O último adeus a Fernando Duarte aconteceu, nesta sexta-feira (27/1), no Cine Brasília – templo da sétima arte no Distrito Federal. Conhecido por seu trabalho com luz natural, o fotógrafo foi um dos responsáveis pelas características visuais do Cinema Novo. Marcado por emoção e homenagens, o velório do profissional reuniu grandes nomes da arte cinematográfica brasileira.
“A gente perde uma presença muito importante porque o fotógrafo Fernando Duarte reconheceu, há muito tempo, o potencial de cinema em Brasília. Não só de se fazer cinema na cidade, mas a própria luz natural da cidade, o sol da capital é [perfeito] para fazer cinema”, explicou Lino Meirelles. “Como ‘pintor com a luz’, ele reconheceu que Brasília tinha uma luz diferente e despertou a atenção de muitos diretores”, completou.

Velório do fotógrafo Fernando DuarteMatheus Veloso/Metrópoles

Liloye Boubli, companheira de Fernando Duarte nos últimos 10 anos, e Renata Duarte, filha de Fernando, ao lado do corpo do fotógrafoMatheus Veloso/Metrópoles

Liloye Boubli deixa o seu último adeus a Fernando DuarteMatheus Veloso/Metrópoles

Os cineastas Vladimir Carvalho e Lino Meireles relembram momentos com Fernando DuarteMatheus Veloso/Metrópoles

A historiadora Berê Bahia contou um pouco mais sobre a sua vivência com FernandoMatheus Veloso/Metrópoles

Renata Duarte, filha de Fernando, deixa o seu último adeus ao fotógrafoMatheus Veloso/Metrópoles

Liloye Boubli relembrou histórias ao lado de Fernando Matheus Veloso/Metrópoles

Vladimir Carvalho reuniu os presentes no velório para agradecer a Fernando sobre a sua vidaMatheus Veloso/Metrópoles

Velório do fotógrafo Fernando DuarteMatheus Veloso/Metrópoles
Vladimir Carvalho, que trabalhou com Fernando Duarte em Vestibular 70, aproveitou para contar um pouco mais sobre a vida do fotógrafo. “A importância dele não se limita só ao artista fabuloso, preciso, clarividente, iluminado no cinema como diretor de fotografia. O capítulo principal, para mim, reside em Brasília. Foi ele que reatou o primeiro curso de cinema da Universidade de Brasília (UnB), em 1965”, contou o cineasta, acrescentando que a ditadura expulsou os precursores da disciplina.
“Fernando foi o comandante, foi o quixote que sonhou com isso e realizou. Tem toda uma geração de cineastas aqui em Brasília que a origem mais primitiva está lá em trás em 1965, e o impulso que a gente deu e que vem até os dias de hoje”, completou Carvalho.
Parceria de Vladimir Carvalho e Fernando Duarte
Sobre a parceria, o cineasta foi ainda além. “Ele mudou a minha vida. Eu trabalhava no Rio de Janeiro desde o golpe militar. Quando vim para Brasília, em 1969, aqui neste saguão [Cine Brasília], eu não conhecia a cidade, vim para um festival. O Fernando me encontrou aqui, perguntou o que eu estava fazendo no Rio e me chamou para ficar aqui dois meses e ajudar a fazer um setor de documentários na UnB. Eu vim dois meses, me envolvi, virei professor da universidade e já estou por aqui há 52 anos”, finalizou Vladimir Carvalho.
Filha de Fernando, Renata Duarte relembrou momentos que passou ao lado do pai. “O envolvimento dele com o cinema era de paixão total. O cinema, a fotografia, a iluminação eram a vida do pai. Via a obra e o trabalho dele como extraordinários. Ele lançou um livro recentemente e eu levei para o hospital para a gente ler junto, porque eu ainda não tinha acabado. Eu lia para ele…”, contou.
“Eu lembro de estar na filmagem do Garrincha, de ter fotografia com ele em cima da máquina, de curtir, de tirar férias com o pai. Lembro das filmagens de Luz Del Fuego. Lembro da sensação de criança de estar maravilhada com tudo, a dança dos bonecos. Lembro das sensações de estar em um set de filmagem ou em um evento curtindo com ele”, recordou Renata.
A companheira de Fernando Duarte nos últimos 10 anos, Liloye Boubli, definiu Fernando Duarte como “uma pessoa que sempre fez o que ele quis da forma como ele quis. O Fernando não tinha ego, era totalmente desprovido de ego”.
Sobre o legado do cineasta, Liloye vai além. “Eu aprendi muito com ele. A devoção ao cinema e àquilo que o cinema foi e que pode trazer para novas gerações, que é a artesania cinematográfica, é você entender que, mesmo com o processo digital, você tem por trás uma matéria a trabalhar, uma emoção a trabalhar. Eu considero que seja um legado para a eternidade, não é palavra ou frase feita não, porque o Fernando formou inúmeras gerações e eles rendem essa homenagem a ele. O Fernando faz essa ponte entre o passado, o presente e o futuro, porque todos bebem dessa fonte. Ele é eterno nesse sentido”, completou.
“Na vida, o Fernando bagunçou tudo na minha vida. Ele me ensinou muito o desprendimento, a importância das relações e do respeito, independente das convenções. O Fernando tinha uma forma filosófica de ver a vida e eu embarquei”, relembrou a cineasta.
Ser humano fantástico
Tânia Montoro, professora de Comunicação Social da UnB, exaltou a carreira de Fernando. “A importância dele foi impressionante. Nós aproveitamos muito a vida do Fernando como fotógrafo, ele ensinou toda uma geração, foi um dos fundadores do cinema dentro da UnB. Ele é muito importante para o cinema”, contou.
Entretanto, Montoro ressaltou o lado humano do fotógrafo: “O mais importante era o ser humano que ele era, um cidadão de primeira categoria, generoso, com um bom humor carioca, e não era um cara vaidoso. Ele não era um cara que se colocava em primeiro lugar. Nos pegava pela mão e ensinava”. Por fim, a professora relembrou uma história que passou ao lado de Fernando.
“Nós estávamos terminando um filme chamado Dois Candangos, que era sobre o auditório Dois Candangos, querendo que o local fosse reativado como cinema. O Fernando chegou para mim, me puxou pelo lado e me falou: ‘Você sabe que esses dois candangos daqui fazem barulho aqui dentro de noite?'”, contou, explicando que não acreditou na história e que questionou outras pessoas.
“Eles falaram para eu não ficar lá a noite porque os operários que morreram lá ficam batendo as coisas de madrugada. ‘Vocês estão acreditando nisso?’, perguntei . Quando eu estava entrando no carro, o Fernando virou para mim, puxou meu braço e falou ‘Não vem gravar de noite não, tá? Só de dia”, finalizou, rindo bastante da situação.
Emoção e homenagens
Presente no velório, a historiadora e professora da UnB Berê Bahia se emocionou ao falar do amigo: “Ele foi uma das peças fundamentais na estrutura do curso de cinema e que fundou todo esse compromisso com essa geração nova, com o compromisso de levantar a arte, o cinema. Ele nunca se colocou a distância dos alunos ou de quem era um mero espectador. Para ele, era todo mundo na mesma panela, era a mesma docilidade, a mesma compreensão”.
O caixão de Fernando Duarte não foi convencional. A arte do objeto foi feita pela artista plástica Sonia Paiva. De acordo com Berê Bahia, a profissional foi “a construtora e a arquiteta da última casa de Fernando”. Paiva relembrou do pedido de Liloye. “O mais engraçado foi a Liloye me ligando e perguntando se eu topava fazer, e a Renata atrás falando que era um caixão. E o Fernando, nessa hora, já estava comigo, eu sou muito espiritualizada. Ele estava do meu lado rindo”, descreveu.
A história do caixão foi complementada por Liloye. “Quando ele faleceu, eu fui ouvir as últimas batidas do coração dele, ele foi muito em paz, do jeito que ele queria. Passado esse momento, fizeram o registro da morte, e falaram um monte de coisa e estava só eu e a Renata [filha de Fernando], nenhum homem da família. Eu olhei para a Renata e falei: ‘o Fernando era isso, ele sempre falava que as mulheres tomavam a frente das coisas'”, explicou.
E a companheira de Fernando aproveitou para brincar com a situação. “Eu falei que isso já era um golpe dele pra gente, colocando nós duas para parar de chorar e correr. Resultado: lá fomos nós duas para funerárias, para ligar para não sei o que, ver o negócio do cartório… eu sempre tive pavor de funerária, eu pensei: ‘Fernando, você está pregando uma peça em mim’. Isso sempre foi dele, a gente superar o medo, enfrentar tudo com leveza. Cheguei na funerária e fiquei amiga do cara da loja”, contou, aos risos.
Liloye resume o perfil do fotógrafo. “O Fernando era muito sofisticado, mas muito simples. Eu vi um caixão de madeira e comecei a maquinar planos. Quando eu fui falar para o moço da funerária, que era de indigente. Eu pensei comigo: ‘Isso já seria a linha do Fernando, porque ele é revolucionário. Então, ele gostaria de estar em um de indigente até por provocação. Foi o Fernando que me fez escolher. Quando eu falei com a Sonia Paiva, ela escolheu a cor azul e eu falei que era a cor preferida dele. ‘Eu sei, ele que está me falando aqui’, disse a Sonia. Eu tenho certeza que eu fui inspirada por ele. Arte acima de tudo”, finalizou.