e voltou de casa três vezes. Devíamos ter tirado minha mãe de lá à força”, lamenta Jéssica, filha caçula

Ela antes dele

A história de Veiguima se assemelha à de milhares de brasileiras que sonham com um final feliz e terminam destruídas pela tirania assassina de seus companheiros. Veiguima nasceu em uma família típica da zona rural goiana. Cresceu na roça, em Planaltina (DF), com nove irmãos e seus pais, recém-chegados de Minas Gerais.

Veiguima estudou até o ensino médio. Sonhava em fazer faculdade, mas nunca conseguiu. Abriu mão, da primeira vez, porque tinha filhos pequenos. Depois, o marido, o mesmo homem que a assassinou, não permitiu.

Ela queria fazer pedagogia. Sabia lidar com crianças. Foi mãe menina, aos 17 anos. Casou grávida do pai de seu primogênito, Cleberson, e de sua filha Raquel. A relação durou pouco. O ex-marido, Adelson, era ciumento e nove anos mais velho do que Veiguima.

Valente, seguiu criando os filhos sozinha. Trocou Planaltina por Sobradinho. Aos 25 anos, casou-se novamente e teve a caçula, Jéssica. Mais tarde, a família foi morar em Taguatinga. O relacionamento se manteve por 15 anos e acabou devido a desgastes naturais. “O pai da Jéssica nos criou como se fôssemos dele. Era um pai de verdade”, lembra Raquel.

Veiguima tinha uma vida simples antes de conhecer Bandeira. Era concursada da Secretaria de Educação, gostava do que fazia. Só se aposentou por insistência do marido. “Ele não deixava minha mãe trabalhar”, conta Jéssica.

Aos 41 anos, conheceu seu algoz. No começo, o companheiro lhe prometia uma vida confortável. Foi morar na Asa Norte. Passou a viajar mais e a conseguir poupar o salário. “Mas minha mãe não ficava com ele pelo dinheiro. Até porque Bandeira cobrava cada vestido e blusa que dava de presente. Ela continuava no relacionamento por pena. Achava ele velho e doente”, afirma Raquel.

Provas irrefutáveis

Laércio Rosseto, delegado titular da 2ª DP, apesar de ter feito cursos no exterior sobre terrorismo e crimes cibernéticos e dominar áreas complexas da criminologia, ainda se emociona e se desdobra com as mais primitivas das tragédias humanas, como o feminicídio.

“O caso da Veiguima não é um crime passional. Não há paixão nem amor ali. É um caso clássico de feminicídio, onde a vítima morre única e exclusivamente pelo fato de ser do sexo feminino”, explica o delegado. “Esse mal se inicia muito antes do crime final. Começa com uma violência psicológica e vai piorando. Por trás desses homens, está a ideia de que a mulher é propriedade deles. Feminicidas pensam: ‘Se ela não vai ser minha, não será de mais ninguém’”.

Avesso ao serviço burocrático, Rosseto chegou a ir ao local do crime, na manhã de 30 de janeiro. “O cenário era devastador. O corpo estava totalmente queimado, uma tristeza. Evidentemente, ele queria simular um incêndio, não foi suicídio de jeito nenhum”, lembra.

As certezas do policial não são emocionais. Ele amparou todo o inquérito em documentos técnicos produzidos a partir de sofisticados equipamentos e em depoimentos de familiares e vizinhos. O laudo pericial é uma espécie de prova da tirania do assassino e da luta da vítima. “Há registros de cortes nos braços de Bandeira, isso mostra que Veiguima tentou se desvencilhar das facadas”.

A arma do crime, uma peixeira, foi encontrada ao lado do assassino. Ele ainda respirava quando um vizinho arrombou a porta e viu a cena da tragédia. Bandeira estava no chão, desacordado. “Os bombeiros tentaram reanimá-lo. Ele inalou a fumaça, caiu, bateu a cabeça e morreu em decorrência dessa lesão, compatível com queda da própria altura”, detalha o delegado. “Sem dúvida, Bandeira quis se livrar da suspeita de assassinato. Investigação não é um fato isolado, é um contexto”, resume.

Ana Beatriz Magno

É jornalista e mãe de três filhos. Venceu dois prêmios Esso, quatro Embratel, dois Herzog, dois Unicef e foi finalista do prêmio Gabriel García Marquez. Apaixonada pela cobertura de temas relacionados aos direitos humanos e à educação, terminou em 2014 o doutorado. Sua tese recebeu o Prêmio de Melhor Tese pela Sociedade Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo. Também foi secretária-executiva de comunicação da Universidade de Brasília. Hoje, é coordenadora de comunicação do Sindicato de Professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Elas por elas

Neste 2019, o Metrópoles inicia um
projeto editorial
para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal serão contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.

Até sexta-feira (12/4), 4.367 mulheres do DF já procuraram delegacias de polícia para relatarem abusos, ameaças e agressões que vêm sofrendo por parte de maridos, companheiros, namorados ou pessoas com quem um dia se relacionaram. Já foram registrados sete feminicídios e, segundo a polícia, apenas uma pequena parte das mulheres que vive situações de violência rompe o silêncio para se proteger.

O
Elas por Elas
propõe manter em pauta, durante todo o ano,
o tema da violência contra a mulher
para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país.

Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF. Mas nossa maior energia será despendida para humanizar as estatísticas frias, que dão uma dimensão da gravidade do problema, porém não alcançam o poder da empatia, o único capaz de interromper a indiferença diante dos pedidos de socorro de tantas brasileiras.

Diretora-Executiva
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