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Crítica: “Sonhos de Shakespeare” é uma celebração à vida e à arte

Em cartaz até 4/12 no Goldoni, espetáculo da Cia. Yinspiração exige esforço do público, mas compensa com experiência mágica

atualizado

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Luciano Sartoryi/Divulgação
1 de 1 - Foto: Luciano Sartoryi/Divulgação

A peça “Sonhos de Shakespeare”, em cartaz no Teatro Goldoni, impõe desafios ao público. O primeiro é permanecer por cerca de uma hora e meia sentado de pernas cruzadas sobre uma pequena almofada — tendo, em alguns momentos, que se retorcer para assistir a cenas que se passam fora do seu campo de visão.

O segundo desafio lançado ao espectador é acompanhar um texto que dispensa qualquer linearidade e, em princípio, parece ser melhor digerido por quem tenha familiaridade com os dramas e comédias de William Shakespeare.

No entanto, não há que se assustar por isso. A experiência proporcionada pela montagem da Cia. Yinspiração, sob direção de Luciana Martuchelli, compensa o esforço.

“Sonhos de Shakespeare” está impregnada da mágica do teatro. Aquela capacidade que essa arte tem de nos transportar do real para uma dimensão onde é possível enxergar esse mesmo real pela lupa da ilimitada imaginação do artista criador.

“Caos” poético e estético
Luciana leva os espectadores (50 por sessão) a mergulharem em um clima de sonho a partir do momento em que entram no Goldoni. No lugar do palco e plateia, eles veem-se num enorme e enevoado salão cercado por um cenário que por si só valeria a visita.

Árvores secas, instrumentos musicais, pratarias, máscaras, gaiolas, ratoeiras e uma infinidade de outros objetos compõem instalações nas quais os próprios atores-personagens aparecem como peças. Há um “caos” poético e estético naquele amontoado de coisas que antecipa o que está por vir.

Aos poucos, a névoa se desfaz, os personagens ganham vida e abre-se, a partir daí, um labirinto habitado por elfos, reis, megeras domadas, bruxas, no qual nos deparamos o tempo todo com sensações e questões básicas da existência humana, como a paixão, o poder, a ambição, o ser ou não ser.

A lógica da narrativa (se é que se pode falar aqui em narrativa) é a dos sonhos. A música lindamente executada ao vivo, especialmente quando inspirada pelos versos de Shakespeare, provoca enlevo, a sensação de transe — “Sonhos…” é sobretudo sensorial. Há algo de dionisíaco na encenação, algo de celebração à vida em sua forma de arte.

Irregularidades e achados
O elenco tem irregularidades, o que é de se esperar em um grupo tão numeroso (são 18 atores), mas limitações individuais não comprometem o todo. Sobressai Similião Aurélio — surgido no teatro de humor e que hoje, admiravelmente, se impõe como ator dramático.

Há ainda achados, como a letra de “Ritual”, de Cazuza, que ganha outra dimensão quando declamada e casa-se perfeitamente no contexto da peça. Aliás, há muitas referências pop em “Sonhos de Shakespeare”, de Sidney Magal a Marisa Monte.

Tudo converge para uma das mais bonitas cenas do espetáculo, a sequência final — evitemos spoilers. A essa altura, a plateia está tão absorta por tudo que acabou de ver, que continua sentada em suas almofadinhas. É preciso que venha um personagem lembrá-los: “Hora de acordar, crianças”.

“Sonhos de Shakespeare — Réquiem para um Poeta”
Até 4/12 (domingo). Sexta a domingo, às 20h. No Teatro Goldoni (Casa D’Italia, 208/209 Sul). Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Não recomendado para menores de 12 anos.

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