A História da Arte pela coleção do Masp

Mostra “Entre Nós”, que está em Brasília desde o dia 18 de julho, reafirma a importância do acervo permanente do museu paulista, considerado o mais valioso da América Latina e do Hemisfério Sul

Paulo Lannes
23/07 5:30

Os últimos anos foram bem gratificantes para os brasilienses interessados em artes plásticas. Exposições como “Mestres do Renascimento” (2013), “Kandinsky – Tudo Começa num Ponto” (2014), “Rembrandt e a Figura Bíblica” (2015) e “Frida Kahlo – Conexões entre Mulheres Surrealistas” (2016) levaram milhares de pessoas às portas dos centros culturais da cidade.

Em comum, esses eventos trouxeram, a Brasília e a outras capitais, obras expostas em museus da Europa e das Américas com o objetivo de promover novos olhares sobre a história da arte. A exposição “Entre Nós – A Figura Humana no Acervo do MASP”, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de Brasília até 18 de setembro, tem proposta similar, porém, chega com um desafio ainda maior.

Além de levar o público ao espaço cultural para admirar obras de grandes mestres da arte mundial – como Goya, Degas e Picasso –, “Entre Nós” prova que a coleção de um museu brasileiro é tão boa quanto as de grandes instituições internacionais.

Protagonismo na cena cultural

A proposta é ousada, mas nada fantasiosa. Dono de mais de 8 mil obras, o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP) possui hoje o acervo mais importante da América Latina e do Hemisfério Sul. Sua coleção abrange peças produzidas nos cinco continentes e os principais estilos artísticos do mundo.

“O acervo dá chance aos brasileiros de perceberem que a nossa coleção tem qualidade próxima a de outros países”, afirma o curador de arte brasileira do MASP, Rodrigo Moura, responsável pela “Entre Nós”.

Parte significativa desse acervo – cerca de 110 peças emblemáticas da instituição – saiu da sede do MASP, localizada na Avenida Paulista, um dos principais endereços de São Paulo (SP), para ocupar as galerias das unidades do CCBB no Rio de Janeiro (RJ), em Belo Horizonte (MG) e, agora, em Brasília.

O MASP participa do seleto “Clube dos 19”, em que estão reunidos os 19 museus com as mais importantes obras produzidas no século 19. Por isso, os curadores decidiram realçar a importância dos quadros desses artistas, com espaço dedicado a Van Gogh, Gauguin e Cézanne.

Conheça os principais artistas da exposição

Origens da coleção brasileira

Inaugurado em 1947 por Assis Chateaubriand, magnata da comunicação brasileira, o MASP adquiriu as principais peças de sua coleção entre 1947 e 1958. O período pós-Segunda Guerra Mundial é considerado um dos mais rentáveis ao mercado de arte, com produções de grande valor negociadas em leilões e galerias nas principais capitais do mundo. “Entre Nós” tem, ao menos, 10 obras compradas durante essa época.

“Trata-se de um museu que colecionou arte de modo pluridimensional. As obras de mestres internacionais eram adquiridas em galerias de Londres e Nova York. Ao mesmo tempo, incentivava a produção brasileira”, explica Rodrigo Moura.

O processo de envio das obras obtidas na Europa era demorado, por isso a equipe do MASP decidiu realizar exposições itinerantes durante o final dos anos 1950 em Bruxelas (Bélgica), Berna (Suíça), Milão (Itália) e Düsseldorf (Alemanha). Assim, Chateaubriand consolidava o Brasil como um dos principais protagonistas na exibição da arte mundial e provava ao público local que suas peças eram originais.

Chegando ao Brasil, em 1958, as obras foram expostas no Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro antes de seguirem para São Paulo. “Entre Nós” recupera o projeto de viajar pelo país com essas peças. Na capital carioca e em Belo Horizonte, a mostra reuniu cerca de 500 mil visitantes.

Desta vez, além do acervo constituído nos anos 1950, estão expostos diversos quadros e objetos que integram a coleção de arte contemporânea do MASP. Fotografias, instalações, desenhos realizados por artistas brasileiros e internacionais ainda vivos são apresentados ao lado de mestres do passado.

“Assim mostramos o MASP não apenas como um lugar em que se guardam obras de outros tempos, mas sim como um espaço vivo, antenado ao que se produz no presente”, diz Rodrigo Moura.
“Entre Nós” faz um verdadeiro panorama das artes visuais, com obras pré-colombianas, iorubás, renascentistas, barrocas, academicistas, modernistas e contemporâneas.

2.600 a.C. – 1.492 d.C.

Arte
Pré-colombiana

Como o nome já diz, trata-se da obra de arte produzida nas Américas antes da chegada do colonizador Cristóvão Colombo. Enquanto a América Central era marcada pela produção olmeca e maia no México, na América do Sul eram os peruanos que se destacavam. Nos Andes, entre os séculos 11 e 16, os povos da cultura chancay tinham como tradição construir estatuetas de figuras femininas e masculinas (conhecidas como cuchimilco) representando seres divinos ou sacerdotes que guardavam os sepulcros e acompanhavam os mortos em sua viagem ao mundo do além.


“Estatueta feminina” (séc. 11-15),
 artista desconhecido

séc. 5 – séc. 15

Arte Medieval

Por ser um período que durou cerca de mil anos, houve uma série de produções artísticas que se alteraram ao longo dos séculos, mas apresentavam em comum a construção da figura humana e da religião cristã. A arte gótica, por exemplo, prenunciava as características comuns no Renascimento. Ainda estão presentes os ícones bizantinos, mas há forte preocupação com o realismo ao representar a figura humana – o que é possível verificar nas telas dos italianos Maestro Di San Martino Alla Parma (séc. 14) e Niccolò di Liberatore (1430-1502), conhecido no meio artístico como L’Alunno. Obviamente, as passagens bíblicas eram temas quase exclusivos das pinturas produzidas à época.


“Virgem com menino Jesus” (1310 – 1320), de Maestro de San Martino alla Palma

séc. 14 – dias atuais

Arte Iorubá

Acredita-se que os povos iorubás, encontrados até hoje em países africanos como Nigéria e Benim, deram origem às principais culturas do continente. Seus trabalhos artísticos se dão majoritariamente pela oralidade, como os famosos poemas sagrados de Ifá – essenciais para a manutenção da cultura africana durante a escravidão nas Américas.
Porém, nem só da tradição oral vive a cultura iorubá. É comum nascerem gêmeos nesses povos, mas não se sabe exatamente o porquê (suspeita-se tanto de fatores genéticos quanto da dieta dos habitantes da região). Por lá, acredita-se que esses irmãos partilham da mesma alma: caso um deles morra, o sobrevivente recebe uma estatueta memorial chamada Ibeji. O objeto servirá para manter o vínculo espiritual entre eles. Quando os dois gêmeos morrem – em partos malsucedidos ou por outros motivos – são feitas duas estatuetas, que recebem os cuidados da mãe (como banho, alimento e adereços).


“Duas Cabeças”, (1858), de Honoré Daumier

séc. 14 – séc. 16

Renascimento
e Maneirismo

O Renascimento – principalmente o italiano – é considerado por muitos especialistas como o auge da arte ocidental. Aqui, a religião perde espaço para a ciência, sendo os princípios da matemática e da geometria vitais para a elaboração das pinturas renascentistas. Essas características podem ser encontradas facilmente nas telas de Pietro Perugino, Ticiano e Lucas Cranach. Embora o Maneirismo ainda não seja visto como um movimento artístico separado do Renascimento, suas produções possuem características distintas. Nele há uma intensa revisão dos valores clássicos prestigiados pelos renascentistas, chamando atenção para interpretações individuais, estilização exagerada, além de formas complexas e artificiais – um protesto contra o racionalismo estéril e conservador. Tintoretto e El Greco são alguns nomes famosos desse período.


“São Sebastião na Coluna” (1500-1510), de Pietro Perugino e ateliê

séc. 16 – séc. 18

Barroco
e Rococó

Iniciado na Itália, o Barroco avançou sobre toda a Europa e influenciou fortemente as Américas, até então colônias. Em geral, esse movimento artístico rompeu o equilíbrio que os renascentistas tanto buscavam. Assim, a ciência perde espaço e a emoção passa a predominar sobre o racionalismo. As cenas retratadas tornam-se mais dramáticas, dinâmicas e cheias de luzes e sombras. No Brasil, destacam-se as imagens sacras realizadas neste período. O Rococó, tão bem representado por Fragonard, surge como um desdobramento do Barroco. Nele, as pinturas se tornam mais leves e intimistas, abordando a frugalidade da vida aristocrática do período.


“A Educação Faz Tudo” (1775-80), de Jean-Honoré Fragonard

séc. 18 – séc. 19

Neoclassicismo,
Realismo e
Romantismo

As academias de arte europeias passam a revisitar as técnicas clássicas — escultura grega e pintura renascentista italiana. Ingres, Corot e Courbet são bons representantes deste momento, conhecido como neoclássico. Realistas e românticos, por sua vez, buscam dar conta dos conflitos trazidos pelas revoluções burguesas. O primeiro estilo possui conotação social e apresenta um tom de denúncia em suas obras, além de ir na contramão da busca pelo ideal estético. O Romantismo procura se expressar artisticamente pelo sentimento, com pinceladas que dão carga dramática às imagens representadas na tela. Do mesmo modo que na Europa, nesse período floresce a pintura acadêmica no Brasil, com temas históricos, regionalistas, paisagens, retratos e ambientes privados. Nomes relevantes do período são Belmiro de Almeida, Antonio Parreiras e Almeida Júnior.


“Duas Cabeças”, (1858), de Honoré Daumier

séc. 19 – séc. 20

Impressionismo e Pós-Impressionismo

A luz torna-se tema central durante o Impressionismo. Aqui, a influência da claridade nos objetos é investigada por artistas como Degas, Manet e Renoir. As formas deixam de ser nítidas e as sombras tornam-se luminosas e coloridas, causando uma impressão nova aos observadores. O Pós-Impressionismo não surge como um movimento artístico unitário, servindo mais como um conceito que reúne a produção artística europeia produzida entre o Impressionismo e o Cubismo. Van Gogh, Gauguin e Bonnard são expoentes da pesquisa sobre o uso das cores e das formas na obra de arte.


“A Amazona” (1870-1875), de Édouard Manet

primeira metade do séc. 20

Modernismo

O progresso industrial altera as relações humanas nas grandes cidades europeias, influenciando o início de uma série de movimentos de vanguarda modernista. O choque provocado no Velho Continente pelas duas guerras mundiais afasta artistas como Picasso e Modigliani da representação da realidade, que havia se tornado feia e incompreensível. Nas Américas, o modernismo surge como o nascimento de uma arte de cunho nacional. No Brasil, a expansão do movimento tem seu auge com a Semana de Arte Moderna de 1922, na capital paulista. Anita Malfatti, Portinari e Vicente do Rego Monteiro são alguns dos maiores representantes brasileiros desse período.


“Busto de Homem” (1909), de Pablo Picasso

segunda metade do séc. 20 – dias atuais

Arte
Contemporânea

Não há consenso sobre o que é Arte Contemporânea. O nascimento do conceito data do fim da Segunda Guerra Mundial (1945). Teóricos analisam que o movimento traz a marca da sobreposição do conceito sobre o objeto artístico, além dos múltiplos suportes utilizados. É comum encontrar obras de arte contemporânea que fujam à dupla pintura e escultura, indo também para fotografia, moda, dança, instalação, vídeo e performance. Claudia Andujar, Alair Gomes, Karel Appel e Nelson Leirner são alguns dos nomes marcantes deste período.


“Adoração” (1966), de Nelson Leirner

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