06/05 15:19, atualizado em 08/07 18:04

O barulho dos pássaros se mistura ao som das risadas de crianças que brincam em suas casas com piscina e jardim bem cuidado. É como se nada pudesse dar errado nesse recanto de harmonia. Os endereços dessa rua, na QL 6 do Lago Sul, abrigam histórias felizes. Em um deles, vive um casal com seus dois filhos, cachorros, um caseiro e a empregada.

As crianças estudam no Marista da Asa Sul, para onde se estende essa sensação de segurança e acolhimento. Foi durante uma visita ao colégio dos filhos que a mãe descobriu fazer parte de um enredo trágico. O seu lar perfeito já havia sido cenário de um dos crimes mais tristes da história de Brasília.

A biblioteca do Marista leva o nome da ex-aluna Maria Cláudia Del’Isola. O mesmo sobrenome constava da papelada da venda da casa que essa mãe, seu marido e os dois filhos escolheram para viver. Eles são de Aracaju e cresceram com a liberdade de quem vem do litoral.

Curiosa, a servidora pública foi tentar entender o porquê da homenagem. Pesquisou o nome de Maria Cláudia Del’Isola na internet e sua espinha gelou. Aquele sentimento que chocou toda uma cidade agora pertencia somente àquela mulher, no silêncio de sua descoberta. Uma doce menina havia padecido todos os tipos de violência antes de morrer e ser enterrada no chão de sua própria casa, agora o lar desses sergipanos.

Essa família não vivia em Brasília quando a cidade chorou a morte de Maria Cláudia, em 2004. As crianças que hoje criam suas memórias e dormem tranquilamente sob aquele teto jamais poderão imaginar o sofrimento dos antigos moradores. Eles não foram os primeiros a ocupar a casa após o crime, compraram-na de outras pessoas, que passaram a viver no local, após a morte de Maria Cláudia. Os Del’Isola nunca esconderam o passado do imóvel quando o venderam.

A mãe não contou aos seus meninos o que descobriu para protegê-los. Não quer que eles fiquem assombrados com tristes lembranças.

Até 9 de dezembro de 2004, era Cristina Del’Isola, a mãe de Maria Cláudia, que escrevia a história de sua família naquele lugar. Ao lado do marido, Marco Antônio, e de suas duas Marias, a Cláudia e a Fernanda, ela planejava ver as filhas construírem um futuro feliz.

Hoje, Cristina espera o dia do reencontro com Maria Cláudia. Religiosa, ela se apega à existência de um céu, onde o sofrimento e a saudade cessarão. O que está mais perto de acontecer, no entanto, é um outro reencontro, aquele que apavora os Del’Isola: com os algozes de sua menina.

Passados 11 anos, 4 meses e 27 dias desde que Adriana de Jesus Santos e Bernardino do Espírito Santo estupraram e mataram Maria Cláudia, eles reivindicam o direito à liberdade, que começa com a progressão de regime. Querem voltar ao convívio da sociedade. Os dois já cumpriram, segundo a lei brasileira, tempo suficiente para terem acesso ao benefício.

Ao longo dos últimos cinco meses, o Metrópoles acompanhou a movimentação dos pedidos feitos pelos assassinos, conversou com os principais envolvidos no caso exceto os dois criminosos, que permanecem em silêncio desde a condenação. A reportagem revela detalhes do processo de 1.862 páginas e conta como estão as pessoas que tiveram a vida transformada naquele 9 de dezembro.

A possibilidade de os assassinos de Maria Cláudia deixarem a cadeia apavora não apenas os familiares dessa moça, que, se viva fosse, teria completado 30 anos em dezembro. Tatinha, como era carinhosamente chamada, não foi a primeira vítima de Bernardino. Nove meses antes da morte dela, Geane Barbosa da Silva, então com 13 anos, também fora estuprada e espancada pelo caseiro, em uma brutal tentativa de homicídio. Quase 12 anos depois, Geane fala pela primeira vez sobre o crime e afirma que o destino de Maria Cláudia poderia ter sido diferente. Será que Adriana e Bernardino estão prontos para a liberdade? Será que nós brasilienses estamos preparados para recebê-los de volta?

Os pais de Maria Cláudia, Cristina e Marco Antonio Del´Isola, trocaram um apartamento na Asa Sul pelo imóvel espaçoso e confortável, na QL 6 do Lago Sul, dois anos antes do crime. Era o lugar ideal para viver com suas duas Marias ─ Cláudia e Fernanda, a filha mais velha. A rotina feliz da família foi interrompida pelo assassinato brutal da caçula.

Na quinta-feira, 9 de dezembro de 2004, Maria Cláudia abriu os olhos pela última vez. Perto das 8h, ela tomou banho, escolheu uma saia jeans e uma blusa vermelha, depois calçou um par de tênis para ir à faculdade de pedagogia, na Universidade de Brasília (UnB). Desceu as escadas com uma mochila nas costas e caminhou até a cozinha, onde a empregada doméstica Adriana de Jesus Santos preparava aquela que seria sua última refeição.

foto_1A universitária e a empregada mantinham uma boa relação, especialmente por conta do filho de Adriana, Filipe, 5 anos, que também morava na casa da família. Era Tatinha quem mais se preocupava com a educação da criança. Naquele dia, as duas conversaram brevemente. Maria Cláudia tomou uma xícara de café enquanto se preparava para sair.

No jardim da casa, Bernardino do Espírito Santo já havia reservado uma porção de terra para cobrir o corpo da estudante. Depois de duas semanas de planejamento, os assassinos escolheram um dia em que Maria Cláudia estivesse sozinha em casa para agir. A irmã dela, Maria Fernanda, permanecia internada por conta de um problema cardíaco; o pai estava com ela no hospital, e a mãe, no trabalho. Maria Cláudia entrava no carro para ir à UnB quando Bernardino a abordou, na garagem. Ele usou como desculpa a preparação de uma surpresa para a mãe da vítima e conseguiu atraí-la de volta ao interior da casa.

Em seguida, começou o flagelo de Maria Cláudia. O caseiro deu uma “gravata” na jovem e a arrastou até um quarto nos fundos da casa, perto da área de lazer. Ao ser rendida, ela viu Adriana e tentou pedir socorro: “Dri, não faz isso, ele vai te prejudicar”. A empregada, porém, a ignorou.

Penso muito na Maria Cláudia todos os dias. Oro por ela, acomodo meu coração. Não existe outra forma de lidar. É a minha fé que me nutre. Sempre me reporto a Maria de Nazaré, que também perdeu o seu filho com requintes de dor física Cristina Del’Isola

O caseiro deu um soco no rosto da vítima e a imobilizou com fitas adesivas e fios que havia separado dias antes. Enquanto Adriana segurava as pernas de Maria Cláudia, Bernardino a estuprou. As marcas arroxeadas dos dedos da empregada ficaram cravadas na parte interna das coxas de Maria Cláudia.

Em seguida, deram golpes de pá na cabeça da jovem e também facadas. Terminaram a sessão de tortura asfixiando Maria Cláudia com um fio. Cobriram a cabeça dela com um saco plástico, pois o sangue sujava o chão. Deixaram o corpo no pequeno quarto debaixo da escada e cobriram-no com terra do jardim.

Logo depois, Bernardino arrombou um cofre no qual Maria Cláudia guardava R$ 1,7 mil e também pegou 1,8 mil dólares no quarto de Marco Antonio Del’Isola. O caseiro sabia que precisaria fugir.

Era hora do almoço quando Cristina Del’Isola chegou em casa. Uma amiga de Maria Cláudia ligou para saber por que a colega não havia aparecido na UnB. A mãe ligou seguidas vezes para a filha, sem resposta. Foram três dias de angústia, até o corpo ser encontrado.

Existem dores planejadas, como um filho enterrar uma mãe. Mas essa dor de quem se vê rasgada pela presença de psicopatas chega no limite do que você pode definir como uma dor humana Cristina Del’Isola

Depois do assassinato, a família se mudou para outra casa na mesma rua. Era difícil conviver com o cenário do crime, mas abandoná-lo também não seria fácil. Voltaram a morar onde tudo ocorreu, mas, em 2012, oito anos após o assassinato de Maria Cláudia, os Del’Isola venderam a casa na QL 6, em busca de um recomeço. Uma outra família passou a viver ali sua história feliz. Quando comprou o imóvel, a atual dona, uma servidora pública que não quis ter o nome divulgado, não sabia do histórico de violência do lugar. Descobriu sobre o passado ao acaso, enquanto buscava os filhos no Marista.

Uma biblioteca no colégio, onde Maria Cláudia também estudou e seus pais trabalhavam, ganhou o nome da estudante. “Reconheci o sobrenome que estava no contrato de compra da casa e procurei saber por que haviam feito a homenagem. Fiquei muito triste ao saber da tragédia”, relata. Ela não é de Brasília e não vivia na cidade quando o assassinato ocorreu. Em 2012, procurava um novo lar para ela, o marido e os dois filhos e encontrou o imóvel por um preço que considerou justo. “Fiz uma reforma no andar de baixo da casa. Eu não tenho problemas com o passado, mas meus filhos são pequenos e ficariam muito impressionados se soubessem, então, não contei a eles o que aconteceu aqui”, afirmou.

Vivemos o que precisávamos viver naquela casa, até vermos que tínhamos completado um ciclo. Deixamos luz para trás. Resisti a deixar a casa, porque era ali que eu olhava para as estrelas e pensava na Maria Cláudia como uma delas, iluminada, olhando por nós Cristina Del’Isola

A frieza dos assassinos impressiona. Durante os três dias em que Maria Cláudia foi procurada, os dois rezaram de mãos dadas com a família, que é muito católica. Eram consideradas pessoas acima de qualquer suspeita. Bernardino havia sido contratado como caseiro em 2000, por indicação da avó de Maria Cláudia, que morava em Salvador e o conhecia de lá.

Em 2002, trouxe da Bahia a namorada para trabalhar na casa dos Del’Isola. Adriana chegou a pedir demissão, no ano anterior ao crime, para voltar à terra natal, onde morava sua filha. Arrependeu-se três meses depois e pediu o emprego de volta, por meio de uma carta na qual dizia gostar muito de Cristina e “das meninas”. Cristina e Marco aceitaram-na de volta.

Na quinta-feira em que o desaparecimento foi registado, policiais passaram a visitar a casa dos Del’Isola em busca de informações. Chegaram a questionar os pais sobre o histórico dos empregados, apontados pelos patrões como confiáveis. Três dias após o assassinato, no domingo, um dos agentes percebeu que moscas rondavam o quarto nos fundos da casa e um cheiro pútrido se propagava pelo ar. Ao abrir a porta para verificar o local, encontrou o corpo da estudante coberto pela terra.

Ao saber da descoberta da polícia, Adriana ficou nervosa e começou a chorar. Acabou confessando seu envolvimento minutos depois. Deixou a casa da família diretamente para a delegacia, onde relatou o crime em detalhes. Depois dos primeiros dias na cadeia, mudou sua versão e disse não ter participado do assassinato, mas a confissão já havia sido registrada.

Bernardino saiu da casa na manhã daquele domingo, quando o caso ainda era tratado pela polícia como um desaparecimento. Disse a Adriana que iria ao supermercado comprar iogurte. Nunca mais voltou. Primeiro, foi visitar uma namorada, Maria Aparecida Cunha, em Ceilândia. Ela estava grávida dele. Deu-lhe R$ 200 do dinheiro roubado e seguiu para Taguatinga Centro, onde convenceu um taxista a levá-lo até Feira de Santana (BA) por R$ 1,7 mil.

Já em território baiano, Bernardino decidiu ir até Salvador, onde acabou preso na praia Boca do Rio, enquanto tomava cerveja. Ele se apresentou com um nome falso – Antonio de Jesus Santos –, mas os PMs baianos encontraram na carteira dele uma foto de Adriana e o reconheceram por conta de retratos divulgados pela polícia brasiliense.

Domingo – 12 de dezembro de 2004

Bernardino do Espírito Santo saiu de manhã da QL 6 do Lago Sul

Domingo – 12 de dezembro de 2004

Foi para Taguatinga Centro (perto da praça do relógio) – num ponto de táxi

Domingo – 12 de dezembro de 2004

Pegou um táxi até Ceilândia, onde encontrou Maria Aparecida,
que estava grávida dele. Deu a ela R$ 200.

Domingo – 12 de dezembro de 2004

Voltou para o mesmo ponto de táxi em Taguatinga Centro. Convenceu um taxista a
levá-lo para Feira de Santana, onde chegou em 13 de dezembro

Segunda-feira – 13 de dezembro de 2004

De Feira de Santana viajou de ônibus até Salvador

Domingo – 20 de dezembro de 2004

Em Salvador, foi preso na praia, bebendo cerveja


Julgamento

O julgamento de Adriana de Jesus Santos ocorreu em novembro de 2007, três anos depois do assassinato de Maria Cláudia. Diante do juiz João Egmont, a ex-empregada da família afirmou ter sido torturada para admitir o crime. Ao longo das 19 horas no Tribunal do Júri, no entanto, o Ministério Público conseguiu desconstruir a versão apresentada pela acusada. Ela foi condenada a 30 anos de prisão por homicídio triplamente qualificado, 12 anos e seis meses pelo crime de estupro, 12 anos e seis meses por atentado violento ao pudor (sexo anal) e três anos pelo crime de ocultação de cadáver. Desses 58 anos, cumprirá somente 38 anos e 3 meses, graças a uma alteração na Lei Federal nº 12.015, que unificou os crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Ela recorreu da decisão, mas, em novo júri realizado um mês depois, teve a condenação mantida.

Adriana não demonstrou remorso nenhum. No julgamento, apenas se alterou quando mencionou um dinheiro que teria sido retirado da conta dela sem autorização. A sensação é de espanto diante de uma pessoa como essa Marco Antonio Del’Isola

Bernardino, julgado em dezembro de 2007, também beneficiou-se da alteração legislativa que reduziu a pena de Adriana. Foi condenado a 30 anos de reclusão pelo homicídio, 12 anos e 6 meses pelo estupro, 12 anos e 6 meses por atentado violento ao pudor, 7 anos por furto qualificado e 3 anos pela ocultação de cadáver. São 65 anos de prisão no total, mas a pena acabou reduzida para 52 anos e 6 meses, em 2010.

No mesmo mês, Bernardino foi julgado pelo ataque sexual contra outra vítima: uma menina de 13 anos, também no Lago Sul. Recebeu do mesmo juiz, João Egmont, 58 anos e 8 meses de condenação. A pena foi reduzida em 15 anos após a mudança na lei.

Atualmente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) avalia um pedido do Ministério Público para que a pena original seja restaurada, sob a alegação de que essa lei não deve retroagir para beneficiar os criminosos. O recurso está nas mãos do ministro Antônio Saldanha.

Geane Barbosa da Silva e Maria Cláudia Del’Isola nunca se viram e tinham pouco em comum. Geane nasceu no Piauí, é negra, pobre, sofreu abusos sexuais desde os 9 anos e veio a Brasília em busca de uma vida melhor. Maria Cláudia era branca, de classe média alta, cursava duas faculdades e tinha uma vida familiar estruturada. A história das duas se uniu pela ação devastadora de Bernardino do Espírito Santo.

Geane estava na Feira Permanente de São Sebastião com amigas, em 12 de abril de 2004, oito meses antes da morte de Maria Cláudia, quando foi abordada por Bernardino. Ele chamou-a para trabalhar em uma festa de aniversário, no Lago Sul, serviço pelo qual receberia R$ 400. Bom de conversa, ele ainda prometeu arrumar um emprego fixo como doméstica para a garota.

Apesar de não conhecer o rapaz, a adolescente aceitou a proposta. Precisava do dinheiro. Cheia de esperanças, entrou com ele em uma van. Os dois desceram perto do Lago Sul e caminharam rumo ao Gilberto Salomão. Uma chuva fina fez os dois procurarem abrigo embaixo de uma mangueira. Geane seguia na frente, quando foi surpreendida por um soco no rosto, a mesma forma como agiria com Maria Cláudia meses depois. O caseiro a obrigou a caminhar até a beira do lago e, ali, cometeu várias “perversões sexuais”. A garota que completara 13 anos havia pouco tempo media 1,50 m e pesava 49kg. Não teve qualquer chance de defesa.

Bernardino tapou a boca de Geane com a saia que ela vestia. Amarrou também os braços dela com sua calcinha. Espancou-a com um pedaço de pau e feriu-a com cacos de vidro. A menina se fingiu de morta para tentar escapar. “Quando ele viu que eu não estava morta, falou: ‘Espera aí que eu vou pegar um pau pra acabar de te matar’. Eu corri sem rumo e acabei no lago, mesmo sem saber nadar. Coloquei aquelas algas na cabeça pra ele não me ver.”

Depois de esperar cerca de 20 minutos, até não ouvir mais movimentos de Bernardino, correu nua e muito ferida até a pista. Um policial militar que passava pelo local a socorreu e a levou para a Delegacia da Mulher, onde Geane fez o retrato falado de Bernardino. “Naquela hora, eu só conseguia agradecer a Deus por estar viva”, disse. Ao registrar a ocorrência sobre estupro, informou também que havia sido abusada sexualmente pelo padrasto, na infância, e por um vizinho, já em Brasília.

Semanas após o ataque, Geane foi viver em um abrigo no Lago Sul, pois o padrasto que a estuprava ainda morava com a mãe dela. No bairro nobre, encontrou Bernardino próximo à escola onde o filho de Adriana de Jesus estudava. A unidade ficava perto do colégio que ela frequentava, por isso, costumava vê-lo no caminho, de dentro da van escolar contratada pelo abrigo.

Ele buscava o menino de bicicleta todos os dias. Quando me via, mandava beijinhos. E eu tinha vontade de abrir um buraco no chão e enfiar minha cabeça, morria de medo. A minha parte eu fiz, liguei para a polícia e avisei várias vezes. A polícia nunca me chamou para dar detalhes de onde ele estava, nunca deram importância para mim. Os policiais diziam que eu tava ficando louca, que eu era uma vítima. O que eu podia fazer? GEANE BARBOSA DA SILVA

Oito meses depois de estuprar Geane, Bernardino repetiu a agressão com Maria Cláudia. A polícia somente o identificou como sendo o agressor da menina após coletar DNA do corpo de Maria Cláudia e compará-lo com o que havia sido encontrado na primeira vítima. A suspeita de que fosse o mesmo criminoso surgiu graças ao retrato falado e à proximidade da área de ocorrência.

Cristina Del’Isola

Tenho medo de enlouquecer quando penso em tudo que ela passou. Vivo pela certeza de que Deus não a desamparou

A mãe de Maria Cláudia busca forças na religião para conseguir viver depois da tragédia. Montou em casa uma capela com centenas de imagens de Nossa Senhora e promove mensalmente um momento de oração em memória da filha. Visitantes frequentam o local e alguns acreditam em um poder de cura atribuído a Maria Cláudia. Famílias de vítimas de violência buscam conforto ali. “Eu não vivo em função disso. Amigos e familiares se tornaram sensíveis à nossa dor e nos mostram que não estamos sozinhos”, afirma. Cristina fundou o Movimento Maria Cláudia Pela Paz, que promove caridade em instituições sem fins lucrativos de Brasília. Também encontrou nos exercícios físicos uma forma de manter-se saudável mental e fisicamente. “Tenho medo de enlouquecer quando penso em tudo que ela passou. Vivo pela certeza de que Deus não a desamparou”, diz.

Marco Antonio Del’Isola

Não tem um único dia em que não pense nela. O que nos conforta é acreditar que nossa filha foi acolhida junto ao Pai

O pai de Maria Cláudia é um homem discreto, mas que sempre esteve ao lado da mulher, Cristina, na luta por Justiça. Hoje tem 60 anos e dois netos, que são a alegria da casa. Não é mais diretor do colégio Marista, como na época do crime, mas ainda trabalha na área da educação. “Não há um único dia em que não pense nela. O que nos conforta é acreditar que nossa filha foi acolhida junto ao Pai.”

Desembargador João Egmont Leôncio Lopes

Um juiz vê muita maldade, mas aquele caso ultrapassou tudo que eu já tinha presenciado. Perguntei por que Bernardino havia feito aquilo. Ele respondeu que não era a intenção dele, quando viu já tinha começado e foi até o fim

Cearense de Fortaleza, o magistrado de 57 anos começou a carreira no Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) em 1990, como juiz substituto. Dezessete anos depois, já como titular do Tribunal do Júri de Brasília, atuou no caso que considera o mais marcante de sua vida: o julgamento de Bernardino e Adriana pelo estupro, assassinato e ocultação do cadáver de Maria Cláudia. Foi dele também a condenação de Bernardino no estupro e tentativa de homicídio contra Geane Barbosa da Silva.

Em 2010, Egmont foi promovido a desembargador. Atualmente, atua na 5ª Turma Cível e na 3ª Câmara Cível do TJDFT. Leciona disciplinas do direito em instituições particulares da cidade. Doze anos e dezenas de julgamentos depois, a lembrança do assassinato de Maria Cláudia ainda está clara na memória. “Um juiz vê muita maldade, mas aquele caso ultrapassou tudo que eu já tinha presenciado. Perguntei por que Bernardino havia feito aquilo. Ele respondeu que não era a intenção dele. Disse que, quando viu, já tinha começado e foi até o fim”, afirma.

Promotor Maurício Miranda

O ódio dos dois contra a Maria Cláudia era notável. Quando se observa a história da família com os acusados, percebe-se o quanto foi desproporcional e injusto o que cometeram. Foram cruéis com alguém que sempre ajudou

Responsável pela acusação dos assassinos de Maria Cláudia, Maurício Silva Miranda é um promotor com trabalho elogiado no Ministério Público. Por muitos anos, se dedicou ao Tribunal do Júri. Conhecido pela atenção que dá a todos os processos em que atua, Miranda define o caso como uma crueldade. “O ódio dos dois contra a Maria Cláudia era notável. Quando se observa a história da família com os acusados, percebe-se o quanto foi desproporcional e injusto o que cometeram. Foram cruéis com alguém que sempre ajudou”.

Maurício Miranda começou a carreira de promotor em 7 de maio de 1987, no Ministério Público de Goiás. Quatro anos depois, tomou posse no MPDFT. Depois de sustentar a acusação em muitos júris, Miranda deixou a área em janeiro de 2015. Aos 51 anos, se dedica à Promotoria de Defesa da Vida (Pró-vida). Voltará ao antigo cargo apenas para o julgamento de Adriana Villela, acusada de participar do assassinato dos pais, Maria Carvalho Mendes Villela e o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral José Guilherme Villela, e da empregada da família, Francisca Nascimento da Silva, em 2009.

Policial civil Ricardo Cardoso

Mexendo na terra, dentro do quartinho, senti algo sólido e vi que era pele humana. Chamei o Marco (pai da Maria Cláudia) e falei. Ele perguntou se eu tinha certeza que era ela. Respondi que não, mas que tinha certeza de que havia um corpo ali

Agente da Polícia Civil desde 1991, Ricardo era amigo da família de Maria Cláudia antes do desaparecimento da jovem. Pela proximidade, em 9 de dezembro de 2004, recebeu uma ligação de Cristina. “Ela dizia: ‘Ricardo, acha a minha filha para mim’”, lembra. Lotado à época na Divisão de Operações Especiais, o policial não saiu de perto dos familiares até o corpo de Maria Cláudia ser encontrado.

Foi ele, inclusive, que localizou o cadáver da jovem dentro da casa. “Mexendo na terra, dentro do quartinho, senti algo sólido e vi que era pele humana. Chamei o Marco (pai da Maria Cláudia) e falei. Ele perguntou se eu tinha certeza de que era ela. Respondi que não, mas que tinha certeza de que havia um corpo ali”, lembra. Neste momento, a família foi retirada da casa.

Ricardo também participou da prisão do caseiro na Bahia. Veio ao lado dele dentro do avião. “Durante todo o caminho, Bernardino ficou de cabeça baixa. Falou que tinha feito aquilo porque era um fraco”, conta.

Hoje, aos 49 anos, o policial dirige a Divisão de Controle e Custódia de Presos (DCCP) da PCDF e cursa direito na mesma universidade em que a mãe de Maria Cláudia trabalha como coordenadora. “Todas as vezes que olho para ela, lembro do caso, o pior que já trabalhei na minha vida”, resume.

Delegado Antônio Romeiro

Verdadeiramente, foi um caso extraordinário no mundo inteiro. A família abriu as portas de casa para os dois. Só pessoas com problemas graves e psicológicos fariam isso

Partiu da delegacia que Antônio Romeiro chefiava, a 10ª DP, no Lago Sul, o indiciamento de Bernardino e Adriana pelos crimes cometidos contra Maria Cláudia. O delegado colheu o depoimento do casal de assassinos mais de uma vez. Ouviu também a família, os amigos da vítima e até jornalistas.

No relatório final do caso, indiciou os dois sem ter qualquer dúvida sobre a participação deles no crime brutal. “Verdadeiramente, foi um caso extraordinário no mundo inteiro. A família abriu as portas de casa para os dois”, disse o delegado aposentado.

Romeiro começou a carreira de delegado em junho de 1986. Passou por mais de 10 delegacias, foi diretor de assuntos estratégicos e diretor-adjunto da corporação até se aposentar, em agosto de 2013. Atualmente, aos 55 anos, trabalha como advogado.

Bernardino do Espírito Santo

Nasceu em 24 de agosto de 1974 em Salvador, na favela Calabar. Vem de família pobre e tem três irmãos. Na infância, praticava pequenos furtos e usava drogas. Aos 20 anos, foi preso por roubo a um supermercado. Ele ameaçou funcionários com uma faca. Também furtou objetos dentro de um ônibus. À época do crime, andava sempre com um alvará de soltura em seu bolso, caso fosse abordado pela polícia. Bernardino tem quatro filhos, três vivem na Bahia e um em Brasília.

A ficha de presidiário de Bernardino não tem elogios nem críticas ao seu comportamento. Ele chegou a trabalhar na cozinha da cadeia, mas perdeu o privilégio ao ser levado para o seguro, na ala de segurança máxima do Complexo Penitenciário da Papuda. Por muito tempo, ficou em uma cela no Bloco F do PDF-1, com cerca de 20 metros, sem contato com qualquer outro interno. Lá, a partir de uma porta, tinha acesso ao banho de sol individual. Nessa ala, ficam os presos de alta periculosidade, como lideranças negativas e os que não podem se misturar com outros detentos.

Recentemente, o assassino foi transferido para uma cela coletiva, com outros 10 presos, todos condenados por crimes sexuais. O grupo toma banho de sol junto. Segundo servidores do complexo, o ex-caseiro passa a maior parte do tempo sozinho e não apresenta problemas de comportamento. A única diversão é o aparelho de tevê do presídio.

Atualmente, Bernardino tenta migrar do regime fechado para o semiaberto. A Vara de Execuções Penais avalia o pedido, pois ele já cumpriu mais de um sexto da pena, conforme prevê a legislação, e, desde agosto do ano passado, tem direito ao benefício. Para sair da prisão, porém, precisará provar que tem condições de conviver em sociedade, por meio de avaliação psicológica. O ex-caseiro nunca recebeu visita e não há qualquer nome na lista de pessoas autorizadas a vê-lo na cadeia.

Adriana de Jesus Santos

Nascida em Ibicaraí (BA), foi criada no Calabar, onde conheceu Bernardino. Tem dois filhos, que vivem na Bahia. O mais novo, Filipe, morava com ela na casa dos Del’Isola e nunca chamava Adriana de mãe. A personalidade fria dela também é percebida dentro da cadeia. Adriana não fala com as outras detentas, mesmo trabalhando como auxiliar dos agentes penitenciários. O único contato que tem com as presas é quando faz a entrega de uniformes e colchões. Também ajuda na limpeza. Há alguns anos, concorreu a Miss Penitenciária, em uma das raras vezes que interagiu com as outras condenadas. Ela não levou o título.

Como quase não recebe visitas, Adriana arrecada dinheiro fazendo a “xepa”. Lava as roupas, os chinelos e faz faxina na cela das colegas. Pelos serviços, recebe cerca de R$ 20. Os pagamentos são feitos às quintas-feiras, dia de visita no presídio. Por três vezes, a ex-empregada recebeu diagnóstico de transtornos de personalidade e psicopatia, em avaliações psiquiátricas. Apesar de recomendação médica, se recusou a fazer tratamento por alegar “estar bem”.

Presa por estelionato, uma mulher de 64 anos que não quis ter o nome divulgado dividiu a cela na Colmeia com Adriana durante oito meses. Deixou o presídio há cerca de um ano e volta ao local quinzenalmente para levar hidratante para a pele, cremes de cabelo e frutas para a assassina de Maria Cláudia.

A mulher é a única pessoa cadastrada para vê-la. A amiga tenta tirar Adriana da prisão. Desde junho de 2014, ela tem direito à progressão de regime, ou seja, poderia cumprir a pena no semiaberto. Costureira e dona de uma pequena confecção em Samambaia, a ex-colega de cela ofereceu emprego como auxiliar no comércio à Adriana. A Vara de Execuções Penais (VEP), no entanto, negou o pedido. Segundo o juiz Vinícius Santos Silva, a detenta continua “na mesma condição psicológica em que se encontrava à época do crime, sem qualquer avanço durante o cumprimento da pena”.

Na visão do magistrado, não seria “prudente” colocá-la no mercado de trabalho “sem que, ao menos, tenha aprendido a lidar e controlar suas emoções, especialmente raiva, violência, inveja, insegurança e impulso sexual.”

A única amiga de Adriana foi até a Bahia conversar com a família da assassina. Uma irmã e os filhos da ex-empregada dos Del´Isola devem visitá-la no Presídio Feminino do DF, pela primeira vez, ainda este ano.

Em dezembro de 2015, o Metrópoles pediu à Vara de Execuções Penais autorização para entrevistar Adriana e Bernardino. Não houve resposta até a publicação desta reportagem.

REPORTAGEM

Kelly Almeida

Leilane Menezes

EDIÇÃO

Thaís Cieglinski

ARTE

Gui Prímola

INFOGRÁFICOS

Joelson Miranda

Cícero Lopes

VÍDEOS

Gabriel Ramos

Gabriel Pereira

FOTOS

Daniel Ferreira

Michael Melo

TECNOLOGIA

Felipe Marques

Saulo Marques

COORDENAÇÃO

Fernando Braga

EDITORA CHEFE

Priscilla Borges

DIREÇÃO DE JORNALISMO

Lilian Tahan