Artigo: precisamos falar da saúde mental dos cozinheiros

O suicídio do grande chef Anthony Bourdain exige que olhemos com mais calma essa "glamourosa" profissão

André Rochadel
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O suicídio é considerado por muitos a maior doença do século 21 e, infelizmente, ainda é encarado como um assunto a não ser debatido por muitos setores da sociedade. Recentemente, tivemos duas personalidades que encerraram suas vidas: Kate Spade e Anthony Bourdain. Em comum, duas carreiras extremamente agitadas e de sucesso. Me limito a falar da que tenho conhecimento: a vida de chef.

A profissão de cozinheiro é uma das mais estressantes do mundo. O governo dos Estados Unidos solta dados alarmantes sobre a atividade: é a quinta mais propensa ao alcoolismo, com 77% de chance de desenvolver a doença quando comparada a outras carreiras; exibe o título de atividade com maior número de usuários de outras drogas (19,1%) e está entre as 20 profissões com índice mais alto de suicídio. O resultado: diversos profissionais da cozinha acabam desenvolvendo transtornos mentais.

O próprio Bourdain admitiu em seu livro o vício em cocaína, heroína e LSD. Segundo o cozinheiro, nos anos 1990, ele e vários colegas buscavam refúgios na drogas.

O perfil de quem escolhe a profissão certamente favorece a existência desses números: são pessoas perfeccionistas e propensas a se isolar no trabalho. A carreira também não ajuda. Um cozinheiro já tem uma rotina estressante, trabalha além de seu expediente e passa diversas horas em pé.

Ocupando o cargo de chef, o cenário fica ainda pior: sua rotina se inicia antes do expediente de todos e, normalmente, se encerra depois (não era incomum eu entrar no trabalho às 6h e sair às 23h do mesmo dia). Você é responsável para seus superiores pelas atitudes de toda a sua equipe e seu serviço é avaliado a cada prato.

Além disso, esse cargo normalmente perde todas as datas comemorativas: dia dos namorados, das mães, dos pais, natal e ano-novo. Afinal, são momentos nos quais a população gasta em restaurantes. Nascimentos, aniversários e casamentos também passam batidos devido ao trabalho. Uma folga por semana e um domingo por mês é a rotina de descanso da categoria – isso a depender da lotação da casa.

As jornadas extras são tão constantes que nem deveriam carregar esse nome. E essas horas a mais entram em um banco de horas que nunca é descontado: como tirar dias de descanso se normalmente você já é exigido por mais tempo do que deveria na cozinha? Raros são os proprietários que preferem pagar pelo trabalho a mais – isso em uma carreira cujo o salário médio é de R$ 1.914.

Com essa rotina, fica bastante difícil manter um relacionamento estável e impossível ser presente para seus filhos e cônjuges.

Somados a todos esses fatores, há ainda o surgimento das plataformas on-line de avaliação, onde clientes sem conhecimento de gastronomia podem facilmente arruinar a carreira de um cozinheiro, aumentando a pressão, além de alguns programas de TV romantizarem a cozinha como uma zona de guerra.

Recentemente tanto o falecido Bourdain quanto o chef Tom Colicchio se posicionaram contra essa pressão e rotina absurda da cozinha. Esperamos que essa campanha seja endossada por mais profissionais e colocada em prática.

Disque 188
A cada mês, em média, 1 mil pessoas procuram ajuda no Centro de Valorização da Vida (CVV). São 33 casos por dia, ou mais de um por hora. Se não for tratada, a depressão pode levar a atitudes extremas.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada dia, 32 pessoas cometem suicídio no Brasil. Hoje, o CVV é um dos poucos serviços em Brasília no qual se pode encontrar ajuda de graça. Cerca de 50 voluntários atendem 24 horas por dia a quem precisa.

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