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Gabriel Thomaz conta em HQ histórias do rock brasileiro dos anos 1990

O ex-Little Quail and The Mad Birds e atual Autoramas narra em primeira pessoa apoiado em ilustrações de Daniel Juca

atualizado

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Reprodução
Magnéticos 90
1 de 1 Magnéticos 90 - Foto: Reprodução

Com uma montanha de fitas cassete e uma memória fotográfica, o cantor e compositor, e agora historiador do rock, Gabriel Thomaz, 46 anos, catalogou uma centena de bandas dos anos 1990 e contou a própria trajetória no livro “Magnéticos 90” (Edições Ideal), que teve sessão de autógrafos no último dia 24/3, no Cobogó Mercado de Objetos.

O livro é um quadrinho, feito com o ilustrador Daniel Juca, que, ao compilar histórias, casos e uma coleção de demos em K7, faz um didático apanhado do rock brasileiro dos anos 1990. “Esse livro serve para duas coisas”, diz o líder do Autoramas e ex-Little Quail and the Mad Birds, sua primeira banda histórica de Brasília. “Para contar a história dessa geração, que nunca foi contada, e para a galera ver como hoje é tudo melhor”, ri.

O livro, narrado em primeira pessoa por Thomaz — um compilador do rock, que, a exemplo de vários contemporâneos, abraçou a ética do “do it yourself” (DIY), uma marca da sua geração –, tem o traço característico dos zines da época. Daniel Juca, hoje com 36 anos, conheceu o vocalista do Little Quail em uma entrevista para um zine que fazia na metade da década.

Quis explorar a técnica de zine, aquela aparência de xerox malfeita, perder os detalhes. Desenhei por cima de fotos e outras coisas. É meio tosco aqui e ali mesmo, é o espírito, e tem o DIY, é a máxima de toda a cena

Daniel Juca, ilustrador

Adolescência em Brasília
O quadrinho começa com Thomaz detalhando sua adolescência em Brasília, ouvindo Legião Urbana, Plebe Rude, Ramones e Ratos de Porão, e o próprio início no show biz: concursos de colégio e bandas com os colegas de sala. Foi assim que surgiu o Little Quail (músicas como “1, 2, 3, 4” e “Aquela”, depois regravada pelo Raimundos, são difíceis de esquecer).

Com uma dedicação positivamente quixotesca, as coisas começaram a acontecer, a banda gravou num estúdio em Brasília, e as demos — fitas cassete que serviam como uma “demonstração” para gravadoras — começaram a correr o País pelo correio. Ele conta que tinha uma jaqueta, com um buraco no forro feito especialmente para carregar os releases (textos de divulgação para a imprensa) sem amassar.

“A gente queria fazer o contrário (da geração de 1980). Existia uma barreira entre uma coisa e outra, isso foi bom para que as bandas tivessem a própria cena, um lugar”, diz Thomaz, que desde a época nunca parou de tocar. Isso lhe deu a rica experiência de viver, também, a geração pós-anos 1990, testemunhar o amplo acesso ao celular e a profusão que a internet proporcionou à música, de modo geral.

Naquela época, viajar de avião era só para milionário. Só músico estourado. A viagem de Brasília para o Rio era de 16 horas num ônibus fedorento, sem ar condicionado, sofrimento total. Mas a gente passava sonhando, e era demais. Hoje em dia, se tiver que viajar duas horas de ônibus, tem gente que não vai. Não que alguém esteja errado.

Gabriel Thomaz, cantor e compositor

Enciclopédia de bandas e demos
Thomaz cita no livro uma verdadeira enciclopédia de dezenas e dezenas de bandas e demos da época – muitas delas, agora estão digitalizadas e disponíveis na web, graças ao trabalho do músico catarinense Edson Luís de Souza, no site demo-tapes-brasil blogspot.com e também no magneticos90.com.br.

“Dava para fazer um mapa do território brasileiro com as fitas que só eu já tinha recebido”, escreve Thomaz. Desde bandas que romperam com folga o mainstream (Planet Hemp, Raimundos, CPM22, Mundo Livre S/A, Charlie Brown Jr., Los Hermanos) até aquelas que fizeram menos sucesso, mas música de muita qualidade (Acústicos e Valvulados, Graforréia Xilarmônica, Acabou La Tequila, Pinheads, PELVs, Concreteness e muitas, muitas outras)

Magnéticos 90As histórias — algumas delas Thomaz diz ter contado mais de 500 vezes em mesas de bar — são outro ponto alto do livro. Como quando, num show no Circo Voador, no Rio, o vocalista dos Chatos e Chatolim, vestido de Chapolim Colorado, ficou pendurado em um trapézio, voando e cantando ao mesmo tempo, ou quando o vocalista Piu-Piu, num show que também tinha Gangrena Gasosa e Second Come, no Canecão, entrou enrolado em jornais em chamas no palco e bradou “gloriosamente, para delírio da plateia: viva o sexo anal!”.

O mosh do punk cadeirante
“Hoje mesmo lembrei de uma história que ficou de fora”, contaThomaz: “Vi shows para mil pagantes do Pinheads, em Curitiba, e eles nunca lançaram um CD, mas todo mundo cantava as músicas em inglês. Um deles estava tão lotado que um punk, que não podia andar, deu um mosh de cadeira de rodas, as pessoas foram levando ele e a cadeira com as mãos, e, enquanto isso, no fundo do salão, eu vi os punks chorando emocionados, foi o surgimento do emo no Brasil”, conta, às gargalhadas.

O livro, que começou a ser feito em 2007, também explora a criação do selo Banguela Records e vai até o fim dos anos 1990, com o início do sucesso dos Los Hermanos.

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