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Uma viagem por dentro do Porão do Rock. Festival volta às origens candangas e tem Capital e Paralamas como destaques

Décima-oitava edição do evento entra a madrugada, apresenta o fulgurante Almirante Shiva e traz grandes concertos de Autoramas e Galinha Preta, além de um inesgotável arsenal de hits com Os Paralamas do Sucesso

atualizado

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Rafaela Felicciano/Metrópoles
Capital Inicial
1 de 1 Capital Inicial - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Mais tradicional evento do calendário rock and roll do Distrito Federal, o Porão do Rock desta vez teve que se espremer numa única data, um sábado (5/12), de muito sol e zero chuva. Com orçamento reduzido e sem condições de trazer atrações gringas, o festival voltou às suas origens candangas e reencontrou velhos conhecidos diante de uma multidão calculada em 20 mil pessoas.

Num roteiro musical apinhado de celebridades pop (Capital Inicial e Paralamas do Sucesso), sobreviventes de tempos passados (Plebe Rude e Raimundos) e figurinhas já manjadas de outros porões (Alf e Angra), a banda a se conhecer desta vez é o Almirante Shiva.

Pena que o estacionamento do Estádio Nacional Mané Garrincha ainda está bem vazio, pouco antes das 19h, quando o trio sobe a um dos palcos gêmeos do festival para começar sua apresentação. Com os concertos varando a noite, até às cinco da manhã, entende-se que a maior parte da rapaziada tenha preferido aparecer mais tarde. Paciência. Carlos Beleza e Pedro Souto não têm nada com isso. Eles soltam suas madeixas e ligam seus instrumentos, pipocando os amplificadores.

Armados apenas por guitarra e baixo, mais a providencial e caudalosa escolta do baterista Marlon Tugdual (ex-Cassino Supernova), os dois jovens virtuoses erguem uma massa sonora larga e espessa o suficiente para preencher toda a ampla arena – e prender a atenção da galera do metal, vestindo camisetas de Iron Maiden e Avenged Sevenfold, que passa por ali no rumo do terceiro palco do Porão do Rock, o chamado Palco Pesado.

Sobe então a primeira névoa do dia: gelo seco sob céu azul, com fiapos de nuvens no contraluz. Horário de verão no Planalto Central. Remetendo em flashbacks lisérgicos à banda californiana Blue Cheer, o som do Almirante Shiva pode ser definido como hard rock psicodélico, com longas jams instrumentais. Seus temas se esparramam sem pressa por seis, sete minutos. Muito rock, muito roll.

Rafaela Felicciano/Metrópoles
Érika Martins, da banda Autoramas, esbanja carisma em show no Porão

 

Órfãos de Mengele
Gabriel Thomaz, o cantor e guitarrista dos Autoramas, bem que estava querendo assistir ao show dos Filhos de Mengele, a seminal banda punk brasiliense do final dos anos 1980. Mas festival tem dessas coisas e o seu concerto calhou de cair exatinho na mesma hora em que o Mengele aparecia no tal do Palco Pesado.

Logo após os calouros do Almirate Shiva, os veteranos Autoramas esquentaram a arena principal do Porão do Rock. Esta atual formação da banda candango-carioca está junta desde fevereiro. Gabriel Thomaz, ex-Little Quail, agora tem a companhia de sua senhora, Érika Martins (ex-Penélope), e dos chapas Melvin (ex-Acabou la Tequila, ex-Carbona) e Fred Castro (ex-Raimundos).

Os sessenta shows já feitos ao longo da temporada – e a experiência de cada um dos músicos envolvidos – garantem o pique acelerado e o som na medida certa, em iguais partes docinho e pop, sujo e tosco. Os Autoramas pegam embalo durante a apresentação e seguem num crescendo de empolgação até que, lá pelas tantas, Érika já não se aguenta mais. Ela abandona sua posição sobre palco e vai dançar no meio da plateia.

Para que os Autoramas despontem na reta final, com a baladinha marota “Aquela”, emprestada dos tempos de Little Quail, Érika Martins precisa ser resgatada lá debaixo. E o herói que se lança a essa missão é ninguém menos que Frango Caos. Ele carrega a garota nos ombros e a ergue, sã e salva, até a altura do palco. Gabriel agradece ao amigo.

“Para quem não sabe, o Frango tem dupla personalidade”, Gabriel explica para a plateia, “além de ser o melhor técnico de palco desta cidade, ele é o vocalista da melhor banda brasiliense de todos os tempos… O Galinha Preta!”

Bernardo Scartezini/Metrópoles
O voo do Frango: Galinha Preta a depenar no Palco Pesado

 

Ninguém neste mundo é p*rra nenhuma
No caminho para o Palco Pesado, dá para ouvir Dinho Ouro-Preto a lembrar que, um dia, até o Capital Inicial já foi punk. Dinho está a cantar “Veraneio Vascaína”, dobrando a esquina lá longe, enquanto o DFC encerra seu show com o hino hardcore “Molecada 666”.

“Cuidado, vocês, molecada meia meia meia/ Quando a sua hora chegar, deus não vai te perdoar/ Não adianta rezar, não adianta se benzer/ O capeta vai te pegar e vai te comer…”

Sim, o Palco Pesado faz jus a seu nome. Logo mais Dark Avenger e Angra se apresentam por aqui, dentro desta dimensão paralela chamada heavy metal. Mas até eles chegarem, com seus bumbos duplos e suas calças de couro, o terceiro palco do Porão do Rock fica sob responsabilidade de Filhos de Mengele, DFC e Galinha Preta.

Essas três bandas, nessa ordem, constituem uma informal linha genealógica, poética e estética do hardcore brasiliense. De fato, como o Gabriel Thomaz anunciou, o Galinha Preta é a melhor banda brasiliense de todos os tempos. Quer dizer… Mesmo se o Galinha Preta não for a melhor banda brasiliense de todos os tempos, e talvez não seja, na prática fica difícil de pensar em alguma melhor durante aqueles 40 minutos nervosos e exultantes de set.

“Cristian Wilson” abre o show do Galinha Preta com uma adorável parábola sobre um homem enterrado vivo. “Jesus Cristo, Jesus Cristo, Jesus Cristo, eu estou aqui”, cantam, em coro, Frango Caos & respeitável público, levando os imortais versos de Roberto Carlos a todo um novo contexto.

“Nóis Tamu Morreno”, “Redes Sociais”, “Devo e Não Nego”, “O Padre Baloeiro”, “Se Eu Cuidasse Mais da Minha Vida” e “Ninguém Neste Mundo É P*rra Nenhuma” se seguem – sem trégua, nem respiro – num turbilhão de hits que só pode ser comparado ao currículo de gente como Ratos de Porão e… Os Paralamas do Sucesso.

Rafaela Felicciano/Metrópoles
Público se empolgou durante as apresentações

 

Rodas em sol, trovas em dó
“Uma Brasileira”, “Loirinha Bombril” e “Aonde Quer que Eu Vá”. “Óculos”, “O Beco” e “Vital e Sua Moto”. Os caras têm mais músicas conhecidas do que você é capaz de se lembrar. Então, não se espante de Os Paralamas do Sucesso abrirem seu show mandando “Alagados” logo de cara.

Eles têm outras tantas de semelhante estirpe para deschavar em hora e pouco de greatest hits. A rigor, este concerto é o mesmo que eles já apresentaram no Porão do Rock de 2013, quando o trio comemorava três décadas de carreira fonográfica. Rodando pelo país desde aquela época, o repertório deles ficou bem afiado.

São tantas músicas a serem mostradas que Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone não têm tempo a perder. Habitualmente expansivo e verbalizante, Herbert esta noite nem conversa com a plateia. Ou conversa, sim, mas apenas através de suas canções. E a comunicação é imediata.

Onze da noite. A arena do Porão do Rock enfim está cheia. A área vip lotada. Os camarotes transbordando. No meio da galera, quatro legítimos punks – jeans, couro, coturnos, moicanos ensaboados, needles and pins – ensaiam felizes passinhos de ska durante “Cinema Mudo”.

A noite ainda vai longe com Scalene, Plebe Rude, Dona Cislene e Raimundos. Mas aquela dança dos amigos punks, que nem tinham nascido quando “Cinema Mudo” foi lançada em 1983, que bem deveriam estar dormindo para fazer PAS neste domingo, não deixa dúvidas de que Os Paralamas do Sucesso são os mais queridos deste Porão do Rock.

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