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Da glória ao fim: livro reconstitui história do Jornal do Brasil

A trajetória de um dos baluartes da imprensa nacional no século 20 é narrada com detalhes em obra de Cezar Motta

atualizado

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Zózimo
1 de 1 Zózimo - Foto: Divulgação

Em 1956, Juscelino Kubitschek toma posse e é duramente criticado pelo Jornal do Brasil (JB) por causa da construção, a toque de caixa, da nova capital no coração do país. Para muitos, Brasília era uma loucura. Quando soube, por amigos, da reportagem, o presidente desdenhou. “Isso não tem nenhuma importância, aquilo ali não passa de um jornal para cozinheiras”, disse.

Mas não por muito tempo. Também ridicularizada durante uma tarde de chá com as grã-finas que estavam à frente dos principais veículos do Rio de Janeiro, a condessa Maurina Pereira Carneira se empenhou de corpo e alma para transformar seu jornal no mais importante da cidade e do país. Conseguiu. É essa história que o jornalista Cezar Motta conta em Até a Última Página, livro lançado pela Objetiva, braço da Companhia das Letras desde 2005.

“O JB foi um jornal que primou pela excelência jornalística e ética, tinha até prestígio internacional”, destaca o autor, em entrevista ao Metrópoles. “Para que isso acontecesse, era preciso muito dinheiro. E ela bancou, transformando o jornal numa publicação de peso”, diz.

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Para contar essa história, Motta entrevistou dezenas de ex-profissionais do JB e mergulhou de cabeça numa pesquisa minuciosa que se desdobrou em milhares de relatos fantásticos, hilários e surpreendentes envolvendo personagens antológicos. Nas palavras da jornalista e escritora Ana Maria Machado, ex-funcionária do JB, o veículo foi o “mais charmoso e completo matutino que o país já teve”.

“Em 2010, me aposentei e queria me envolver em projeto que não tivesse a ver com trabalho normal. Um dia, num encontro entre ex-funcionários do JB, no Rio, que celebrava os 80 anos do [Alberto] Dines, a ideia surgiu e já comecei com ele mesmo”, revela Motta, niteroiense radicado há mais de 30 anos em Brasília. “A parte da entrevista foi a mais gostosa, porque revi pessoas que já conhecia e tive contato com gente que gostaria de conhecer”, diz.

Valendo-se de narrativa contagiante, Motta dosa com elegância os bastidores do dia a dia de um grande jornal e as grandes mudanças políticas e sociais do país. A corajosa relação do JB com a ditadura militar é sintetizada, por exemplo, na audaciosa capa do dia 14 de dezembro de 1968, publicada um dia após o Ato Institucional nº 5. Os detalhes que levaram ao melancólico fim do diário, em 2010, também ganham destaque no livro.

“É como o naufrágio de um grande navio: triste e lento”, comentou certa vez o colunista político da publicação a uma amiga, numa conversa informal.

Caderno de cultura pioneiro
Surgido em plena República, em 9 de abril de 1891, pela iniciativa do advogado Rodolfo Dantas, a partir de cotização de um grupo endinheirado de amigos, o Jornal do Brasil nasceu oposicionista e teve entre seus principais colabores o jurista e abolicionista pernambucano Joaquim Nabuco (1849 – 1910), que chegou a ser chefe de redação.

Comprado pelo jovem empresário pernambucano Ernesto Pereira Carneiro em 1908, o JB só viria a se tornar o grande jornal nacional tão almejado pela esposa, a condessa Maurina, a partir de mudanças gráficas e editoriais radicais realizadas no final dos anos 1950, graças a uma equipe do balacobaco comandada pelo poeta e jornalista maranhense Odylo Costa Filho, então amigo da família.

Duas figuras que trabalharam em momentos distintos durante esse processo de reestruturação, um marco no jornalismo moderno brasileiro, diga-se de passagem, foram determinantes: Jânio de Freitas (1956 – 1961) e Alberto Dines (1962 – 1974). Cada um, dentro de seu tempo, estilo e ousadia, contribuíram de forma decisiva para que o Jornal do Brasil se tornasse o mais importante do país.

Boa parte das inovações já vinha do Diário Carioca. O JB foi mais inovador, ultrapassou e acrescentou mais peso com experimentações extraordinárias. O Jânio modernizou o JB e institucionalizou a rotina de jornal. O Dines implantou métodos com criação de editorias e valorizou a fotografia como informação jornalística

Cezar Motta, autor

Foi nesse contexto que nasceria, em setembro de 1960, o mítico Caderno B do JB, um suplemento pioneiro que marcou época e fez tendências, ousando no trabalho gráfico e apostando em pautas de alta qualidade. Por trás desse feito, o paulista Reynaldo Jardim, que viveu os últimos anos de sua vida em Brasília. “Passaram pela redação do JB os maiores jornalistas da época. Pode contar nos dedos da mão os que não foram”, lembra o autor.

Nelson Rodrigues foi um deles. Apesar de achincalhar, em seus textos no O Globo, o estilo moderno e pernóstico do concorrente, sempre que podia fazia uma visita ao amigo Wilson Figueiredo, o Figueró, então chefe de reportagem, aproveitando para fazer ligações interurbanas a amigos às custas do jornal. “Tinha esse diferencial, o JB era mais elitista, enquanto o O Globo era mais popular”, lembra Motta, que dedicou quatro anos ao projeto.

Entre os nomes de destaques da imprensa da época que trabalharam no JB, estão o artista plástico e designer gráfico Amilcar de Castro, um dos responsáveis pelo visual clean do jornal, José Ramos Tinhorão, Ferreira Gullar, Fernando Gabeira, prestes a se tornar um guerrilheiro, Carlos Castello Branco, Elio Gaspari, Millôr Fernandes e Zózimo Barrozo do Amaral, que consolidou de vez o mito do grã-fino com sua coluna social.

Ao terminar de ler Até a Última Página – A História do Jornal do Brasil, a conclusão que se tem é de que, até pelo processo de modernização dos meios de comunicação, não fazemos mais jornais como antigamente. Se isso é bom ou ruim, é você quem vai descobrir.

Até a Última Página – A História do Jornal do Brasil.
De Cezar Motta. Editora Objetiva, 552 páginas. R$ 69,90

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